Não é só a baixa estatura que chama a atenção no nanismo. Entre os pacientes de 8 a 17 anos, o principal impacto desta condição que impacta na qualidade de vida é a dor. Cerca de 74% dos participantes dessa faixa etária relatam alguma espécie de desconforto em pelo menos uma área do corpo. Entre os adultos, 73,4% sentem dor diariamente, revela o estudo Lifetime Impact Study for Achondroplasia (LISA – NCT03872531). 

A pesquisa foi realizada de forma observacional entre janeiro de 2018 e julho de 2021, com 172 pessoas com acondroplasia a partir de 3 anos de idade, residentes na Argentina, Brasil e Colômbia, em quatro centros de pesquisa.  Por isso, o Dia Nacional de Combate ao Preconceito contra as Pessoas com Nanismo, lembrado nesta sexta-feira (25/10), visa conscientizar a sociedade para relações mais equânimes, oportunidades de trabalho com dignidade e construção de políticas públicas que assegurem a acessibilidade e a autonomia das pessoas que vivem esta realidade.

A doença genética rara, com prevalência de 4,6 em cada 100 mil pessoas, que afeta o crescimento ósseo e resulta em baixa estatura desproporcional, membros curtos e macrocefalia.  A condição faz com que os braços e as pernas sejam mais curtos em relação ao tronco.

A baixa estatura na acondroplasia é chamada de desproporcionada por haver um importante encurtamento dos braços e pernas do indivíduo, sem comprometimento significativo do tronco. A média de estatura final nas mulheres desse grupo é de 124 cm e nos homens, 130 cm.

Isso provoca uma série de restrições físicas e gera um grande impacto na qualidade de vida, como necessidade de escadas para alcançar o vaso sanitário, a pia e as torneiras nos banheiros e em outros ambientes, necessidade de dispositivos para fazer a própria higiene pessoal, para alcançar botões dos elevadores, dificuldade para subir os degraus de escadas, de abrir portas com maçanetas redondas e até no lazer, sendo preciso, por exemplo, adaptação de bicicletas.

Os indivíduos com acondroplasia ainda estão sujeitos a uma série de problemas de saúde. Segundo o endocrinologista e pediatra Luiz Cláudio Castro, professor da Universidade de Brasília (UNB), o estreitamento de uma parte importante da base do crânio, por onde passa a medula espinhal, pode levar à hidrocefalia, ou seja, o acúmulo excessivo de líquido no cérebro. Ou ainda à apneia obstrutiva e ao aumento do risco de morte súbita, especialmente nos primeiros dois anos de vida.

Outras alterações nos ossos do crânio, coluna vertebral e demais segmentos do corpo podem levar a otites de repetição, perda da acuidade auditiva, cefaleias crônicas, deformidades graves na coluna e nas pernas, problemas respiratórios por restrição de volume da caixa torácica e dificuldade para andar.

O gene FGFR3 exerce um papel importante no corpo humano: ele produz uma proteína que é essencial para o adequado crescimento dos ossos. Mas, quando ele sofre uma mutação, ainda na formação do gameta, pode fazer com que o indivíduo desenvolva uma doença chamada acondroplasia, a forma mais comum de nanismo.

A acondroplasia não se caracteriza apenas por causar uma baixa estatura muito grave. Ela leva a várias outras disfunções do corpo e interfere profundamente na saúde física, mental e social do indivíduo. Por isso, as pessoas com acondroplasia requerem cuidados especiais de profissionais das diferentes áreas da saúde”, afirma Luiz Cláudio Castro, endocrinologista, pediatra e professor da Universidade de Brasília (UNB).

Muitas vezes pode ser preciso intervenção neurocirúrgica para assegurar inclusive a sobrevivência do paciente. Indivíduos com deformidades dos membros inferiores que limitam suas atividades, são submetidos a delicadas cirurgias ortopédicas corretivas.

