A população negra, soma de pretos e pardos, representa 53% do total da população do Estado do Rio de Janeiro. São mais de 9 milhões de habitantes negros. Mas, infelizmente, esta grande maioria de pessoas ainda é alvo de de crimes praticados contra a honra como, injúria por preconceito, injúria real e preconceito de raça e de cor. Em 2019, o estado registrou 1.706 vítimas desses crimes, sendo que 844 sofreram discriminação por motivação racial, sendo que 766 destas vítimas eram negras. Isso quer dizer que duas pessoas sofreram racismo por dia.

Os dados são do Dossiê Crimes Raciais, primeiro estudo já produzido por um governo estadual no Brasil, com o intuito de analisar e evidenciar os crimes de injúria e preconceito que possuam motivação racial. O trabalho foi lançado pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro nesta quinta-feira (19/11) , véspera do Dia da Consciência Negra e logo após o Dia Nacional de Combate ao Racismo (18/11).

Na análise do perfil das vítimas, constatou-se que a maioria é mulher, com idades entre 40 e 59 anos. Em 42,9% dos casos, as vítimas não possuíam nenhuma relação com os autores dos crimes. A capital concentrou o maior número de vítimas em 2019 (422), seguida pelo Interior do estado (255), Baixada Fluminense (100) e Grande Niterói (67).

Na cidade do Rio, os bairros do Recreio, Barra da Tijuca e Taquara, com 36, 30 e 23 vítimas, respectivamente, foram os que tiveram a maior concentração de casos. Fora da capital, os municípios de Teresópolis e Petrópolis e a região central de Niterói com, respectivamente, 22, 17 e 16 vítimas, registraram os maiores números de vítimas no ano passado.

Estas são as primeiras estatísticas oficiais sobre o tema usando como fonte de dados quase três mil registros de ocorrência confeccionados em 2018 e 2019 nas delegacias da Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro.

O ISP se orgulha muito de lançar um estudo tão importante para ajudar a construir a sociedade que queremos. A elaboração desse Dossiê é importante não só para nortear os Poderes na criação de novas políticas para reduzir o número de casos de racismo, como também para aprimorar os instrumentos estatais que já estão funcionando”, disse a diretora-presidente do ISP, Marcela Ortiz.

A delegada Marcia Noeli, titular da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), explicou o funcionamento da unidade, que é especializada nesses crimes, e incentivou a denúncia dos casos. “Para construir uma sociedade melhor, precisamos cada vez mais aprender com esses estudos e entender que a denúncia é de extrema importância para que os autores sejam punidos e, com isso, enfrentar esse mal”, disse.

Perfil da vítima e dos autores

Mais da metade das vítimas de racismo no ano passado eram mulheres (58,2%). Os homens representaram 39,7% do total. Ao analisar a idade, quase 1/3 tinha entre 40 e 59 anos (262) e 8,7% tinha até 17 anos (73). Segundo o Dossiê, 46,3% dos autores eram conhecidos das vítimas e 42,9% eram pessoas com as quais as vítimas não possuíam nenhuma relação. É importante ressaltar que cerca de metade dos autores desses delitos (45,8%) eram mulheres.

Os ambientes não residenciais foram locais com a maior incidência de ofensas (43,3%), seguido pela residência (27,1%) e pelo ambiente virtual (5,5%), ou seja, a internet.

Durante a análise dos dados, os analistas do ISP realizaram a leitura de cerca de 3 mil registros de ocorrência e constaram as ofensas verbais proferidas com mais frequência contra as vítimas de racismo no estado. Palavras como “macaca”, “macaco”, “negra”, “preto”, “preta” e “cabelo duro” foram as mais usadas pelos agressores.

O que se observa nas palavras em destaque é que os aspectos que constroem o fenótipo negro (cor da pele, formato do nariz, textura do cabelo), as religiões de matriz africana e a própria herança histórica da escravização foram os elementos utilizados para a depreciação das vítimas. Clique aqui para ter acesso à nuvem de palavras com o perfil das ofensas.

O Dossiê Crimes Raciais completo pode ser acessado aqui

Racismo afeta a saúde e causa problemas como estresse e depressão

Em 2018, as principais causas de internações na rede hospitalar pública e conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) da população negra no Estado do Rio foram, na ordem: causas obstétricas, como gestação e parto (23,52 %); causas externas (10,29 %); doenças do aparelho circulatório (9,78 %); doenças do aparelho digestivo (9,14 %); e cânceres (7,52 %).

Os dados mostram que o SUS é especialmente necessário para esta população. No Brasil, 67% da população depende exclusivamente do sistema de saúde pública, sendo a sua grande maioria desses cidadãos de cor/raça negra. No ano de 2018 foram realizadas 699.438 internações na rede SUS no estado, sendo 61,32 % de negros.

