Neste dia 26 de março é comemorado o Dia Mundial de Conscientização da Epilepsia – Purple Day, doença que afeta 50 milhões de pessoas no mundo, o que representa uma em cada 100 pessoas. Estima-se que em 50% dos casos a causa é desconhecida e, apesar de 70% dos casos serem facilmente controlados, ainda existe muito preconceito e falta de informação sobre o assunto.
Segundo neurologistas, houve um avanço importante nas últimas duas décadas com relação ao tratamento medicamentoso e cirúrgico. Os novos medicamentos apresentam menos efeitos colaterais e melhor biodisponibilidade, ou seja, no que diz respeito à interferência da droga no organismo do paciente. Isso leva à maior tolerância e adesão ao tratamento.
O tratamento de base da epilepsia é realizado com medicamentos, com o uso das chamadas drogas antiepilépticas (DAE) (fenobarbital, carbamazepina, ácido valpróico, oxcarbazepina entre outras), que são efetivos em cerca de 70% dos casos para o controle das crises.
Uso de Canabidiol também é estudado
Mais recentemente a substância Canabidiol (derivada da planta Cannabis sativa, de onde se extrai a maconha) tem sido estudada, com análise de respostas versus efeitos adversos ainda em evolução. O tratamento não deve visar apenas o controle dos sintomas, mas também a melhora da qualidade de vida do paciente.
Com o arsenal de opções terapêuticas, o importante a considerar é que sempre é possível melhorar o quadro de crises, em frequência e intensidade, sendo que em muitos casos elas ficam ‘dormentes’ por anos seguidos”, afirma o neurocirurgião Luiz Daniel Cetl, membro do Departamento de Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista no tratamento da doença.
Além da epilepsia, o canabidiol – um componente natural do óleo de cânhamo produzido a partir da Cannabis – é apontado como auxiliar no controle de doenças como Mal de Parkinson, dor crônica e esclerose múltipla, sob prescrição médica. Para essas indicações, os produtos podem ser subsidiados pelo governo brasileiro.
Preconceito ainda cerca a doença
O estigma sobre a doença vem das características de suas crises convulsivas, datadas da antiguidade e onde ela ainda não tinha suas origens definidas. Descritas em meio a uma espécie de maldição, possessão demoníaca ou loucura, criaram barreiras para o entendimento e a evolução de tratamentos por longos anos.
Embora nos dias atuais os estudos em torno da epilepsia e de seus tratamentos se mostrem bastante avançados no meio médico, o conhecimento a respeito de suas manifestações ainda permanece aquém do esperado na população leiga, onde a divulgação tem papel importante para descontruir mitos”, destaca Cetl.
A neurologista Luciana Rodrigues, do Hospital Santa Paula, ressalta que infelizmente, ainda existe preconceito social e familiar quando uma pessoa é diagnosticada com epilepsia. Mas, ao contrário do que se pensa, na maioria dos casos, o indivíduo é capaz de trabalhar e levar uma vida normal.
A doença, quando estigmatizada, pode causar um conflito crônico e o indivíduo começa a duvidar de suas verdadeiras capacidades, sintoma que pode passar despercebido no ambulatório ou consultório”, ressalta Luciana.
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A epilepsia é uma doença neurológica que tem como características um conjunto de sinais originados de um grupo de neurônios disfuncionais que emitem descargas elétricas anormais que ocorrem de maneira excessiva e causam as crises epilépticas ou convulsões.
Essas descargas elétricas atípicas ou irregulares podem ser focais (conhecidas como parciais) ou generalizadas (quando atingem todo o cérebro). As crises parciais ainda podem ser divididas em simples – sem comprometimento da consciência, e complexas – em que há algum grau de comprometimento da consciência, como embotamento (enfraquecimento) até a sua perda.
As causas mais comuns da epilepsia são idiopáticas (sem causa identificada), em torno de 55 a 65%. As demais têm origem em alguma doença cerebrovascular (10 a 20 %), tumores (4 a 7%), trauma (2 a 6%) e infecção (0 a 3%). “A origem pode ser congênita, isto é, presente desde o nascimento, ou adquirida por meio de traumatismos cranianos, infecções, uso excessivo de álcool e drogas, etc”, explica Dra Luciana.
Como identificar
O diagnóstico é feito pela análise dos sintomas e exame físico. Também podem ser pedidas análises complementares como o eletroencefalograma (EEG) e neuroimagem. Uma vez identificada a disfunção, o tratamento já deve ser iniciado.
A grande prevalência de diagnósticos se dá ainda na infância, fase em que a criança está em desenvolvimento emocional e intelectual e onde a socialização é componente fundamental para a sua evolução, impactando na condução dos estudos, depois do trabalho e assim por diante.
As crises epilépticas podem se revelar como eventos motores, alterações da consciência, da sensibilidade ou sensoriais. A manifestação clínica vai depender da área do cérebro geradora da atividade neuronal excessiva.
Por exemplo, crises da área motora do braço se manifestam com movimentos repetitivos do membro superior; crises do lobo temporal se manifestam com alterações da consciência e movimentos sutis de boca e mãos; já crises da área da visão se apresentam com fenômenos visuais e oculares”, explica Luciana.
Como tratar
Na maioria dos casos as crises epilépticas são facilmente tratadas com medicações orais. Caso não tenha resposta, existem diversas abordagens cirúrgicas que estão reservadas para pacientes com crises refratárias ao tratamento medicamentoso. Neste caso, há critérios rigorosos para sua indicação que incluem exames especializados como avaliação neurofisiológica (eletroencefalograma etc.), exames de imagens e avaliação neuropsicológica.
