Por Luiz Alberto Py*
Até o final do século 19 a Psicologia, ainda em estágio inicial e influenciada pelo puritanismo, estabelecia rígidos padrões para o comportamento sexual. Com uma arrogância típica dos pouco inteligentes e dos ignorantes, as autoridades da época emitiam suas opiniões como se fossem certezas inquestionáveis. Esqueciam-se da sábia reflexão de Sócrates sobre o fato de que o aumento de nossos conhecimentos nos torna mais humildes porque mais conscientes de nossa ignorância: “quanto mais sei, mais sei que nada sei”.
Assim, quase toda a atividade sexual que se afastasse da mais tradicional posição de penetração era considerada uma perversão da sexualidade dita “normal”. A falta de noção de realidade era tamanha que, só para dar um exemplo, afirmava-se que o jovem que praticasse constantemente a masturbação teria sérios problemas de saúde; chegava-se a ameaçá-los com a possibilidade de cegueira e loucura.
No decorrer das primeiras décadas do século 20, com a progressiva liberação dos costumes e o aprofundamento das pesquisas e do conhecimento nas áreas de comportamento humano, estes preconceitos foram sendo progressivamente abandonados e substituídos por uma melhor compreensão do funcionamento psicológico das pessoas.
Nas quatro paredes, o que é certo e o que é errado?
Além disto, as autoridades de hoje, mais conscientes dos limites de seus conhecimentos, não se atrevem a estabelecer o certo e o errado no comportamento humano, limitando-se a considerar os exageros como pouco sadios. Atualmente, tende-se a aceitar como normal e sadia qualquer prática sexual, desde que praticada com mútuo consentimento, por adultos mentalmente sãos, e desde que não acarrete danos à saúde dos participantes.
A homossexualidade, que já foi descrita como aberração, crime e pecado, durante algum tempo passou a ser considerada uma doença e hoje em dia é vista simplesmente como uma forma estatisticamente menos frequente de relacionamento afetivo e sexual. Embora exista uma enorme variedade de diferentes modelos de relacionamento amoroso entre duas pessoas, observa-se que costumamos estar aprisionados a uma fórmula de relação que repetimos indefinidamente.
Teoricamente falamos em liberdade de escolher como amar, mas na prática acabamos por cair na armadilha de repetir os mesmos gestos e ritos de comportamento, provavelmente pelo receio de enfrentar situações novas e imprevistas. No exercício da sexualidade, quando a repressão e o medo não agem como fator de inibição, os seres humanos procuram inspiração nos seus impulsos mais primitivos, por perceber que uma maior liberação dos instintos contribui para uma vida sexual mais plena e mais intensamente prazerosa. Esta atitude nos leva, muitas vezes, a nos defrontarmos, para nossa grande surpresa, com aspectos até então desconhecidos de nossa personalidade.
A intimidade das quatro paredes também facilita a vinda à tona, a partir das profundezas de cada um, dos impulsos que normalmente estão reprimidos pela necessidade da convivência civilizada. Desejos inusitados, violências impressentidas acometem, nos momentos de exaltação sexual, as pessoas mais pacatas e serenas.
Não nos devemos surpreender ao nos encontrarmos com nossos demônios ocultos, nem deles ter medo. Eles fazem parte da nossa natureza humana pois somos, por origem, ferozes predadores. Quanto mais frequente for a nossa convivência com a violência de nossos instintos, mais intimidade adquirimos com eles e mais produtivamente canalizaremos nossos impulsos. Desta forma, nossa natureza mais primitiva poderá vir a ser incorporada ao acervo de nossos recursos existenciais e, durante nossa atividade sexual, se expressará da forma mais criativa.
Mordidas, arranhões, palmadas e até carinhos mais violentos fazem parte da expressão de nossa vitalidade sexual. Gostar de praticá-los ou recebê-los é comum e natural, nada que deva nos espantar. O alcance e a intensidade destas práticas podem ser medidos pelo bom senso.
O uso da boca como instrumento de carinho, a exploração de cada espaço do corpo em busca de prazer e tudo o mais que nossos impulsos nos sugerirem pode ser entendido como manifestações de liberdade entre os parceiros sexuais e expressões de desejo e amor.
Contudo, qualquer manifestação de sexualidade pode ser condenada por preceitos religiosos; cabe a cada um saber quais as determinações de sua crença no que diz respeito a permissões e proibições nesta área. O importante é que sejamos capazes de administrar nossos impulsos instintivos e evitar que eles ultrapassem o limite do respeito ao próximo.
*Luiz Alberto Py é psiquiatra e psicanalista. Atua como consultor de empresas e palestrante. Professor nas faculdades de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e da Uerj e em diversas sociedades de Psicanálise. É autor de 9 livros, foi consultor do programa Big Brother Brasil (TV Globo) e conselheiro do sistema penitenciário. Escreve uma vez por mês para a seção ‘Palavra de Especialista’.
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