Há 11 anos Solange Revoredo foi vítima de uma tentativa de feminicídio no Rio de Janeiro e até hoje seu ex-marido não foi responsabilizado pelo crime. “Meu marido só ficou preso por um mês e até hoje se gaba por não ter pagado pelo que fez comigo. Queria muito ver a justiça sendo feita. Fui negligenciada em várias esferas e quase morri após apanhar”, desabafou durante audiência pública realizada nesta sexta-feira (25) pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Em 2020, mais de 73 mil mulheres sofreram algum tipo de violência no Estado do Rio de Janeiro, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). O número representa uma média de 251 vítimas por dia. Para se ter ideia, em apenas meses de atuação, de março a junho deste ano, a Ronda Maria da Penha da Guarda Municipal do Rio de Janeiro (GM-Rio) realizou atendimento a 179 mulheres vítimas de violência e 767 acolhimentos, um atendimento humanizado por meio de visitas domiciliares ou por telefone. 

O Brasil é um dos cinco países que mais matam mulheres no mundo. Embora o crime do feminicídio exista no Código Penal desde 2015, de lá para cá o número de registros já aumentou 20%. Isso mostra o tamanho do nosso problema”, disse Xuma Schumacker, representante do movimento Levante Feminista contra o Feminicidio no estado.

Ela criticou a morosidade do Judiciário em resolver esses crimes e a falta de investimentos na prevenção são problemas que precisam de solução. “Precisamos denunciar os feminicídios no nosso país, dar visibilidade às casas de mulheres e sensibilizar os homens que se envergonham com o machismo praticado”, explanou.

Para o desembargador e autor do livro Sobre Elas: Uma História de Violência, Wagner Cinelli, não pode existir crime sem punição. “A vítima não pode achar que não vai dar em nada a sua denúncia. Temos que mudar essa equação que desfavorece todo mundo. A mulher precisa estar empoderada para minar essa violência que a atinge, mas vale frisar que quem está em uma situação como essa tem vergonha de pedir ajuda, não é só uma questão de desconhecimento, por isso todas as esferas precisam estar capacitadas para atender essas vítimas”, defendeu.

Lesbocídio: o feminicídio contra a mulher lésbica

Já a coautora do Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil, Suane Felippe Soares, chamou a atenção para a falta de dados de feminicídios praticados em mulheres lésbicas no Brasil.

“No último dossiê contabilizamos 126 casos de mortes de lésbicas de 2014 a 2017. No entanto, desde que a pesquisa foi interrompida por falta de verba, em 2018, o único relato que temos publicado afirma que em 2020 foram registrados apenas 10 casos. A questão é que esse número não diminuiu, ele só está sendo subnotificado. Não temos pessoas específicas para pensar sobre a morte das lésbicas no nosso país”, afirmou.

Suane ainda reforçou que o lesbocídio é um feminicídio, apesar de ser operado de forma diferente em muitos casos. “Quando uma lésbica é vitimada, todas as mulheres são violentadas. Temos que criar uma forma de contabilizar esses feminicídios”, concluiu.

Alerj cobra medidas do Governo do Estado

As estatísticas levantadas por coletivos de mulheres em todo o Brasil mostram números alarmantes para o ano de 2021 e fazem com que a atuação do Poder Legislativo seja essencial para conter a violência. A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Enfermeira Rejane (PCdoB), lembrou que a bancada feminina da Alerj enviou um ofício ao governador Cláudio Castro solicitando uma reunião para discutir o aumento de casos no Rio. Segundo a parlamentar, porém, o pedido não foi atendido.

“Precisamos cobrar do Governo medidas emergenciais. Não podemos mais manter a situação como está. Hoje vamos fazer um abaixo assinado e enviar novamente ao Executivo. O Parlamento tem feito a sua parte”, disse Rejane. A deputada recordou que a Alerj contou com o trabalho de uma CPI que investigou os casos de feminicídio no Rio, que gerou três indicações legislativas e cinco projetos de leis.

O relatório final, aprovado em 2019, tinha como medidas propostas a implementação do Formulário de Avaliação de Risco em Violência Doméstica (Frida) com o objetivo de identificar e diagnosticar o risco que essa mulher corre e, com isso, serem adotadas medidas mais céleres para evitar que ela se torne uma vítima de feminicídio. No entanto, ela lembrou que a medida ainda não foi colocada em prática.

Também não virou realidade até hoje a Lei 8.332/19, de sua autoria, que cria o Fundo Estadual de Combate à Violência contra a Mulher. Esse fundo receberá 0,2% da arrecadação do Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais – FECP.

A porcentagem representaria um pouco mais de R$ 9 milhões em recursos, o que com certeza fará muita diferença nas políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres”, disse a deputada. “Estamos falando de um valor que ainda seria insuficiente para combater esses crimes e ainda assim não foi para frente”, reforçou Rejane.

“Consigo notar os avanços dessas políticas, mas o sistema ainda é muito cruel com a mulher, afirmou Solange Revoredo, durante a audiência. Também estiveram presentes na reunião as deputadas Martha Rocha (PDT) e Tia Ju (Republicanos).

Ronda Maria da Penha acolheu mais de 700 mulheres em três meses

Ronda Maria da Penha foi criada pela Guarda Municipal do Rio, com apoio do Tribunal de Justiça (Foto: Divulgação)

O projeto Ronda Maria da Penha, iniciado em março pela Guarda Municipal do Rio em parceria com o Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), conta com 31 guardas municipais e apoio de quatro viaturas adesivadas com faixas na cor lilás e a logomarca do programa. Os agentes capacitados atuam na verificação do cumprimento de medidas protetivas deferidas pelos juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital.

Os patrulheiros realizam os atendimentos com três agentes, sempre tendo, pelo menos, uma guarda feminina na equipe. A principal missão exercida pelos patrulheiros da ronda é a verificação do cumprimento das medidas protetivas, criadas para coibir atos de violência doméstica e familiar.

Após receber a notificação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, guardas municipais vão até a residência da mulher que teve a medida deferida para verificar se está sendo cumprida pelo agressor. Não se aproximar da vítima, não manter contato ou não frequentar determinados lugares estão entre as medidas protetivas mais utilizadas para evitar a repetição da violência contra a mulher.

Os guardas municipais que integram o projeto participaram de curso de capacitação em 2020, que contou com palestras presenciais e por videoconferência, realizadas pela Academia de Ensino da GM-Rio. Ao longo da qualificação, que teve carga horária total de 54 horas, os patrulheiros tiveram aulas sobre técnicas de abordagem, acolhimento e acompanhamento da vítima; sobre a Lei Maria da Penha e seus aspectos jurídicos; abordagem psicossocial da violência; o direito das mulheres; rotinas e procedimentos legais; serviço de assistência social; entre outros assuntos.

 Além disso, os agentes tiveram palestras com outras instituições que já realizam este trabalho, como as Guardas Municipais de Mangaratiba, Macaé e Duque de Caxias; Polícia Militar, entre outras. Eles também participaram de estágio supervisionado com agentes da Guarda Municipal de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e acompanharam visitas a mulheres que possuem medidas protetivas deferidas.

Os guardas também realizaram visitas a entidades que desempenham importante papel no atendimento às vítimas e na prevenção da violência, entre elas a Central Judiciária de Abrigamento Provisório da Mulher (Cejuvida) e o Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM).

Com Alerj e GM-Rio

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