Mais uma morte envolvendo complicações decorrentes de lipoaspiração retoma o debate sobre a busca do “corpo perfeito” nas redes sociais e acende o alerta entre especialistas, principalmente por conta de maior risco em realizar mais de um procedimento ao mesmo tempo. A empresária e modelo Luana Andrade, de 29 anos, sofreu quatro paradas cardíacas e acabou morrendo durante a cirurgia na última terça-feira (7).

A assistente de palco do programa Domingo Legal, do SBT, Luana havia feito lipoaspiração no abdômen e quando os médicos iniciaram o procedimento no joelho, por conta de um suposto lipedema – conhecida como a “síndrome da gordura dolorosa” -, ela sofreu a primeira parada cardíaca. O Hospital São Luiz, em São Paulo, onde a modelo fazia a cirurgia, informou que a causa da morte foi uma embolia pulmonar maciça (veja no final a nota na íntegra).

Além de comoção, a morte da influenciadora Luana Andrade despertou uma série de dúvidas sobre os cuidados que podem ser adotados para evitar complicações durante cirurgias estéticas.

Para o médico Paulo Martin, vice-presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgia Plástica (CBCP), casos de parada cardiorrespiratória durante um procedimento de lipo, como aconteceu com a influenciadora, acende um alerta sobre os cuidados pré-operatórios e o excesso de tecnologias indicadas para pacientes que procuram realizar uma cirurgia estética.

“Todas as tecnologias são muito bem-vindas, mas devem ser usadas com muita consciência e que individualize a necessidade para cada paciente”, disse o especialista, dono e principal médico do Day Hospital Nova Plástica, em Jundiaí (SP). Dr. Martin é conhecido por desenvolver técnicas inovadoras na medicina estética, incluindo o Jowl Lift, e já foi médico da dançarina Sheila Mello.

Quanto mais tempo anestesiada, maior o risco cirúrgico

O vice-presidente do CBCP explica que tem observado uma procura maior de pacientes que querem mais do que uma lipo.

“Não afirmo que foi o caso da influenciadora, mas tenho observado que, o que antes era uma simples lipoaspiração, virou uma lipo que entra com a tecnologia Vaser, Bodytite e Renuvion na sequência. Se tornou comum fazer vários procedimentos de uma só vez”, disse ele.

“Existem casos que querem usar as três tecnologias juntas, deixando a paciente ficar até três horas anestesiada. Isso aumenta muito o risco cirúrgico”.

Dr. Martin explica que o Renuvion é mais indicado para tratar áreas grandes, enquanto o Bodytite, como tem várias opções de ponteiras, é possível usar em áreas pequenas como rosto, pescoço, pálpebras, além de tratar estrias e celulites. Já o Vaser tem como objetivo melhorar os contornos do corpo e realçar a definição muscular.

Outro ponto que preocupa o especialista é o aumento do uso de medicamentos para impedir hemorragias para facilitar a realização de vários procedimentos estéticos ao mesmo tempo.

“Existe uma medicação que está sendo usada para impedir hemorragias e sangramentos, como o caso do Transamin, e isso pode ser algo que se use para tentar aumentar a área de tratamento, que leva o maior risco do paciente. Com um medicamento como esse é possível lipar desde o pé até a cabeça que não vai sangrar, mas isso expõe mais o paciente”, alerta.

Cuidado com recomendações de influenciadores

O médico ainda contou que, com a corrida para ter um corpo perfeito de uma só vez, existem pacientes que o procuram em busca de um aparelho específico e não mais pelo tratamento indicado e isso pode trazer riscos ao indivíduo.

“É possível fazer os três procedimentos ao mesmo tempo, porém é preciso avaliar cada caso. Quando você associa a tecnologia com o procedimento, você está perdendo controle total que você já tinha sobre os tecidos em relação às queimaduras, retrações, e temperatura, por exemplo, aumentando os riscos que já existem nas cirurgias plásticas”, ressalta.

Dr Martin reforça que o mais importante é operar com um especialista e que o paciente não busque ter as mesmas experiências do que um influenciador ou amigo que já tenha passado pela cirurgia estética que quer fazer.

