Somente entre janeiro e julho deste ano, a Central de Atendimento à Mulher, do Ministério da Mulher, registrou 86.025 denúncias, o que corresponde a uma média de 16,9 casos por hora.
Celebrado em 10 de outubro, o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher marca um momento de reflexão sobre os avanços e os desafios na garantia da segurança e da dignidade feminina no Brasil. Mesmo com leis robustas e amplamente reconhecidas, o país segue registrando índices alarmantes de agressões e feminicídios.
O principal desafio está na execução. A falta de estrutura para o cumprimento das medidas protetivas e a subnotificação dos casos mostram que a resposta estatal ainda é insuficiente” afirma a especialista em casos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher .
Não basta punir o agressor. É preciso investir em prevenção, acolhimento e fortalecimento das redes de apoio. A violência de gênero é uma questão de direitos humanos e deve ser prioridade nacional”, ressalta Tatiana.
Educação de gênero e mudança cultural
A transformação começa pela educação. É ali que se desconstrói o machismo e se formam valores baseados em igualdade e respeito. Sem mudança cultural, as leis continuarão sendo remédios de emergência, e não soluções permanentes”, aponta Tatiana, que é membro da Comissão de Direito de Família (CDF) da OAB/RJ e graduanda em Direito e gênero pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).
O papel das empresas e instituições
Quando uma empresa adota políticas de acolhimento consistentes, não só protege a funcionária, mas fortalece o papel social da instituição. O ambiente corporativo se torna seguro, e a cultura de respeito e igualdade de gênero se dissemina entre funcionários e lideranças”, destaca.
Palavra de Especialista
Violência de gênero: 19 anos da Lei Maria da Penha e o alto custo para o Brasil
Por Tania Cristina Teixeira (*)
Aprovada em 2006 e reconhecida pela ONU como uma das legislações mais avançadas do mundo no enfrentamento à violência doméstica, a Lei Maria da Penha completou 19 anos em agosto. No entanto, os números mostram que o país ainda está longe de oferecer às mulheres a proteção efetiva prevista em lei.
Somente entre janeiro e julho deste ano, a Central de Atendimento à Mulher, do Ministério da Mulher, registrou 86.025 denúncias, o que corresponde a uma média de 16,9 casos por hora.
O problema não se restringe à violência física extrema, mas ela ainda é alarmante: são, em média, quatro feminicídios e mais de dez tentativas de assassinato por dia. Em 80% dos casos, o agressor é o companheiro ou ex-companheiro.
As medidas protetivas, embora essenciais, ainda encontram barreiras. Das 555 mil concedidas no ano passado (88% das solicitadas) mais de 100 mil foram descumpridas. Nos últimos dois anos, ao menos 121 mulheres foram mortas mesmo sob proteção judicial.
Na Bahia, o cenário não é diferente. A 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, do Instituto DataSenado, revela que 27% das baianas já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por um homem; 23% passaram por isso apenas nos últimos 12 meses.
A percepção de agravamento do problema é majoritária: 74% das brasileiras acreditam que a violência doméstica aumentou. Já entre as baianas, esse índice chega a 81%. Além disso, 65% afirmam conhecer uma amiga, familiar ou conhecida que já tenha sido vítima.
A violência contra a mulher gera perdas econômicas bilionárias
Os impactos vão além do drama humano. A violência contra a mulher gera perdas econômicas bilionárias. Afeta a produtividade, aumenta o número de afastamentos do trabalho, eleva a dependência social e sobrecarrega os serviços de saúde, segurança e assistência. Empresas enfrentam queda de desempenho, alta rotatividade e custos indiretos com licenças e substituições.
O peso também recai sobre os cofres públicos. Atendimento médico, apoio psicológico, ações policiais e processos judiciais representam gastos expressivos. Recursos que poderiam ser investidos em prevenção, educação e desenvolvimento acabam sendo usados para mitigar danos.
Estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), que data de outubro 2021, estima que o fim da violência contra a mulher poderia gerar, em dez anos, mais de R$ 214 bilhões para o PIB brasileiro, criar 2 milhões de empregos, acrescentar R$ 97 bilhões à massa salarial e elevar em R$ 16,4 bilhões a arrecadação tributária.
Em quase duas décadas, a Lei Maria da Penha representou um avanço inegável, mas a persistência de índices alarmantes e de custos bilionários deixa claro que a violência de gênero não é apenas um drama humano é também um gargalo econômico que freia o potencial do país.
Transformar a proteção às mulheres em prioridade nacional, com ações coordenadas entre governo, iniciativa privada e sociedade civil, não é gasto: é investimento com retorno certo em produtividade, geração de empregos e fortalecimento social.
Cada real investido em prevenção, acolhimento e punição retorna multiplicado para a sociedade. Tratar a violência de gênero não apenas como uma emergência social, mas como estratégia de desenvolvimento econômico, é condição indispensável para construir um Brasil mais justo, seguro e próspero.
* Tania Cristina Teixeira é presidenta do Conselho Federal de Economia (Cofecon). Graduada em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, com doutorado em Economia Aplicada pela Universidade de Valencia (Espanha). Possui vasta trajetória docente na PUC Minas, onde é Coordenadora de Extensão.