O fogo segue ameaçando a vida da Amazônia e o clima em todo o mundo. Somente de janeiro a 20 de agosto, o número de queimadas na região foi 145% superior ao registrado no mesmo período de 2018. E não é somente o meio ambiente e a imagem do Brasil lá fora que as chamas estão consumindo. A saúde também está em risco.

Especialistas afirmam que a fumaça agrava doenças respiratórias, como asma, bronquite, rinite e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), além de aumentar o risco de desenvolver câncer de pulmão. Em alguns casos, ela pode até mesmo provocá-las em indivíduos sadios. Isso porque as partículas presentes na fumaça são formadas de compostos químicos que, ao serem inalados, afetam o sistema respiratório, prejudicando as trocas gasosas (oxigênio/gás carbônico).

Um composto já conhecido por seu perigo é o monóxido de carbono (CO): quando inalado, ele chega ao sangue e se liga à hemoglobina, cuja a função é transportar oxigênio. Essa ligação não permite que essa proteína leve oxigênio até as células. Isso desencadeia um processo inflamatório sistêmico, com efeitos danosos sobre o coração e o pulmão, que podem até causar a morte.

Nos meses de agosto, setembro e outubro os focos de incêndios dissipam uma nuvem de fumaça tóxica sobre a região amazônica. A população mais vulnerável é formada por crianças e idosos que vivem nas regiões por onde o fogo se alastra. Em Porto Velho (RO), pelo menos 500 crianças já foram parar na emergência com crises de asma e outras alergias provocadas pela fumaça que cobre a cidade desde a semana passada.

As crianças menores de cinco anos, prejudicadas pelo impacto das partículas com componentes cancerígenos da fumaça das queimadas, desenvolvem alergias respiratórias, que comprometem o aprendizado escolar. Segundo a pesquisadora Sandra Hacon, da Escola Nacional de Saúde Pública, os mais atingidos são principalmente famílias de baixa renda, que estão em áreas de risco sem alternativa de sair.

Entre os sintomas mais comuns provocado pela inalação de fumaça de queimadas são tosse seca, falta de ar, dificuldade para respirar, dor e ardência na garganta, rouquidão, dor de cabeça, lacrimejamento e vermelhidão nos olhos. O contato com a fumaça também pode causar alergias, pneumonia, problemas cardiovasculares e insuficiência respiratória.

Sandra Hacon e o pesquisador Christovam Barcellos coordenaram o projeto Clima & Saúde da sub Rede de Mudanças Climáticas do INPE/INCT Rede Clima, que avalia os efeitos das queimadas com alterações climáticas. Sandra informou que algumas medidas podem ser adotadas pelas autoridades ambientais e de saúde, no sentido de evitar o agravamento de doenças respiratórias na população, exposta a fumaça das queimadas.

Exposição à fumaça leva ao câncer de pulmão

A exposição prolongada às partículas da fumaça de queimadas também aumenta o risco de câncer de pulmão. As descobertas mostraram que “o dano no DNA pode ser tão grave que a célula perde a capacidade de sobreviver e morre ou perde o controle celular e começa a se reproduzir desordenadamente, evoluindo para câncer de pulmão”

As partículas carregadas de toxinas, liberadas durante queimadas na Amazônia, se inaladas involuntariamente por longo período, podem causar estresse oxidativo das células pulmonares humanas e danos genéticos irreversíveis no DNA das células,  levando a sua morte. Mesmo as que sobrevivem podem sofrer mutações com potencial de evoluir para um câncer de pulmão. É o que revela um estudo publicado em setembro de 2017 na revista Nature Scientific Reports.

Para a pesquisadora Sandra Hacon, co-autora do novo trabalho, as conclusões são inéditas e a divulgação do trabalho pode incentivar as autoridades a instituir na região um programa de melhoria da qualidade do ar e monitoramento dessas partículas finas provenientes das queimadas, decorrentes da ocupação desordenada para atender a interesses econômicos .

É uma questão de bom senso. Não faz sentido continuar esse processo de queimadas na Amazônia. A situação estava controlada, mas houve aumento acentuado nos últimos três anos. Uma alternativa é a montagem, pelas secretarias municipais de Saúde, de um sistema de vigilância das doenças respiratórias, de modo a ajudar a população das cidades onde as queimadas vem ocorrendo de forma sistemática”, disse Sandra à EBC.

ESTRESSE OXIDATIVO LEVA AO SUICÍDIO CELULAR

A nova descoberta é resultado de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Federal de Rondônia(Ufro).

A pesquisa é referente a uma tese de doutorado da bióloga Nilmara de Oliveira Alves, da USP, que avaliou os efeitos em células pulmonares expostas a concentrações de poluentes iguais às encontradas em locais com queimadas na Amazônia. A equipe coletou amostras de material particulado fino em Porto Velho (RO), uma das áreas mais afetadas pelas queimadas na região.

