“Cuida da mãe porque a criança está morta”, disse o médico para a enfermeira. Assim começou a história de Ivone Ferreira Caetano, a primeira juíza e desembargadora negra do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Mas essa também é a história da filha da Dona Josepha, a criança que enganou a morte ao nascer e que construiu uma trajetória de superação como advogada, comissária de Justiça, juíza de Direito, desembargadora, corregedora, entre outras atribuições profissionais, mas, sobretudo, como ser humano.

Foi vendendo salgados na porta de uma universidade na Baixada Fluminense que Jandaraci Araújo conseguiu sua primeira oportunidade. ‘Mulher, preta e nordestina’, como se autodefine, foi lá que conseguiu ser recrutada para trabalhar numa grande rede de varejo, onde fez carreira. Até que um dia, morando a trabalho em São Paulo, recebeu um alerta da vida: um tumor no abdômen. “Percebi que precisava cuidar de mim e resgatar meus valores, perdidos entre a pressão por resultados”, conta a empresária, que hoje ocupa o cargo de subsecretária de Empreendedorismo de Pequenas e Médias Empresas do Estado de São Paulo.

Neste sábado, dia 25 de julho, foi celebrado o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Teresa de Benguela, líder quilombola do século XVIII que lutou contra a escravidão da comunidade negra e indígena. Em homenagem à data e às bravas guerreiras que lutam diariamente contra o preconceito racial, Ler Faz Bem traz as histórias dessas duas mulheres pretas que conquistaram seu merecido lugar de destaque com muito trabalho, estudo e superação.

Livro relata trajetória da primeira desembargadora negra do RJ

Inspiração para a Rosa Negra, medalha criada pela Ordem dos Advogados do Brasil, Dra Ivone é autora do livro ‘Rosa Negra, Retalhos de Uma Trajetória de Superação’, lançado neste sábado (25) em live promovida pela Estácio. A obra proporciona ao leitor diferentes perspectivas da vida da biografada em 25 histórias, construídas a partir do seu nascimento até chegar aos dias atuais. 

Formada na terceira turma de Direito da Estácio, ela advogou por 18 anos antes de entrar para magistratura. Ela também é corregedora geral das Polícias Unificadas do Rio e inspira, com sua trajetória de superação, os que trilham a carreira jurídica. Casada com Mauricio Caetano há 50 anos, é a mãe do Márcio Eduardo e da Daniela.

Atualmente é diretora presidente da Diretoria de Igualdade Racial da OAB/RJ, e consocia do Instituto dos Advogados Brasileiros. Ivone segue seu caminho de superação dando continuidade aos diversos projetos e atividades que continuam fazendo com que a sua agenda esteja permanentemente lotada. 

‘Sou mulher, preta e nordestina’, afirma empresária

Chamada pelos amigos de Janda, Jandaraci Araújo é a caçula de uma família de seis irmãos. Nasceu na Bahia e lá teve Diumara e Luana – “minhas fontes de inspiração e minhas fortalezas”, diz ela. Mesmo com currículo e boa formação, Janda não conseguia emprego. Com duas filhas e um relacionamento falido resolveu sair da Bahia para o Estado do Rio de Janeiro.

Sou mulher, preta e nordestina e na minha vida sempre tive que batalhar para proporcionar um futuro melhor às minhas filhas. Por conta disso, me reinventei várias vezes e fiz de tudo, consertei eixo de caminhão e tive uma pequena serralheria onde cortava, moldava e soldada ferros”, conta ela.

Janda fez a trajetória de muitas mulheres e homens que migram para o Rio. Foi morar na casa da tia em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e logo procurou emprego, pois não queria pedir mais ajuda para seus pais, que já criavam suas filhas. Lá, teve a ideia de vender salgados na porta de uma universidade, só não sabia que mais tarde eu estudaria lá.

Foi vendendo salgados que consegui minha primeira oportunidade. Um professor que sempre comprava comigo um dia perguntou sobre minha história e conversamos. No dia seguinte, ele me deu seu cartão e pediu que procurasse uma de suas gerentes. Cinco dias depois, comecei a trabalhar em uma das maiores redes do varejo. Anos depois, soube que a vaga não existia”, relembra.

‘Recebi um alerta de vida: um tumor no abdômen’

Janda fez sua carreira na empresa e em 2003 foi transferida para São Paulo, onde trabalhou durante muito tempo antes de seguir carreira no varejo. Foi nesta época que ela recebeu um alerta da vida: recebeu o diagnóstico de um tumor no abdômen. “Percebi que precisava cuidar de mim e resgatar meus valores, perdidos entre a pressão por resultados”, conta.

Recuperada da doença, em 2015 Janda se juntou a uma amiga e decidiu empreender, também no segmento varejista. As duas começaram a operar a BP9 Business Partners, um comércio eletrônico de joias e roupas. Mas não conseguiam captar investimentos e o caixa secou. Venderam a empresa no ano passado.