“Com o boom de influenciadores realizando procedimentos estéticos e divulgando sobre seus tratamentos, tento sempre explicar para os pacientes que ficam sabendo dessas tecnologias, que todas elas devem ser utilizadas com consciência, com indicação da necessidade em cada caso. É preciso estar atento aos riscos cirúrgicos e as melhores indicações que o cirurgião fizer para o seu caso”, adverte.

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‘Fale tudo com seu médico’, recomenda especialista

Eduardo Costa Teixeira, professor titular da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo), explica que há protocolos e procedimentos adotados no pré-operatório para evitar complicações.

Segundo ele, a adoção de alguns cuidados antes da cirurgia pode ajudar a prevenir casos de embolia, mas ressalta que, ainda assim, este é um dos riscos inevitáveis.

“É uma complicação que está prevista na literatura médica, por isso existem critérios para você fazer a prevenção, como exames pré-operatórios e protocolos para identificar fatores de risco que estejam presentes”, detalha.

Teixeira reforça a importância de não omitir informações sobre a saúde e estilo de vida ao médico durante as consultas pré-operatórias.

“O tromboembolismo (formação de um coágulo dentro da veia) pode acontecer até em viagens longas, quando a pessoa fica muito tempo sentada e a circulação é prejudicada. Fatores como o tabagismo e o uso de pílulas anticoncepcionais são alguns dos fatores de risco, por isso nenhuma informação deve ser negligenciada”, conta.

Ele lembra que, antes de qualquer cirurgia, o paciente deve se submeter a uma série de exames. “É feito um exame físico para descartar a presença de trombose e veias profundas e, se houver fatores de risco, é indicado fazer um doppler em membros inferiores para verificar que está tudo bem”, complementa.

Após a cirurgia, existem cuidados que podem ser adotados para evitar a embolia. “A profilaxia mecânica usa a deambulação precoce, ou seja, colocar o paciente para andar após o procedimento. Durante a cirurgia, isso é feito com uso de compressores pneumáticos. Há ainda, após avaliação criteriosa, a possibilidade de uso de medicação anticoagulante”, completa.

Para família, foi uma ‘fatalidade’ causada pelo lipedema

Em entrevista ao Fantástico, namorado e mãe de Luana Andrade contam como foi o procedimento (Foto: TV Globo/Reprodução)

Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, neste domingo (12), a família exime a equipe médica de responsabilidade pela morte de Luana e afirma ter sido “uma fatalidade”. Também faz questão de negar que a motivação para a cirurgia plástica – a terceira na vida da jovem influenciadora – teria sido motivo estético e sim as dores que sofria por conta do lipedema, que estaria inclusive prejudicando a sua carreira.

O empresário e influencer João Hadad, namorado de Luana, que participou com ela da sexta temporada do Power Couple Brasil, disse que o problema com a gordura localizada no joelho não era simplesmente uma questão estética. O problema havia feito com que ela até perdesse trabalhos por conta das dores que sentia – desde a adolescência, inclusive, segundo relatos de amigas dela nas redes sociais.

O namorado contou que Luana conversou com ele e decidiu que faria algo para mudar o incômodo que sentia. Luana escolheu um médico e um hospital de excelência para fazer a cirurgia reparadora. Segundo ele, todas as recomendações médicas antes da cirurgia foram seguidas à risca. Todos os exames foram feitos e estava tudo sob controle.

“Há aproximadamente um ano que a gente vem pesquisando profissionais, que a gente vem pesquisando sobre os médicos, sobre como é cirurgia. Todos os exames que ela precisava fazer, ela fez e chegou a tempo”, disse ele. “Vocês não têm noção do quanto ela era cautelosa”, completou a mãe de Luana, Luciana Andrade.

A lipoaspiração no joelho de Luana não era primeiro procedimento médico realizado por ela. A modelo e empresária já havia feito implante de próteses de silicone nos seios e uma cirurgia corretiva no nariz. Então, ela se sentia segura e confiante com os resultados, como mostram fotos dela antes de ser levada para o centro cirúrgico, na última segunda-feira (6).