Para entender como ocorre a contaminação, os pesquisadores expuseram em laboratório linhagem de células pulmonares às partículas, compostas por material tóxico, em concentração semelhante com as encontradas nas queimadas da Amazônia, analisadas com técnicas bioquímicas avançadas.

Essas análises permitiram medir o grau de inflamação e de lesão no DNA. Foi comprovado que o dano no DNA pode ser tão grave a ponto de a célula perder o controle e começar a se reproduzir desordenadamente, evoluindo para câncer de pulmão.

Foi usado um filtro que simula a respiração humana, que aspira os poluentes e filtra as partículas finas e ultrafinas emitidas nas queimadas. Por seu tamanho diminuto, são capazes de penetrar nos alvéolos pulmonares, provocando uma inflamação alta, seguida de estresse oxidativo, que pode levar à autofagia (suicídio celular) e lesões no DNA. Isso pode fazer com que as células se reproduzam desordenadamente ao ponto de levar à formação de câncer..

Sandra contou que havia encontrado uma forte associação entre queimadas e efeitos na saúde a partir de análise de dados do SUS e concentração de poluentes, mas ainda não se conheciam os mecanismos de ação dos poluentes. Estudos anteriores já tinham constatado que todo ano, nos meses de setembro e outubro, que são de seca, quando os focos de incêndio disparam na Amazônia, uma nuvem de fumaça cobre a região causando problemas respiratórios na população. Cerca de 10 milhões de pessoas vivem na região.

Poluição das cidades afeta saúde física e mental

Estudos publicados esta semana mostram que a poluição nas cidades aumenta o risco de uma série de doenças de saúde física e mental. Estudo, publicado no periódico The New England Journal of Medicine, descobriu que mesmo os menores níveis de exposição à partículas poluentes aumentam o risco de mortalidade precoce. De acordo com os pesquisadores, que analisaram 652 cidades no mundo, quanto mais poluição no ar, maiores são os índices de mortalidade.

Outra pesquisa, publicada na revista PLOS Biology, indicou que a poluição ambiental aumenta em 29% o risco de problemas mentais, além de elevar em 27% o risco de desenvolver transtorno bipolar. O risco de depressão chega a 6%. O trabalho foi realizado nos Estados Unidos e na Dinamarca.

Por último, estudo publicado no Journal of Investigative Medicine, apontou que a exposição à poluição provocada pelos veículos torna as pessoas duas vezes mais propensas a desenvolverem alguma deficiência visual debilitante, como a degeneração macular relacionada à idade. O trabalho analisou 40.000 pessoas entre 1998 e 2010.

ENTENDA

Incêndios queimam o filme do Brasil no exterior

O dia virou noite na última segunda-feira (19) na capital paulista e algumas cidades litorâneas de São Paulo. O céu escureceu no meio da tarde, um fenômeno provocado pela combinação de uma frente fria com resíduos das queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste e em países vizinhos (Bolívia e Paraguai).

As intensas queimadas acontecem há mais de duas semanas no país. Com uma das maiores quantidades de focos de incêndio registrados nos últimos anos, a Amazônia agoniza aos olhos do mundo. Para o Greenpeace, as queimadas que estão devastando a Amazônia também estão destruindo a imagem do Brasil.

Isso afeta nossa economia e pode agravar a crise econômica e o desemprego. Até mesmo setores do agronegócio já assumem que a política antiambiental do governo pode trazer prejuízos. Em resposta, Bolsonaro fez um pronunciamento em rede nacional, mas não anunciou nenhuma medida concreta para combater o desmatamento. Parecia mais preocupado em salvar a si mesmo do que em salvar a floresta”, afirma Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.

Fotos das queimadas na Amazônia aqui

Na Amazônia, fogo e desmatamento caminham juntos. Apenas neste ano, 75% dos focos de calor ocorreram em áreas que eram floresta em 2017. Além disso, o desmatamento na Amazônia só piora o ciclo de destruição anunciado pela crise climática que nos bate à porta. Afinal, quanto mais desmatamento e queimadas, maiores são nossas emissões de gases de efeito estufa e, quanto mais o planeta aquece, maior será a frequência de eventos extremos que afetam ainda mais a floresta, a biodiversidade, a agricultura e a saúde humana.

É urgente e necessário colocarmos um fim nesse ciclo vicioso, enquanto ainda temos tempo. Durante um sobrevoo na região da BR-163 pudemos observar as consequências reais do desmonte da agenda ambiental brasileira: extensas áreas desmatadas, cercadas de fumaça, denunciando o avanço da agropecuária sobre a floresta. Diferentemente do que alega o governo Bolsonaro, a onda de fogo que varre aAmazônia está ligada ao aumento do desmatamento na região”, afirma Danicley Aguiar, da campanha Amazônia do Greenpeace.