No mesmo ano, Janda foi convidada para assumir o cargo de subsecretária estadual de Empreendedorismo, Pequenas e Médias Empresas de São Paulo. Hoje também é diretora-executiva do Banco do Povo, sendo a primeira mulher desde a sua criação em 1997 a ocupar o cargo. Ali, coordena uma equipe de mais de 700 agentes de crédito e com o desafio de torná-lo um banco digital.

Palestrante, professora de Finanças Corporativas de pós-graduação e consultora, Jandaraci possui MBA em Finanças e Controladoria pela Fundação Getúlio Vargas, MBA Executivo pela Fundação Dom Cabral e se especializou em Gestão Estratégica pela Business School e Inteligência Competitiva pela ESPM São Paulo.

Janda é ainda conselheira da Women in Leadership in Latin America (WILL), ONG voltada para o empoderamento feminino nas organizações e voluntária no Grupo Mulheres do Brasil. Atua também como diretora financeira da Aristocrata Clube e coordena o programa Empreenda Rápido, que promove capacitação empreendedora, formalização e microcrédito.

Próximo sonho de Janda é lançar seu livro

Ufa! Ficou cansado só de ler o currículo da moça? Pois tem mais. Ano passado, Janda conquistou mais um sonho: palestrar em um dos eventos mais importantes do mundo: a TEDxSão Paulo. E agora se prepara para lançar, em setembro, o livro ‘Mulheres nas Finanças’, onde contará sua trajetória, experiências e como chegou até aqui.

O livro da série ‘Mulheres’, da editora Leader, apresenta algumas protagonistas de suas trajetórias profissionais por meio de suas experiências e cases de como superaram obstáculos no clima desafiador do mercado financeiro. Segundo a editora, o objetivo é “registrar o legado dessas mulheres no país tão necessitado de exemplo de pessoas inspiradoras”.

Meu propósito é lutar por uma sociedade mais igualitária, onde a cor da pele não defina o lugar onde devemos estar e ser mulher. Que não precisamos ser cota da cota (negra, mulher e nordestina), que não nos coloquemos como referência de diversidade, mas sim de normalidade, principalmente, nas posições de liderança, seja no setor público ou privado”, afirma Janda.

O poder transformador da educação

Janda e Ivone são mulheres fortes e têm muitas coisas em comum. Mas algo chama a atenção, além da resiliência e determinação: ambas são reflexo do poder transformador da educação na vida de qualquer pessoa. E ainda mais quando exposta a tamanha adversidade que é a desigualdade racial num país que historicamente desrespeita e não assegura os direitos dos negros.

Tenho muito orgulho da minha trajetória, principalmente das dificuldades que passei por conta das minhas grandes paixões: minhas filhas. Sempre estudei muito, fiz vários cursos gratuitos ou não, busquei bolsas de estudo ou patrocínio das empresas onde trabalhei. Vergonha zero de pedir descontos, propor parcerias e pedir conselhos. A educação é transformadora, acredite! Olhando para trás vejo que valeu muito a pena. Hoje a mais velha é formada em Direito Tributário e a outra estuda para Fisioterapia”, conta Janda.

Dra Ivone, a primeira desembargadora negra do RJ (Foto: Divulgação)

Para Claudia Romano, vice-presidente de Relações Governamentais, Sustentabilidade e Comunicação da Estácio, a Dra. Ivone Caetano é um grande exemplo de que a educação realmente transforma. “Sua trajetória de vida enche de orgulho todas as mulheres deste país. Ela é uma parceria de longa data, pois fez parte da terceira turma do curso de Direito da Estácio. Espero que o livro Rosa Negra possa fazer com que outras pessoas também se expirem e acreditem nos seus sonhos profissionais”, afirma.

O livro ‘Rosa Negra’ recebe o apoio da Estácio, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro (ISS/RJ), da Prefeitura do Rio, e é uma realização da ID Cultural.  A obra faz parte das iniciativas apoiadas pelo Programa de Responsabilidade Social Corporativa Educar para Transformar, que atua em cinco pilares – Esporte, Escola, Cidadania, Cultura, Inovação e Empreendedorismo. O objetivo, segundo Cláudia, é “oferecer uma educação acessível e de qualidade e, assim, gerar um impacto positivo para a construção de uma sociedade mais justa”. 

SOBRE A DATA

Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha  

Em 1992 foi organizado o 1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas em Santo Domingo, na República Dominicana, onde foi discutido diversos problemas e alternativas de como resolvê-los. Após o encontro, nasceu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas, que juntamente com a Organização das Nações Unidas (ONU), lutou para o reconhecimento do dia 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha. 

Este dia não é apenas uma data de comemoração, mas o momento em que as mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais refletem e fortalecem as organizações voltadas às diversas lutas. Aqui no Brasil, em 2 de junho de 2014, foi instituído por meio da Lei nº 12.987, o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela eda Mulher Negra, homenagem a uma das principais mulheres, símbolo de resistência e importantíssima liderança na luta contra a escravização. 

Com Assessorias e edição de Rosayne Macedo

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