Essas cirurgias são complexas e apresentam riscos. A anatomia dos pacientes com acondroplasia torna esses procedimentos mais desafiadores, aumentando o tempo de recuperação e o risco de complicações. Mas são ferramentas importantes para promover a qualidade de vida para os casos de alguns pacientes”, completa Luiz Claudio Castro.

Além de ser preciso enfrentar diariamente uma estrutura social nem sempre preparada e apta a aceitar e se adaptar às diferenças. Mas é importante frisar que apesar de todos esses aspectos, a capacidade cognitiva está preservada, assim como a autopercepção de todas essas limitações pelo paciente”, lembra o especialista.

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A evolução do cuidado multidisciplinar com a acondroplasia

Algumas alternativas abrem um futuro de possibilidades mais igualitárias e melhor qualidade de vida para pessoas com a forma mais comum de nanismo. Em agosto de 2022, o primeiro guia de recomendações de cuidados multidisciplinares para acondroplasia foi publicado. Elaborado por especialistas da Argentina, Brasil, Chile e Colômbia, o estudo orienta uma abordagem abrangente no cuidado desse grupo de pacientes nas várias etapas da vida.

Ele ressalta a importância da abordagem multidisciplinar aos pacientes para assegurar, resgatar e/ou minimizar o impacto da doença sobre a qualidade de vida, envolvendo as áreas da pediatria, genética, neurologia, neurocirurgia, ortopedia, otorrinolaringologia, nutrição, fisioterapia, fonoaudiologia, odontologia, enfermagem, entre tantas outras.

Um outro pilar para o cuidado adequado para crianças e adolescentes em fase de crescimento com acondroplasia é o tratamento medicamentoso. Em 2021, autoridades regulatórias da Europa (EMA), dos Estados Unidos (FDA), do Brasil (Anvisa), e do Japão (MHLW), aprovaram uma terapia que tem como resultado um aumento importante da velocidade de crescimento anual, dos pacientes tratados, com melhora significativa do ganho de estatura ao longo do tratamento comparados aos pacientes não tratados.

Essa conquista representa uma esperança renovada para os pacientes e suas famílias. Ao mesmo tempo, devemos reorganizar nossas estruturas sociais para oferecer a todos uma sociedade realmente inclusiva, ética, justa e acolhedora, respeitando e promovendo adaptações às limitações de quem as apresenta e estimulando a igualdade de oportunidades para todos”, finaliza Luiz Claudio Castro.

Geneticista explica o nanismo e destaca resultados promissores em pesquisas

Há dois estudos avançados sobre o nanismo sendo desenvolvidos por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). Na entrevista a seguir, o geneticista e coordenador doCentro de Genética Médica do IFF/Cruz, Juan Llerena, aborda o tema e comenta as mais recentes pesquisas.

Como é realizado o diagnóstico do nanismo e em que momento costuma ser identificado?

Juan Llerena: O diagnóstico de uma displasia esquelética, nome técnico do nanismo, geralmente é suspeitado na ultrassonografia pré-natal a partir das 20 semanas de gravidez. O diagnóstico de certeza poderá ser feito ao nascimento pelo exame do bebê e o estudo radiológico.

Quais são as causas genéticas mais comuns dessa condição?

Juan Llerena: Em ordem de frequência temos acondroplasia, doenças relacionadas ao gene COL2A1 (colagenopatias), osteogênese imperfeita e doenças metafisárias (compromete a metáfise do osso). Hoje, pelo sequenciamento completo do DNA, os genes relacionados ao nanismo são cada vez mais identificados.

Quais as principais diferenças entre os tipos de nanismo?

Juan Llerena: As diferenças podem ser vistas no segmento do osso comprometido: se acarreta uma desproporção dos segmentos corpóreos; se compromete a coluna; se há genes diferentes relacionados; e se o nanismo é letal ou não – cerca de 30% dos nanismos suspeitados pela ultrassonografia gestacional pode ser letal, isto é, não sobrevive, como o nanismo tanatofórico.

O tratamento de reposição do hormônio do crescimento (GH) é indicado para todos os casos de nanismo?

