Repercutiram em todo o Brasil as imagens da agressão sofrida por um professor de 53 anos dentro de uma escola no Distrito Federal. O motivo? O professor chamou a atenção da estudante por usar celular em sala de aula. O caso trouxe novamente à tona a violência no ambiente escolar, muitas vezes praticada até mesmo por familiares de estudantes contra professores, como foi o caso. Mas também retoma um debate que foi bastante acentuado em todo o Brasil nos últimos tempos: os danos causados pelo uso indiscriminado de dispositivos eletrônicos dentro das escolas.
A prática passou a ser proibida no Brasil no início deste ano letivo, com a vigência de uma nova lei federal. A boa notícia é que a nova norma já começa a surtir efeitos positivos. O principal deles é que o uso de internet por adolescentes de 9 a 17 anos nas escolas brasileiras caiu de 51% para 37%, conforme a pesquisa Tic Kids Online Brasil 2025, divulgada nesta quarta-feira (22), em São Paulo.
O acusado, de 41 anos, foi contido pela própria filha com um ‘mata-leão’, golpe capaz de imobilizar o agressor. E responderá por lesão corporal, injúria e desacato, mas, apesar do flagrante, não chegou a ser preso. Já o professor, que não quer ser identificado, disse estar “sem condições psicológicas” de retornar à sala de aula.
Vou ficar afastado por um tempo. Esta semana vou a uma consulta médica, pois estou abalado com tudo que está acontecendo e não tenho condições psicológicas de voltar ao trabalho imediatamente”, declarou.
Queda no uso do celular dentro das escolas
Para Luísa Adib, coordenadora da pesquisa Tic Kids Online Brasil 2025, uma das explicações para esse recuo pode ser a lei que restringiu o uso de celulares nas escolas, aprovada no início deste ano.
A gente começou a coleta da pesquisa em março, quando a medida de restrição de celular nas escolas já tinha sido implementada. Então, a gente pode ver uma relação entre a restrição do celular e a queda do acesso à internet na escola”, salientou ela, em entrevista à Agência Brasil.
Para a pesquisadora, outros fatores influenciaram nessa queda no uso do celular dentro das escolas, como o amplo debate político centrado na agenda de proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, sobretudo após a denúncia do influenciador Felca sobre adultização infantil, que apressou a votação e sanção do projeto de lei que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para punir crimes de internet.
Já está ocorrendo uma queda [no uso] das redes sociais e o ECA Digital [que dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais] ainda não está em vigor. Então, acho que uma parte [dessa queda] pode ser explicada pela regulamentação, como no caso das escolas, que já aconteceu, mas também pelo debate político”, opinou.
12% acessam a internet na escola várias vezes por dia
Segundo o estudo, o celular foi o principal dispositivo de acesso usado pela população de 9 a 17 anos, sendo citado por 96% dos entrevistados, seguido pela televisão (74%), computador (30%) e pelo videogame (16%).
Ainda de acordo com a pesquisa, 84% dos usuários dessa faixa etária fazem esse acesso à internet de suas casas, várias vezes ao dia. Nas escolas, 12% reportaram acesso à internet várias vezes ao dia, 13% uma vez por semana e 9% uma vez ao mês.
Entre as atividades mais desenvolvidas na internet estão o uso para pesquisas escolares (81%), pesquisas sobre temas que interessam (70%), leitura ou vídeos com notícias (48%) e informações sobre saúde (31%).
Uso estável
O estudo Tic Kids Online Brasil 2025 – conduzido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), apontou, ainda, que o número de crianças e adolescentes com acesso à internet se manteve com certa estabilidade em relação aos dois anos anteriores.
Segundo o estudo, 92% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos de todo o país são usuárias de internet no Brasil, pouco abaixo do que a pesquisa apontou no ano passado (93%) e no ano retrasado (95%). Isso significa que quase 24,6 milhões de pessoas nessa faixa etária acessaram a internet nos últimos três meses no Brasil.
Embora haja uma certa estabilidade nesse número, a coordenadora do estudo apontou que houve mudanças nas formas de uso da rede.
A gente começa a ver uma queda no acesso à internet na escola e uma queda no uso de rede social para as faixas etárias mais novas, retomando a um patamar parecido ao que a gente tinha antes da pandemia”, argumentou.
Cresce total dos que nunca acessam a internet
O número de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos que afirmam nunca terem acessado a internet também cresceu este ano. Se no ano passado esse público somava 492.393 pessoas, agora em 2025 710.343 pessoas dessa faixa etária revelaram jamais ter acessado a rede.
A gente já tinha o dado [em outras pesquisas] de que a atividade multimídia era das mais realizadas e que 80% declaravam ter assistido a vídeos. Mas, a gente queria saber que vídeos são esses. Fomos atrás de algumas opções e a que aparece em maior proporção e frequência são os influenciadores”, explicou a coordenadora do estudo.
Outro dado da pesquisa é que quase metade (46%) das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos acessam a internet para ver vídeos feitos por influenciadores digitais. E isso ocorre várias vezes ao dia.
Não perguntamos qual o conteúdo que foi produzido por esse influenciador, mas sabemos que tem o módulo de consumo, com pessoas divulgando produtos, pessoas indo a lojas pela primeira vez, pessoas divulgando jogos de apostas e proporções superiores a 50% para todos esses tipos de conteúdo vinculados. Claro que pode ter um outro tipo de conteúdo divulgado por esses influenciadores digitais que não seja potencialmente danoso, mas a gente sabe que tem uma parte que pode ser”, argumentou Luísa Adib.
Como o uso da internet sempre pode estar associado a riscos, a coordenadora do estudo alerta para que os pais estejam sempre atentos ao acesso feito por seus filhos. “A gente sabe, pela pesquisa, que a mediação ativa é mais eficiente. Então, quando há diálogo e um acompanhamento das práticas que a criança realiza, isso tende a ter resultados mais efetivos”, observou.
Mediação
Também é importante, destacou ela, que as próprias plataformas façam um tipo de mediação sobre isso, o que já está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA Digital.
Mas é importante saber que nenhuma estratégia isolada vai ser efetiva. Então, a partir do momento que esse responsável faz o uso de um recurso técnico [das plataformas], isso vai funcionar se também estiver alinhado a uma mediação ativa, através de um diálogo, de um monitoramento e de um acompanhamento”, avaliou.
A pesquisa ouviu 2.370 crianças e adolescentes de todo o país, com idades entre 9 e 17 anos e 2.370 pais e responsáveis. O estudo foi realizado entre março e setembro deste ano. O Tic Kids Online Brasil é uma pesquisa feita anualmente desde 2012 e só não foi realizada em 2020 por causa da pandemia de covid-19.