Instituída em 2009, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) estabelece princípios, diretrizes e estratégias voltadas à melhoria das condições de saúde desse grupo da sociedade. Afinal, além de estar na base das estruturas de problemas sociais e econômicos, o racismo também afeta a saúde, gerando agravos como estresse pós-traumático, hipertensão, problemas no coração e depressão. Para que essa política funcione de modo adequado, é necessário que os profissionais tenham acesso ao máximo de informação possível.

Um obstáculo que persiste neste caso é a subnotificação. Apesar de a Portaria nº 344 de 2017 do Ministério da Saúde tornar obrigatória a coleta do quesito cor e o preenchimento do campo denominado raça/cor respeitando o critério de autodeclaração do usuário de saúde, 31% dos registros de raça/cor nas unidades de saúde têm sido ignorado ou deixado em branco, dificultando o trabalho para a melhoria dos serviços.

O quesito raça/cor é de extrema importância porque visa coletar os dados que vão refletir sobre a situação de saúde desta população. Quando a gente fala de dados, seria o preenchimento da raça nas fichas de notificação. A gente tem um alto nível de subnotificação do quesito raça/cor, que qualifica os dados e propõe uma análise mais real e concreta dos indicadores de saúde da população, fazendo com que se possa reduzir as iniquidades que assolam essa sociedade”, explica a apoiadora institucional da Superintendência de Atenção Psicossocial e Populações Vulneráveis da Secretaria de Estado de Saúde, Fernanda Martins.

Segundo a historiadora e mestre em educação profissional em saúde, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra é de extrema importância na luta contra o racismo. “É um reflexo de uma luta histórica dos movimentos sociais, do movimento negro, para poder fazer valer os princípios estabelecidos na constituição cidadã. Dignidade da pessoa humana, de igualdade e repúdio ao racismo, assim como os princípios estabelecidos pelo SUS – integralidade, universalidade e equidade. Essa política foi criada reconhecendo as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucional como determinantes sociais para as condições de saúde e como barreira para a promoção de equidade em saúde”, destaca.

Estatuto da Igualdade Racial completa 10 anos

A política é, portanto, ferramenta para ampliar as formas de a população negra acessar o sistema de saúde e ter as suas especificidades atendidas, como destaca a historiadora: “É uma busca por garantias em ampliar o acesso da população negra residente nas áreas urbanas, nas regiões periféricas do centro da cidade, assim como também a população negra do campo, das florestas, e, em particular, a população quilombola, a esses serviços. É de extrema importância no combate à discriminação, para poder prevenir também situações de abuso, exploração e violência que incluem essas populações também no ambiente de trabalho”.

Graças a essa política, feitos importantes foram conquistados, como a criação de um capítulo dedicado à saúde dentro do Estatuto da Igualdade Racial, instituído por lei em 2010 para garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.

Outro ponto importante são as campanhas focadas na qualificação dos profissionais que coletam os registros do quesito raça/cor, assim como os debates sobre racismo dentro dos serviços de saúde e, também, dentro da academia, na formação destes profissionais e de cursos que debatam  como é importante o processo de equidade pensar o racismo, transversalizando todo este debate. Isso é um ponto positivo que a política e esses movimentos vieram trazendo ao longo deste tempo”, comenta Fernanda.

Os motivos para declarar a raça/cor ao buscar um serviço de saúde pública são diversos: possibilitar a informação como ferramenta para qualificar o cuidado em saúde da população; proporcionar a qualificação de serviços e profissionais, ajudando-os a se tornar mais preparados para atender essa população e suas vulnerabilidades; e a promoção da saúde: melhorar qualidade de diversos aspectos da vida dessa população, como moradia, transporte, saneamento, educação, trabalho, entre outros; além de promover a equidade, para enfim reduzir as desigualdades que afetam a população negra.

Cultura da paz e aceitação da diversidade

Eralda Ferreira, coordenadora de Vigilância e Promoção da Saúde da Secretaria, esclarece que um dos eixos prioritários da política de promoção da saúde é a cultura da paz, em que governos promovem com a comunidade de cada território estratégias para erradicar o racismo e situações de preconceito e discriminação de qualquer natureza.

Neste mês de novembro é preciso intensificar essa comunicação de não violência e aceitação da diversidade, que é o cerne da cultura da paz. Desenvolver empatia e solidariedade é fundamental para deter o sofrimento causado por atitudes preconceituosas que têm impacto na saúde mental, no desempenho escolar, na empregabilidade e em demais aspectos que influenciam condições de vida e modos de viver. Ter consciência da história dos povos que originaram nossa sociedade e respeito à sua cultura e tradições é imprescindível para a evolução da nossa sociedade para almejar uma saúde com equidade, longevidade e qualidade de vida”, declara.

A responsabilidade pela consolidação desses avanços é coletiva: profissionais de saúde, gestores públicos e a sociedade em geral precisam contribuir, cada um assumindo suas responsabilidades e cooperando para que a evolução seja permanente.  

Da Ascom Governo do Estado do RJ, com Redação

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