Juan Llerena: O hormônio de crescimento não está indicado para todos os tipos de displasia esquelética. A indicação formal para tratamento com o hormônio de crescimento é a deficiência na produção do hormônio GH. No nanismo, tenta-se estimular o crescimento com GH, mas as respostas são variáveis e muitas vezes não são satisfatórias.

Quais os principais desafios que as pessoas com nanismo enfrentam, tanto do ponto de vista médico quanto social?

Juan Llerena: Do ponto de vista médico, depende do tipo de nanismo. Cada nanismo tem uma história natural da doença, além da baixa estatura. Podem ter problemas gastrointestinais (doença de Hirschsprung); problemas visuais (alta miopia); compressão do canal medular da coluna (acondroplasia); deformidades graves; fraturas patológicas; entre uma série de outras complicações.

Do ponto de vista social, a acessibilidade e mobilidade são os maiores problemas. A sociedade não está preparada para pessoas com muito baixa estatura. Coisas do cotidiano como, subir degraus de ônibus, acessar um caixa eletrônico, falta de banheiros adaptados e de rampas para as formas que precisam de cadeira de rodas, entre outras situações de desajustes da arquitetura.

Pesquisas do IFF/Fiocruz tem resultados promissores

Há dois importantes projetos clínicos sobre nanismo sendo conduzidos pelo IFF/Fiocruz. O primeiro deles é o coorte das osteocondrodisplasias, incluindo as doenças relacionadas ao gene FGFR3; as associadas ao gene RMRP (síndrome cartilagem-cabelo); e outras displasias esqueléticas diagnosticadas no Instituto, criando uma coorte de casos novos, em parceria com o Hospital Universitário Pedro Ernesto, a Faculdade de Medicina de Petrópolis e o Hospital Prof. Dr. Juan P. Garrahan, de Buenos Aires.

Com relação aos projetos voltados à osteocondrodisplasia, saliento a coorte de pacientes com acondroplasia medicados com uma nova medicação, considerada de precisão, liberando a placa de crescimento da ossificação endocondral, anteriormente inibida pela mutação genética no gene FGFR3. No total, há cerca de 32 pacientes medicados.

O princípio ativo da medicação (um natriurético recombinante tipo B) aumenta a velocidade anual de crescimento dos ossos longos. A resposta dos primeiros seis meses mostra um ganho no Z-score da estatura de mais de 01-02 desvios padrões comparados à população de acondroplásicos não-medicados.

O cenário é bastante otimista com relação ao crescimento. Dito isto, o monitoramento a longo prazo da coorte em diferentes faixas etárias produzirá um acervo de informações analisando os efeitos nas mais frequentes complicações descritas: estenose do forame magno; cifose; desproporcionalidade dos segmentos corpóreos; apneia do sono; dor; e qualidade de vida, avaliando acessibilidade, funcionalidade e mobilidade”, diz o especialista.

Há também um estudo voltado para osteogênese imperfeita, em parceria com o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione, no qual o IFF/Fiocruz é um dos centros de referência para osteogênese imperfeita, dedicados a acompanhar e medicar as crianças que enfrentam fraturas patológicas em sua história natural.

Houve uma inovação tecnológica de transição do protocolo terapêutico para uma medicação antirreabsortiva óssea de terceira geração (ácido zoledrônico). Até o momento, cerca de 70 pacientes iniciaram a transição para o protocolo hospital-dia, reduzindo o tempo de internação para menos de três horas, incluindo 30 minutos de infusão”, explica o pesquisador.

O protocolo anterior exigia internação das crianças por três dias para aplicação do medicamento fracionado (pamidronato dissódico). O ganho de qualidade de vida aos pacientes e seus familiares foi enorme. Porém, o mais importante foram os resultados relacionados à melhora da densitometria óssea, redução das fraturas, e redução da dor com eventos adversos à nova medicação, considerados leves.

Com informações da Agência Fiocruz e Assessorias

 

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