“Um desses exames é a monitorização por vídeo-eletroencefalograma. Neste exame o paciente é internado em uma unidade hospitalar e monitorizado continuamente para detectar e caracterizar o início e o tipo de crise. É com essa investigação minuciosa que a equipe multidisciplinar, formada pelo neurologista, neurofisiologista, neurocirurgião, psicólogo, radiologista e assistente social, decidirá a conduta cirúrgica”, afirma Luciana.
Cirurgia pode ser a última solução
Quando os medicamentos não agem de forma efetiva, pode ser indicado ao paciente o tratamento cirúrgico, que compreendem dois tipos de procedimentos: os ressectivos e os desconectivos.
Os ressectivos, também conhecidos como lesionectomia, abordam o foco das descargas identificado pelo EEG (eletroencefalograma) e VEEG (video-eletroencefalograma), em que pelo exame de imagem é retirada a lesão. São usadas em casos de esclerose mesial temporal, displasias corticais, tumores indolentes (gangliogliomas, DNETs).
Os desconectivos, em geral, são realizados para lesões mais espalhadas, porém ainda restritas a um hemisfério cerebral, mas que interferem no funcionamento do hemisfério não afetado. Neste caso, é feito uma desconexão parcial ou total dos hemisférios cerebrais.
Doenças como a síndrome de Rasmussen, micropoligira, lesões isquêmicas neonatais, entre outras, podem se beneficiar desse tipo de procedimento. Há ainda casos em que o procedimento de estimulação do nervo vago por eletrodos pode ser indicado.
Sobre o Purple Day
Com o objetivo de orientar e melhorar a qualidade de vida desses pacientes, a jovem canadense Cassidy Megan, uma criança que na época tinha nove anos, criou em 2008 o Purple Day.
A iniciativa, apoiada pela Associação de Epilepsia da Nova Scotia, no Canadá, é representada pela cor roxa e é associada à solidão e aos sentimentos de isolamento vivenciados por indivíduos com epilepsia.
A data teve essa cor escolhida por causa da lavanda, que tem sua flor associada à solidão, sentimento comum entre pessoas com a doença. Desta forma, a data alerta para a conscientização da população sobre esta condição e também de empoderamento dos pacientes para que eles não permaneçam em isolamento.
Na data, as pessoas estão convidadas a se vestir de roxo nos eventos em prol da consciência da epilepsia para desmistificar a doença e mostrar que é possível ter uma vida normal. Mais informações: http://www.purpleday.org
Como ajudar uma pessoa na crise epilética
Veja algumas recomendações da neurologista Luciana Rodrigues:
Durante a convulsão:
– Coloque a pessoa deitada e retire de perto objetos que possam lhe machucar. A área ao redor deve ficar livre.
– Deixe a pessoa se debater. Não a segure, não dê tapas, não jogue água nem qualquer outra substância líquida.
– Evite que a cabeça bata no assoalho com os movimentos ou abalos. Basta colocar um objeto macio embaixo da cabeça do indivíduo para impedir que ele se machuque, como almofadas, travesseiros e até mesmo roupas.
– Não insira nenhum objeto na boca do paciente. Em geral, a mordedura da língua ocorre logo no início da crise, por isso, torna-se desnecessária uma interferência. Inserir objetos na cavidade oral aumenta o risco de aspiração pelas vias aéreas superiores.
– Levante o queixo para facilitar a passagem de ar e vire a pessoa para o lado. Limpe toda a saliva ou sangue que sai pela boca. Essa região deve permanecer seca para facilitar a entrada de ar e evitar a aspiração de sangue ou saliva pelas vias aéreas. Ao contrário do que muita gente acredita, a epilepsia não é uma doença transmissível, portanto, não há problema em limpar a região oral.
– Afrouxe as roupas.
– As crises podem acontecer na primeira manifestação da doença, quando o paciente abandona o tratamento ou mesmo em uso regular das medicações, quando há alguma outra doença associada, como uma infecção, por exemplo.
– Crises com duração maior que cinco minutos devem ser tratadas como emergência médica, assim como as que se repetem em um intervalo de cinco minutos sem que o paciente recupere a consciência. Nesses casos, chame uma ambulância.
– É normal ocorrer sonolência após a crise.
Para quem sofre do problema:
– Casa com carpete é mais segura porque diminui o impacto em caso de queda. Caso resida com mais gente não tranque a porta do banheiro nem do quarto para facilitar os primeiros socorros na possibilidade de uma crise.
– Leve uma vida normal: interaja de forma plena em todas as atividades escolares ou do trabalho.
– Pratique esportes e atividades de lazer com os amigos. Evite apenas entrar no mar ou na piscina sozinho porque, em caso de crise, existe o risco de afogamento. Entretanto, nada o impede de estar na praia junto de pessoas que possam socorrê-lo e ajudá-lo quando necessário.
– Não permaneça em grandes alturas sem grade ou proteção.
– Não manuseie máquinas que possam feri-lo no caso de perda da consciência.
– Use sempre o bom senso e tenha em mente que a crise, na maioria das vezes, é inofensiva. É a alteração da consciência ou a queda que podem levar a acidentes com consequências graves.
Para mais dados sobre a epilepsia, confira a videorreportagem especial ‘Epilepsia de A a Z’.
Da Redação, com Assessorias