Cuidado, acolhimento e respeito ao próximo. Essas palavras resumem bem o trabalho desenvolvido pelas 13 equipes de Consultório na Rua, distribuídas por todas as áreas da cidade do Rio de Janeiro. O objetivo do trabalho é ampliar o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde, oferecendo atenção integral à saúde para esse grupo populacional, que se encontra em condições de vulnerabilidade extrema e com os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados.
O programa Consultório na Rua atua desde 2011 nos territórios da cidade, mas a sua ampliação mais significativa ocorreu nos últimos dois anos, quando o número de equipes saltou de sete para 13. O aumento proporcionou maior alcance populacional e, principalmente, promoveu o início dos trabalhos em lugares que antes não contavam com a iniciativa, como regiões das zonas Sul e Oeste da cidade. Hoje, as equipes atuam em 118 bairros, 40 a mais do que há dois anos.
“O Consultório na Rua é uma extensão do trabalho realizado dentro das unidades básicas de saúde. O programa foi pensado para garantir o acesso e o direito das pessoas em situação de vulnerabilidade à saúde pública. A importância das equipes é justamente ajudar e facilitar o acesso dessas pessoas que, historicamente, têm muita dificuldade de acesso às políticas públicas. O principal objetivo das equipes, além do atendimento integral em saúde, é garantir que essas pessoas acessem o SUS”, explica a gerente da área técnica de Consultório na Rua, Fabiana Baraldo.
Cada equipe é composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, agente social, psicólogo e assistente social. Algumas delas, também contam com terapeuta ocupacional. No primeiro semestre de 2023, as equipes fizeram aproximadamente 20 mil atendimentos, realizando mais de 36 mil procedimentos. Somente a execução de testes rápidos, importantes ferramentas utilizadas no dia a dia de trabalho para detecção de gravidez e infecções sexualmente transmissíveis (IST), como HIV, hepatite C e sífilis, foram mais de 1,3 mil.
Médico atende paciente deitada em ‘maca’ de concreto
O médico de família Laio Victor atua há quase um ano na equipe de Consultório na Rua da Clínica da Família Anthídio Dias, no Jacarezinho, e relata que ser proativo faz toda a diferença no atendimento na rua, se apresentando de forma clara e explicando que a equipe pode ajudar cuidando dos ferimentos, dores, tosse e também com sintomas de abstinência de drogas e sofrimento mental.
Ele destaca que é importante comunicar às pessoas em situação de rua sobre os serviços de acesso à saúde a que elas têm direito, como atendimento médico, vacinas e testes rápidos para ISTs, e destaca os desafios que encontra nos locais de grande aglomeração de pessoas em situação de rua.
“O maior desafio é lidar com o que temos. Na rua não temos macas, cadeiras, computador para registrar em prontuário eletrônico, e nem a privacidade de um consultório fixo para algumas situações”, comenta.
O médico lembra de situações inusitadas na prática clínica do serviço ambulante. “Já precisei examinar uma paciente deitada sobre uma placa de concreto, debaixo de um viaduto, auscultar o coração e examinar o abdome para começar a investigar o que viria a ser uma insuficiência cardíaca grave. Conseguimos encaminhá-la para um hospital para estabilizar o quadro e realizar exames”.
Mas quem pensa que o trabalho para por aí está enganado.
“Agora eu sigo tratando dessa paciente no consultório e com visitas ao lugar em que ela costuma dormir para entregar as medicações e examiná-la. Algumas pessoas não estão em condições ou não desejam ser transportadas, mas fazemos o melhor que conseguimos dentro das limitações do contexto, sempre com muito diálogo e compreensão”, diz o médico.
Como é feito o trabalho a pessoas em situação de rua
As equipes de consultório na rua realizam cadastramento e acompanhamento em saúde das pessoas em situação de rua, realizando investigação, diagnóstico e tratamento de diversas doenças, como tuberculose, HIV, sífilis, hipertensão, diabetes, feridas e problemas de pele (calosidades nos pés, micoses, rachaduras, escabiose, e lesão por infestação de parasitas).
O serviço oferece ainda cuidado em saúde mental e tratamento para questões relacionados com uso prejudicial de álcool e outras drogas, além de consultas de pré-natal, saúde bucal. També realizam ações de vacinação, conforme o calendário. O trabalho é realizado, principalmente, em áreas de grande concentração de pessoas em situação de rua e de grande vulnerabilidade.
A enfermeira Danielle Nogueira atua há dois anos na equipe de Consultório na Rua da Clínica da Família Marcos Valadão, em Acari, e apesar de ser um território sensível, os profissionais conseguem ter experiências exitosas durante o trabalho que exercem, como a cura para tuberculose ou direcionar cada usuário para a sua clínica da família de referência. A profissional ressalta a importância do cuidado e do reconhecimento dos direitos de cada cidadão, sem distinção ou preconceito.
“A gente busca trazer visibilidade para esse público que só é visível quando incomoda. São pessoas muito presentes no território e muito pouco notadas pela sociedade civil. A gente trabalha levando acesso para elas, levando dignidade para que tenham direitos como cidadãos que são, e para que possam exercer a sua cidadania e ter direito ao SUS. Para mim, é gratificante ver a importância da vida, de cada ser humano e de como somos a única referência de cuidado para essas pessoas”, diz a enfermeira.
Nos territórios, as equipes do Consultório na Rua deixam uma marca de cuidado e acolhimento na vida dessas pessoas, que vivem em uma situação de vulnerabilidade, tanto de cuidado como de afeto. Márcia e Viviane, que atualmente estão em situação de rua, relatam sobre o atendimento que recebem das equipes:
“Eles são bons e cuidam bem da gente”, diz Márcia. “É uma ótima equipe, que está dando a vida pelo trabalho e pela gente. Para toda a equipe da saúde eu tiro o chapéu!”, completa Viviane.
Com informações da SMS-Rio