Dos 23.006 focos de calor na Amazônia registrados nos primeiros 20 dias do mês, 15.749 foram em áreas de florestas ou recentemente desmatada, 5.445 em áreas de pastagem, 832 em formação natural e 602 em áreas de agricultura. Outro dado a ser destacado é que dos 6.295 focos de calor registrados na semana de 16/08 a 22/08, 1.201 (19%) eram em Unidades de Conservação e 364 destes focos (6%) em Terras Indígenas.

“A floresta também tem seu limite, e estamos perigosamente chegando perto dele. Além disso, desmatar só traz prejuízos para nossa economia, para o clima do planeta e coloca em risco a vida de milhares de pessoas. Agir pelo fim do desmatamento deve ser objetivo de todos, e uma obrigação de quem governa o país”, conclui Astrini.

Desmatamento avança mais a cada ano

Dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, indicam que em 2017 ocorreram mais de 275 mil focos de incêndio em todo o território nacional, sendo mais de 132 mil em estados amazônicos.

Atualmente, o desmatamento é considerado um dos principais causadores das alterações climáticas registradas nas últimas décadas. Estudos confirmam que, com o avanço do desmatamento, o carbono que está retido nas árvores é liberado, o que faz com que aumente sua concentração na atmosfera, e assim, contribui para o efeito estufa.

A maior floresta do mundo, a Amazônia é uma das nossas maiores esperanças e ameaças. Considerada o pulmão do planeta, em janeiro de 2019, a Amazônia Legal perdeu 108 km² de florestas, um aumento de 54% em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo os dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Para Carlos Durigan, diretor executivo da WCS Brasil, ONG que atua desde 2003 na Amazônia e já coordenou diversos estudos sobre a floresta e as suas mudanças ao longo dos tempos, os riscos futuros da prática são grandes.

“Se algo não for feito com urgência para o controle das atividades que estão gerando estas transformações, assim como aquelas com potencial destrutivo nos períodos extremos, como o uso indiscriminado do fogo em áreas de florestas no verão, há uma tendência de que estes períodos sejam cada vez mais intensos e frequentes, afetando de forma irremediável a biodiversidade e também vida das pessoas na região”, alertava ele em março.

Desmatamento tem tendência de crescimento na Amazônia em 12 meses (Foto: Imazon)

Estudo confirma desmatamento nos últimos 12 meses

Nos últimos 12 meses (entre agosto de 2018 e julho de 2019), o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), divulgado pelo Imazon, detectou 5.054 km² de desmatamento na Amazônia Legal. Isso corresponde a um aumento de 15% em relação ao mesmo período do calendário anterior (agosto de 2017 a julho de 2018). Pará, Amazonas e Mato Grosso lideram o ranking do período.

Somente em julho de 2019, mês que fecha o calendário oficial do desmatamento, a destruição das florestas somou 1.287 km². É um aumento de 66% em relação a julho de 2018. Acre, que tradicionalmente não costuma aparecer na lista dos estados que mais desmatam, ocupou a terceira posição do ranking com um aumento de 257% no mês.

Os municípios com maiores áreas desmatadas, em julho de 2019, foram Altamira (128 km²) e São Félix do Xingu (96 km²), no Pará, e Porto Velho (78 km²), em Rondônia. A Unidade de Conservação com a maior área desmatada (82 km²), em julho de 2019, foi a Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, no Pará. Em Rondônia estão localizadas as outras duas Unidades de Conservação com maior área desmatada no mês: Florex Rio Preto-Jacundá e Resex Jaci-Paraná que perderam 40 e 25 km², respectivamente.

Outro ponto de alerta é o desmatamento em Terras Indígenas. As três áreas indígenas mais desmatadas em julho ficam no Pará: as reservas Apyterewa e Trincheira Bacajá, ambas no sudoeste do estado, e a reserva Ituna/Itatá, no sudeste do Pará.

SAD – O Sistema de Alerta de Desmatamento é uma ferramenta de monitoramento, baseada em imagens de satélites, desenvolvida pelo Imazon para reportar mensalmente o ritmo do desmatamento e da degradação florestal da Amazônia. Operando desde 2008, atualmente o SAD utiliza os satélites Landsat 7 (sensor ETM+), Landsat 8 (OLI), Sentinel 1A e 1B, e Sentinel 2A e 2b (MSI) com os quais é possível detectar desmatamentos a partir de 1 hectare mesmo sob condição de nuvens.

Da Redação, com EBC, BBC e assessorias

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