Por Mario Louzã*
Pode ser uma mãe que abusa da autoridade com seus filhos. Pode ser uma amiga mandona que controla sua turma. Pode ser um marido possessivo que impede sua mulher de trabalhar fora. O relacionamento abusivo pode ser considerado uma espécie de bullying. Uma pessoa exerce poder sobre outra, tolhendo sua liberdade, humilhando, denegrindo, impondo sua forma de pensar e ser, de modo que a pessoa “abusada” perde parte de sua identidade e de sua possibilidade de escolha.
Frequentemente, o domínio é exercido por alguma vantagem que uma das partes tem sobre a outra, como condição financeira, por exemplo. Uma pessoa pode se sentir superior às outras por ter mais dinheiro. Com os amigos, ela acha que pode determinar os programas que vão fazer. Com a mulher, ou com o marido, a pessoa se sente no direito de fazer tudo do seu jeito, inclusive em relação à educação dos filhos, já que ela “banca a família”.
Este tipo de relação resulta também na humilhação em público. Exemplo disso é a postura de reprovação da pessoa “abusadora”, quando a “abusada” expressa suas ideias durante um encontro entre amigos ou familiares. Ao notar que o(a) outro(a) não gostou, a pessoa se sente intimidada, envergonhada e, com medo da “abusadora”, acaba se calando e ficando apática.
A pessoa que sofre o relacionamento abusivo pode ter vários comportamentos: mesmo tendo ciência do que se passa, pode acreditar que
“as coisas vão mudar”. Ou então tem medo de tomar uma atitude, e não saber qual será a reação da pessoa “abusadora”.
Quem passa por esses abusos, muitas vezes, “finge” já ter se acostumado, e prefere continuar do jeito que está do que enfrentar os desafios que virão pela frente. Esta “acomodação” está relacionada à própria personalidade da pessoa “abusada”, alguém que frequentemente se sente frágil e, mesmo sendo abusada, se sente protegida pela outra pessoa. Daí, cria-se uma relação simbiótica, na qual um depende emocionalmente do outro. Pode soar estranho e contraditório, mas é fato.
Em alguns casos, a situação pode chegar a extremos de agressão verbal e/ou física, o que passa, então, a demandar uma ação junto a autoridades judiciais. A abordagem dessa relação abusiva requer que ambos (abusador e abusado) se disponham a buscar tratamento psicoterápico individual e, no caso de casais, de terapia de casal, visando à ruptura da relação simbiótica e a busca de uma relação de equidade e equilíbrio.
- Mário Louzã é médico psiquiatra e psicanalista. Professor e doutor em Medicina pela Universidade de Würzburg, Alemanha.