Luana morreu após fazer um procedimento de lipoaspiração no joelho (Foto: TV Globo/Reprodução)

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‘Senti um clima estranho’, disse o namorado

Luana e João: namorado conta como a influenciadora se preparou para cirurgia (Foto: Reprodução do Instagram)

O procedimento cirúrgico de Luana começou pelo abdômen e naquele momento João já começou a perceber que algo poderia estar errado. “Geralmente no meio da cirurgia eles mandam: ‘ó, tá acontecendo tudo bem’. Mais ou menos aí umas duas horas de cirurgia, falei: ‘Tia, vamos lá em cima comigo para gente poder saber as notícias da Lu’. E aí quando a gente subiu no andar, eu já comecei a sentir um clima um pouco estranho das pessoas”, revela. “E aí deu uma coisa em mim”, contou a mãe.

Depois do abdômen, a cirurgia partiu para os membros inferiores. E aí começaram as complicações. De acordo com o Hospital São Luiz Itaim, após duas horas e meia de cirurgia, Luana teve a primeira parada cardíaca, quando o procedimento foi interrompido e ela foi reanimada.

Luana teve 4 paradas cardíacas durante uma lipoaspiração (Foto: Reprodução de redes sociais)

Em seguida, Luana foi levada para a UTI, onde exames identificaram que ele sofreu uma embolia pulmonar. Logo depois, teve uma nova parada cardíaca, segundo informou o hospital, que diz ter realizado todos os esforços possíveis, com reforço de toda a equipe médica. No entanto, ela teve mais duas paradas cardíacas e não resistiu.

Nota do hospital onde Luana morreu

“O Hospital São Luiz do Itaim informa que a paciente Luana Andrade foi internada, acompanhada por seus familiares, na tarde desta segunda-feira (6/11) na unidade para procedimento de lipoaspiração, realizado por cirurgião e anestesista particulares.

Transcorridas aproximadamente duas horas e meia de cirurgia, a paciente apresentou intercorrência abrupta respiratória e teve uma parada cardíaca, sendo imediatamente reanimada pela equipe.

A cirurgia foi interrompida e a paciente, submetida a exames que constataram quadro de trombose maciça. Foi transferida para a UTI, onde foi submetida a tratamento medicamentoso e hemodinâmico.

Mesmo com todos os esforços da equipe do hospital, ela evoluiu desfavoravelmente e morreu por volta de 5h30 de hoje. A causa da morte foi embolia pulmonar maciça. O Hospital São Luiz do Itaim lamenta profundamente o óbito da paciente e se solidariza com a família”

Nota da equipe responsável pela cirurgia

Em nota a clínica responsável pela cirurgia lamentou a morte e explicou o ocorrido (veja a nota na íntegra abaixo):

“Lamentamos profundamente o falecimento de nossa paciente Luana Andrade, uma pessoa de trajetória notável e cuja história tocou muitos corações. 

Luana nos procurou para realização de procedimento estético em cirurgia plástica. A cirurgia foi realizada em hospital de referência, com equipe capacitada

Infelizmente, como é de conhecimento público, Luana sofreu quatro paradas cardíacas, resultantes de uma embolia pulmonar maciça, e não resistiu, mesmo com todos os esforços empregados. 

Luana era uma pessoa muito querida por nós. Toda a nossa equipe está em luto e as atividades clínicas e cirúrgicas foram temporariamente interrompidas para permitir que nossos membros processem esta triste notícia e prestem homenagens à ela.  

Reiteramos, mais uma vez, nossa solidariedade com a família de Luana e seguimos em contato para todo o suporte que for necessário.”

Clínica Dr Luiz Henrique Benetti Favali

2 milhões de cirurgias plásticas em 2023

O mercado da estética cresce exponencialmente: foi avaliado em mais de 100 bilhões de dólares globalmente, segundo o relatório Aesthetic Medicine Market Size & Growth. O documento aponta que os procedimentos não cirúrgicos representam mais da metade da demanda hoje.

O Brasil é o segundo país que mais realiza essas intervenções no planeta, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética.

As passagens pelo bisturi para a mesma finalidade seguem rumo semelhante: a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) projeta pelo menos 2 milhões de operações em 2023.

“Teríamos beleza de sobra se não fossem os riscos atrelados a soluções. Complicações por procedimentos estéticos se tornam frequentes no Brasil”, comenta o cirurgião plástico Régis Milani.

Nos últimos 20 anos, ele vem atuando nos principais hospitais privados de São Paulo e em hospitais afiliados da Unifesp-EPM, ajudando no treinamento e na formação de médicos residentes em cirurgia plástica.

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