Sete em cada 10 médicas mulheres relatam já terem sofrido algum tipo de preconceito no ambiente de trabalho. Fica próximo a 8 em 10 – mais exatamente 77,75% – as que testemunharam ou souberam de episódios de preconceito às mulheres médicas no exercício da atividade. Os dados fazem parte da primeira Pesquisa Violência contra a Mulher Médica, divulgada pela Associação Médica Brasileira (AMB) e a Associação Paulista de Medicina (APM)  nesta quinta-feira (14),

Realizado pela plataforma on-line survey monkey, por 1.443 profissionais, no período de 25 de outubro a 16 de novembro de 2023, o levantamento traz à luz uma realidade chocante. Uma em cada duas médicas (51,14%) já sofreu agressões verbais ou físicas. Cerca de metade delas chegou a efetivar denúncias. Contudo, somente 5,4% das queixas tiveram desdobramentos.

De acordo com a AMB, “a gravidade é marca de todas as informações consolidadas na pesquisa”. O assédio também explode. É altíssima também a quantidade de vítimas assumidas de assédio moral e/ou sexual: 62,65%. E das 1.443 entrevistadas, 74,08% testemunharam ou souberam de casos contra colegas. A margem de erro da pesquisa é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos.

Conheça os resultados completos da pesquisa neste link.

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Palavra de Especialista

Quase metade das mulheres já sofreu algum tipo de assédio no trabalho

Thalita Gelenske, CEO da Blend Edu (Foto: Divulgação)

Infelizmente, a realidade apontada na pesquisa da AMB e APM não é exclusividade do ambiente médico. Uma pesquisa global conduzida pela Organização Internacional do Trabalho indica que 17,9% dos profissionais do mercado de trabalho, sejam homens ou mulheres, já sofreram violência ou assédio durante o expediente.

Dados de pesquisa do LinkedIn revelam, por exemplo, que quase metade das mulheres já sofreu algum tipo de assédio no trabalho. O cenário se torna ainda mais chocante ao percebermos que 78,4% delas alegam que provavelmente nada seria feito, caso decidissem denunciar ao setor de Recursos Humanos.

Especialista em gestão da diversidade e cultura organizacional, Thalita Gelenske afirma que tais números evidenciam que o assédio afeta desproporcionalmente os grupos minorizados e que, embora mais frequente nos últimos anos, a discussão em torno dos casos de assédio dentro do ambiente corporativo ainda parece longe de ter um fim.

“Se o índice geral já é considerado alto – afinal, estamos no século XXI -, quando avaliamos de maneira minuciosa a incidência de casos de assédios em determinados grupos, podemos afirmar que o cenário é extremamente alarmante”, declara a fundadora da Blend Edu, HRtech e ESGtech especializada em diversidade e inclusão.

Segundo ela, para compreender a motivação, é preciso entender as ações como uma forma de exercício abusivo de manutenção de poder, e que a violência muitas vezes decorre por influência de uma situação de desigualdade como de classe, gênero, orientação sexual, idade, raça, condição de pessoa com deficiência, dentre outras.

Reflexos e consequências

“O fato dos comportamentos indesejados, abusivos ou coercitivos que afetam a dignidade e a integridade física ou psicológica de um colaborador ainda serem significativos expõe todo o mercado de trabalho a uma série de problemas. Isso porque é preciso ficar claro que os reflexos de tais atitudes acometem todos os agentes que estão direta ou indiretamente relacionados à ação, gerando uma cadeia de consequências negativas”, ressalta a especialista.

Nesse cenário, obviamente, o maior impacto é sempre o da vítima. O ato pela qual a pessoa é exposta afeta não somente o seu desempenho e produtividade, como também a desestabiliza psicologicamente, fazendo com que duvide de si mesma e de sua competência.

Além disso, tem a possibilidade de provocar impactos negativos à sua saúde física e mental, como a perda de autoestima, maior apatia e irritabilidade, gerar perturbações da memória e do sono. Sem contar que em situações mais extremas o caso pode evoluir para um quadro de ansiedade e depressão.

“Mas o efeito não fica limitado apenas à vítima. A equipe em torno do colaborador assediado tende a reduzir os seus índices de satisfação, o que contribui diretamente para a queda de desempenho e a maior rotatividade no time”, ressalta Thalita.

A empresa também corre o risco de ter uma crise reputacional, gerando um prejuízo enorme à imagem e aos negócios. Ela lembra que não são raros os exemplos de companhias em casos semelhantes que sofreram com cancelamento nas redes sociais, boicote de clientes, afastamento de CEO, queda de valor de ações no mercado financeiro, e rompimento de contratos com parceiros e fornecedores.

Por que ainda é preciso falar sobre assédio dentro do ambiente de trabalho?

Para responder a pergunta, a especialista afirma que o debate sobre o assédio, e suas inúmeras formas, é primordial para que a identificação, denúncia e também para a construção de políticas internas de enfrentamento a violência ocorram de uma maneira mais efetiva. “A criação de um ambiente de trabalho mais acolhedor e produtivo é um passo essencial para que as empresas assegurem uma atuação mais sustentável e responsável socialmente”.

Os primeiros passos para esse rumo já estão sendo dados. A nova norma regulamentadora da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), publicada em 2020, por exemplo, incluiu o assédio moral e o assédio sexual como riscos psicossociais a serem considerados na análise de riscos do ambiente de trabalho. Além disso, a Lei 14.457/22, que entrou em vigor em março de 2023, torna obrigatória a criação de medidas para a prevenção e combate ao assédio dentro das empresas.

“Apesar da importância das recentes legislações, é imprescindível que as companhias também demonstrem interesse em repreender e eliminar de uma vez por todas os crimes dentro do seu ambiente corporativo. Para isso, algumas medidas, além das previstas em lei, podem ser essenciais, tais como a criação de código de conduta, o fornecimento de materiais informativos com exemplos claros de comportamentos e atitudes que são configuradas como assédio e o investimento em capacitações voltadas à conscientização sobre a temática”, pontua a especialista.

Felizmente, a situação começa a mudar no ambiente corporativo. Thalita cita dados da pesquisa de benchmarking “Panorama das Estratégias de Diversidade em 2022 e Tendências para 2023”, que revelam aumento no número de empresas que afirmam ter canais de denúncias com recorte de D&I, avançando para 86% em 2022 – um aumento de 16% em comparação à edição anterior feita em 2020.

Este fato, segundo ela, mostra a tendência das empresas olharem cada vez mais para a pauta de compliance antidiscriminatório, na visão de advogados especialistas no tema, como Fabiano Machado da Rosa e Luana Pereira da Costa. 

“A grande verdade é que quanto mais sabemos sobre o assédio, mais fácil se torna para reconhecê-lo e combatê-lo durante a rotina. Nem sempre é simples detectar a violência, uma vez que ela pode se manifestar de diversas maneiras sutis e é composta de noções subjetivas, porém, é fundamental nos aprofundarmos o máximo possível em relação ao conceito para sempre ficarmos atentos ao nosso redor. Afinal, atacar o problema não deve partir somente das empresas, mas principalmente de cada um de nós”, finaliza.

Com Assessorias

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