A taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil entre os anos de 2011 e 2022. Já as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 aumentaram 29% a cada ano nesse mesmo período. O número foi maior que na população em geral, cuja taxa de suicídio teve crescimento médio de 3,7% ao ano e a de autolesão 21% ao ano, neste mesmo período.

Esses resultados foram encontrados na análise de um conjunto de quase 1 milhão de dados, divulgados em um estudo recém-publicado na The Lancet Regional Health – Americas, desenvolvido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard.

“As taxas de notificação por autolesões aumentaram de forma consistente em todas as regiões do Brasil no período que analisamos. Isso também aconteceu com o registro geral de suicídios, que teve um crescimento médio de 3,7% ao ano”, explica Flávia Jôse Alves, pesquisadora do Cidacs/Fiocruz e líder da investigação.

Redução em todo o mundo, mas aumento nas Américas 

Apesar da redução de 36% no número de suicídios em escala global, as Américas fizeram o caminho inverso. No período entre os anos 2000 e 2019, a região teve aumento de 17% nos casos. Nesse período, o número de casos no Brasil subiu 43%.

Em relação aos casos de autolesões no Brasil, a pesquisa do Cidacs/Fiocruz constatou que, em 2022, houve aumento das taxas de notificação em grupos de todas as faixas etárias, desde os 10 aos mais de 60 anos de idade.

A pesquisa avaliou também os números de suicídios e autolesões em relação à raça e etnia no país de 2000 a 2019. Enquanto há um aumento anual das taxas de notificação por essas lesões autoprovocadas em todas as categorias analisadas, incluindo indígenas, pardos, descendentes de asiáticos, negros e brancos, o número de notificações é maior entre a população indígena, com mais de 100 casos a cada 100 mil pessoas.

“Mesmo com maior número de notificações, a população indígena apresentou as menores taxas de hospitalização. Esse é um indício forte de que existem barreiras no acesso que essa população tem aos serviços de urgência e emergência. Existem diferenças entre a demanda de leitos nos hospitais e quem realmente consegue acessá-los, e isso pode resultar em atrasos nas intervenções”, afirma a pesquisadora.

Estabilidade nos casos de suicídio durante a pandemia de Covid-19 

Com a mudança da dinâmica nas relações sociais durante a pandemia de Covid-19, aumentaram as discussões sobre transtornos mentais como ansiedade e depressão. No entanto, de acordo com Flávia Jôse, o registro de suicídios permaneceu com uma tendência crescente ao longo do tempo, não tendo apresentado uma mudança no período da pandemia.

“Apesar de ter sido um dos países mais afetados pela pandemia, outras pesquisas já relataram que as taxas de suicídio no período se mantiveram estáveis. O principal aqui é que, independentemente da pandemia, o aumento das taxas foi persistente ao longo do tempo”, explica.

Estudos anteriores do Cidacs/Fiocruz já associaram o aumento do número de suicídios com o aumento das desigualdades sociais e da pobreza e com o crescimento da prevalência de transtornos mentais, que causam um impacto direto nos serviços de saúde, além de relatar as variações nas taxas em relação a cada região.

Acesso a dados enfrenta barreiras legais e estigma

Segundo Flávia, o estudo atual enfatizou a importância de mais políticas e intervenções: “Estamos reforçando a necessidade de mais estratégias de prevenção ao suicídio ao trazermos estes resultados”, conclui.

De acordo com os pesquisadores do Cidacs/Fiocruz Bahia, ter dados de qualidade disponíveis é uma estratégia importante de prevenção e monitoramento do suicídio, apesar de o acesso a esses dados ainda ser um problema grande no mundo todo, seja por estigma ou por questões legais.

“O Brasil sai na frente nesse sentido, porque tem três diferentes bases de dados com essas informações e elas podem ser usadas para revelar evidências que a gente pode não ver ao analisar um banco único”, disse Flávia.

Para chegar às conclusões, a equipe analisou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

Faltam serviços para atender crianças e adolescentes

A psiquiatra Alessandra Diehl, membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), vê com bastante preocupação o resultado do estudo do Cidacs/Fiocruz Bahia.

“São dados alarmantes que vão sinalizando que essa população (crianças e jovens) é de fato mais vulnerável a transtornos psiquiátricos e, entre eles, o espectro da automutilação e o sintoma de suicídio dentro de vários quadros psiquiátricos”, comentou Alessandra, em entrevista à Agência Brasil.

A especialista avaliou que isso tem um reflexo multifatorial e, apesar de haver iniciativas em todo o país, ela acredita que a saúde mental do adolescente e da criança ainda está sendo negligenciada.

“Acho que um deles, muito preocupante nesse cenário, é que, apesar dessas estatísticas imensas, nós não temos hoje, no Brasil, na rede pública principalmente, serviços de atenção mais capilarizados para a infância e a adolescência”, alerta.

