A população negra representa mais de 56% dos brasileiros, segundo o IBGE, mas ainda enfrenta barreiras estruturais que impactam diretamente seu bem-estar físico e mental. Dados do Ministério da Saúde indicam que pessoas negras têm maior risco de mortalidade materna, maior incidência de hipertensão e diabetes, e menos acesso a serviços especializados de saúde. Esses números revelam o quanto o racismo estrutural se manifesta também no campo da saúde, gerando desigualdades que atravessam gerações.
Por isso, o Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, celebrado em 27 de outubro, é um chamado à reflexão e à ação sobre as desigualdades raciais que atravessam o acesso, a qualidade e os resultados da saúde no Brasil. Criada para fortalecer políticas públicas e movimentos sociais em defesa da equidade racial, a data busca garantir que o cuidado em saúde também seja um direito vivido e não apenas previsto em lei.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), criada em 2009, é um dos principais instrumentos para efetivar esse compromisso. Ela orienta a promoção da equidade racial no SUS, reconhecendo o racismo como determinante social de saúde.
A psicóloga Laíse Brito, de 35 anos, fundadora da Baobá Saúde, em Salvador (BA), reforça a urgência de discutir e ampliar o acesso da população negra a um cuidado integral, humanizado e representativo.
Quando pensamos em saúde, é preciso compreender que não se trata apenas de ausência de doença, mas de qualidade de vida, de pertencimento, de reconhecimento do nosso valor. A população negra carrega dores e potências que precisam ser escutadas”, destaca a psicóloga.
A data também é sobre resistência e reconstrução. É um convite para profissionais, gestores e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) a reconhecer que saúde é um direito coletivo, e que garantir esse direito requer uma abordagem sensível às diferenças raciais, étnicas e culturais.
Cuidar da saúde da população negra é reconhecer histórias, corpos e subjetividades. É combater o racismo institucional, preparar equipes para um atendimento antidiscriminatório e garantir representatividade nos espaços de decisão. É compreender que a dor da população negra é real, que sua escuta é urgente e que seu tratamento deve respeitar suas especificidades biológicas, sociais e simbólicas”, compartilha.
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SBPC/ML alerta para a importância da equidade e representatividade na medicina diagnóstica
O Dia Nacional de Mobilização Pró–Saúde da População Negra também chama atenção para a importância de discutir a saúde sob a perspectiva da Patologia Clínica e da Medicina Laboratorial, com foco em diversidade, equidade e inclusão.
De acordo com a Luisane Vieira, médica patologista clínica e membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica / Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e consultora em gestão e acreditação de laboratórios, o principal objetivo é desmistificar a ideia de que existem parâmetros laboratoriais baseados em “raça”:
O Brasil é altamente miscigenado. Estudos genéticos mostram que não há correlação consistente entre cor da pele e herança genética. As diferenças observadas nos exames refletem, em grande parte, determinantes sociais, ambientais e alimentares, não fatores raciais biológicos”, explica.
Mudança em exame para avaliar o desempenho dos rins
Um exemplo importante dessa revisão é a CKD-EPI 2021, diretriz internacional que atualizou a fórmula para estimar a Taxa de Filtração Glomerular (TFG) – parâmetro usado na avaliação da função renal. O cálculo é feito a partir da creatinina sérica, substância cuja concentração no sangue reflete o desempenho dos rins.
Até recentemente, fórmulas diferentes eram aplicadas a pessoas “afrodescendentes” e “não afrodescendentes”. A nova equação removeu o ajuste por raça, tornando o resultado mais preciso e reduzindo o viés diagnóstico. “A mudança reconhece que o impacto da ancestralidade africana na massa muscular não justifica distinções raciais fixas”, destaca a especialista.
Raça x ancestralidade: entenda as diferenças
Segundo a especialista, é fundamental entender e distinguir que o conceito de raça está ligado à uma construção cultural, baseada em fenótipos, com pouco respaldo científico, enquanto o conceito de etnia engloba aspectos culturais, linguísticos, históricos e genéticos compartilhados por um grupo antropologicamente definido.
Já o conceito de ancestralidade refere-se ao conjunto de fatores genéticos transmitidos entre gerações, ligados às origens de cada pessoa.
A SBPC/ML reforça que a maioria das supostas diferenças raciais nos exames reflete desigualdades sociais e não biológicas. Ainda assim, grande parte dos intervalos de referência utilizados no Brasil baseia-se em dados estrangeiros, muitas vezes sem validação local, o que pode levar a interpretações equivocadas e desigualdades diagnósticas”, diz a entidade.
Medicina Laboratorial Centrada na Pessoa
Com a Norma PALC 2025, a SBPC/ML introduziu o conceito de Medicina Laboratorial Centrada na Pessoa, que exige dos laboratórios uma postura ativa em diversidade, equidade e inclusão. A entidade também recomenda que os profissionais colaborem com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Ministério da Saúde para revisar parâmetros laboratoriais na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN).
Discutir a saúde da população brasileira considerando seus contextos sociais, culturais e econômicos é essencial. A equidade nos exames não é apenas uma questão técnica, é um compromisso ético com a representatividade e o cuidado centrado na pessoa”, conclui Luisane Vieira.
Espaços exclusivos para cuidar da saúde de pessoas negras
Outro bom exemplo de combate ao preconceito racial na saúde vem do aumento de espaços focados no atendimento à população negra. Inspirada pela simbologia da árvore africana que dá nome ao espaço, símbolo de força, ancestralidade e resistência, a psicóloga Laíse Brito criou a Baobá Saúde, um refúgio terapêutico que une ciência, acolhimento e identidade.
O racismo adoece, e se queremos falar de prevenção e de promoção de saúde, precisamos olhar para o impacto do racismo nas dimensões física, emocional e espiritual das pessoas negras. É isso que a Baobá se propõe a transformar”, afirma
Localizada no bairro Caminho das Árvores, em Salvador (BA), a clínica nasceu em janeiro deste ano com o propósito de quebrar barreiras históricas que afastam pessoas negras, indígenas e LGBTQIAP+ dos espaços de promoção da saúde física e mental.
A Baobá Saúde oferece serviços de psicologia, psiquiatria, microfisioterapia, estética e psicopedagogia, sempre em um ambiente pensado para acolher, desde o primeiro contato até o acompanhamento terapêutico.
Neste mês de outubro, em sintonia com a mobilização nacional, a clínica promove uma série de atividades voltadas para o bem-estar emocional da população negra, além de grupos terapêuticos quinzenais. As ações integram um calendário permanente de atividades que mesclam encontros presenciais e virtuais, alcançando pessoas de outras regiões do país.
Com Assessorias





