Me lembro exatamente daquela noite de 6 de dezembro de 2005. Por volta das 19h, comecei a sentir as dores do parto. Após vários contatos com meu obstetra Felipe Carvalho, fui orientada a me dirigir à maternidade Perinatal de Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Era chegada a hora.

Porém, horas depois de muitas dores e contrações numa sala de parto humanizado, aplicações de ocitocina (hormônio usado para auxiliar o trabalho de parto) e até de agulhadas de acupuntura aplicadas pelo pai, minha bebê não ‘encaixava’, apesar de a dilatação ser adequada e todas as condições serem as ideais para o parto normal.

E então, esgotados todos os esforços, tivemos que optar pela cesariana para que meu bebê não entrasse em “sofrimento fetal”. Era uma difícil decisão, mas tinha que ser rápida. E minutos depois, exatamente às 3h21 de 7 de dezembro de 2005, na sala fria de um centro cirúrgico, experimentava, anestesiadamente feliz, uma das maiores emoções que um ser humano pode ter: a “estreia” da minha tão esperada ‘beiba’ Maria Clara, linda e saudável.

Se me senti frustrada por não ter tido um parto normal? Sim, confesso que um pouco. Afinal, eu sonhava em ter um parto o mais natural possível, sem qualquer interferência no tempo de vida da minha filha. Mas foi a decisão mais sensata e lúcida que tomamos, pelo bem e pela saúde de nosso maior tesouro. E também para menos riscos para mim.

Hoje, vejo que a maioria das mães opta pela cesárea, mesmo quando tem todas as condições para um parto normal. Algumas por medo e insegurança; outras por comodidade mesmo, porque preferem marcar a data especial para a criança nascer. E há também aquelas incentivas (ou induzidas) por médicos e unidades de saúde.

Campanha pelo direito de nascer na hora certa 

Para alertar as futuras mamães sobre a importância do trabalho de parto espontâneo para a saúde da mãe e do bebê, o Unicef lança nesta quarta-feira (19 de abril) no Brasil a campanha Quem Espera, Espera, pelo direito de nascer na hora certa. A iniciativa faz parte da campanha global do Unicef #EarlyMomentsMatter, que tem como foco a primeira infância.

De acordo com a análise divulgada pela organização, cada semana a mais de gestação aumenta as chances de o bebê nascer saudável, mesmo quando não há mais risco de prematuridade. As últimas semanas de gestação permitem maior ganho de peso, maturidade cerebral e pulmonar.

Hoje, o grande número de nascimentos entre a 37ª e a 38ª semana de gestação está associado ao elevado número de cesarianas realizadas antes do trabalho de parto espontâneo, especialmente no setor privado. Metade dos partos realizados nas clínicas particulares ocorre nessa idade gestacional.

Unicef alerta para número elevado de cesarianas

O elevado número de cesarianas coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em percentual deste tipo de parto. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece em até 15% a proporção de partos por cesariana, por aqui esse percentual chega a 57%. As cesarianas representam 40% dos partos realizados na rede pública de saúde. Já na rede particular, chegam a 84% dos partos.

Entre os estados com maiores percentuais estão Goiás (67%), Espírito Santo (67%), Rondônia (66%), Paraná (63%) e Rio Grande do Sul (63%). Segundo estudos, grande parte das cesarianas é realizada de forma eletiva, sem fatores de risco que justifiquem a cirurgia, e antes de a mulher entrar em trabalho de parto.

 “O trabalho de parto espontâneo é a única maneira 100% segura de saber que o bebê está pronto para nascer. Esse processo traz uma série de benefícios para a mãe e o bebê. Privá-los do trabalho de parto, por meio de cesarianas eletivas, pode gerar consequências negativas para a saúde de ambos”, diz Gary Stahl, representante do Unicef no Brasil.

A análise do Unicef aponta os benefícios do trabalho de parto espontâneo para a mulher e o bebê. Nesse momento, por exemplo, são liberadas substâncias que ajudam no amadurecimento final do organismo da criança, como o hormônio corticoide, que age no pulmão. Para a mulher, o trabalho de parto ajuda também a liberar hormônios importantes, que vão prepará-la para a amamentação.

“Garantir o direito ao trabalho de parto espontâneo é um dos desafios atuais do Brasil para assegurar a sobrevivência e a saúde de mulheres e seus bebês”, explica Stahl. Ainda segundo ele, os direitos de cada criança começam – e devem ser garantidos – antes mesmo do nascimento. Para tanto, é fundamental que as mulheres tenham acesso ao pré-natal de qualidade e recebam todas as orientações para que seus filhos possam nascer no momento certo, de forma humanizada.

Mais sobre a campanha ‘Quem Espera, Espera’

O objetivo da nova campanha do Unicef é dar visibilidade a esse tema e sensibilizar os brasileiros, especialmente mulheres e suas famílias, sobre a importância de esperar o trabalho de parto espontâneo. Na plataforma são apresentadas informações sobre a importância de esperar pelo trabalho de parto.

As mulheres serão convidadas a enviar seus depoimentos sobre as experiências no parto de seus filhos, dando dicas para ajudar futuras mães a entender melhor, sob os mais diversos ângulos, a importância dessa espera. Ainda estará disponível para ser baixado um plano de parto que pode ser personalizado, de acordo com as preferências de cada grávida.

O elemento central da campanha, criada pela agência mcgarrybowen, é uma série de filmes produzidos pela Conspiração Filmes que contam com a participação da atriz Heloísa Périssé, que apoiou a causa.

“Abordar a importância de se esperar pela hora certa de o bebê nascer foi um grande desafio. Como passar um conteúdo tão sério sem soar professoral, nem fazer a mulher se sentir julgada? Falando de igual para igual, nunca de cima para baixo”, comenta Sophie Schonburg, VP de criação da mcgarrybowen.

Segundo ela, o conceito Quem Espera, Espera reforça o quanto paciência é importante em toda gestação, principalmente na etapa final”, explica. A criação e a produção da campanha e dos vídeos foram realizadas de forma pro bono para o Unicef pela mcgarrybowen, Conspiração Filmes e Isobar e será veiculada, gratuitamente, em canais de televisão, veículos on-line e impresso e em mídias e mobiliários urbanos.

Com Unicef

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