Crianças estão sendo ‘psiquiatrizadas’?

Segundo Alessandra Diehl, existe um estigma de que as crianças estão sendo “psiquiatrizadas”. “Se a gente pudesse ofertar tratamento de uma forma mais precoce, a gente minimizaria essas estatísticas”.

Na opinião da psiquiatra, esse é o grande “pulo do gato”, envolvendo tratamento precoce e, principalmente, medidas preventivas, que “são salutares, necessárias e urgentes para essa população”.

Em relação aos adolescentes, em especial, Alessandra chamou a atenção que, na fase de transição da sexualidade, enfrentam mudanças que podem levar também ao uso de álcool e drogas, o que requer o olhar atento dos pais e da sociedade.

Para a psicóloga Paula Zanelatto, que atua em projeto na Rocinha procura estimular o debate sobre o suicídio entre jovens da comunidade, como forma de promoção da saúde mental, há fatores de risco que influenciam bastante crianças e adolescentes na questão do suicídio. Entre eles, citou o isolamento, o bullying, casos de violência sexual e doméstica e, sobretudo, o tabu de conversar sobre o assunto.

“Como se falar sobre isso fosse gerar mais vontade de fazer. Escutando tanto as famílias como os jovens, eu acredito que tem esse inconsciente coletivo de que falar influencia, o que é muito pelo contrário. É tabu”, classifica. “Tem diversos fatores que vão influenciar para esse índice crescente do suicídio ou da tentativa de suicídio”, ressalta.

Transtorno de humor, bipolaridade, depressão e borderline

Paula explicou que a principal razão diagnóstica que leva ao suicídio é o transtorno de humor, traduzido por bilaporidade ou depressão. Informou que 35% das pessoas que tentam o suicídio têm algum tipo de transtorno de humor.

Aí também se encaixa o borderline, que é um transtorno mental grave, caracterizado por um padrão de instabilidade contínua no humor, em que um dos critérios de diagnóstico são as autolesões ou cortes, muito fortes entre os jovens.

“Eles relatam para mim que marcar o corpo ou cortar o corpo é uma forma de aliviar a dor. Mas não se trata, porém, de uma dor física, mas de uma dor emocional. É uma angústia que eles não sabem definir de onde vem. Eles não conseguem dar nome a essa angústia ou a esse vazio enorme”.

Para Paula, suicídio ou tentativa de suicídio é uma doença. “Não é frescura, não passa sozinho e é classificado em todo o mundo como uma doença. Quando você leva essa informação para o jovem, você começa a abrir a sua mente”.

Projeto com jovens da Rocinha será levado a congresso europeu de Psiquiatria

O trabalho na Rocinha, que o fala de prevenção ao suicídio, resulta de parceria entre a Clínica Jorge Jaber e a Associação Sociocultural Semearte, que promove teatro e dança na região, e envolve cerca de 140 alunos na faixa etária de 13 a 22 anos que participam de encontros com profissionais da área de psiquiatria, englobando palestras, rodas de conversa e arte.

“Para mim, a grande forma de ajudar é levando informação, fazendo palestras, rodas de conversa, conversando sobre o assunto, desmistificando esse assunto. E, com isso, abrindo um canal para que eles (crianças e jovens) possam falar sobre (o suicídio), tirar dúvidas e pedir ajuda”, diz Paula.

Cerca de 70 alunos do Semearte já se tornaram multiplicadores das informações sobre o suicídio. O projeto da Rocinha será apresentado em Budapeste, na Hungria, em abril deste ano, durante o 32º Congresso Europeu de Psiquiatria.

Onde jovens e adolescentes podem procurar ajuda

Outra iniciativa voltada especificamente para esse público é o projeto Pode Falar, um canal lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de ajuda em saúde mental para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. Funciona de forma anônima e gratuita, indicando materiais de apoio e serviço.

Outros canais que também oferecem atenção e auxílio a pessoas com ideação suicida são o Mapa da Saúde Mental, que traz uma lista de locais de atendimento voluntário online e presencial em todo país, e o conhecido Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece apoio emocional e prevenção do suicídio gratuitamente.

A pessoa que procura o CVV porque está se sentindo solitário pode conversar de forma sigilosa, sem julgamentos, críticas ou comparações com os voluntários da instituição, que atua em todo país. O atendimento é realizado pelo telefone 188, que funciona 24 horas por dia e sem custo de ligação, e pelo chat nos seguintes dias e horários: domingos, de 17h à 1h; de segunda a quinta-feira, de 9h à 1h; na sexta-feira, de 15h às 23h; e nos sábados, de 16h à 1h.

Com informações da Agência Fiocruz e Agência Brasil, com Redação (atualizado em 22/02/24)

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