A recente publicação de um vídeo nas redes sociais, feito por duas estudantes de Medicina, expondo comentários sobre o caso clínico de uma paciente transplantada que veio a falecer, provocou indignação pública e levou a família da jovem a apresentar denúncia ao Ministério Público. A paciente, identificada como Vitória Chaves, de 26 anos, havia passado por quatro transplantes e faleceu poucos dias após a repercussão da gravação, que circulou amplamente nas plataformas digitais.
Mesmo sem citação direta ao nome da paciente, o conteúdo divulgado apresentava detalhes clínicos suficientes para que a família reconhecesse a história. O vídeo, com tom irônico e julgamentos sobre a conduta da paciente, gerou comoção nas redes e levantou questionamentos sobre os limites éticos do uso da internet por futuros profissionais da saúde.
Para a médica Caroline Daitx, especialista em medicina legal e perícia médica, o caso evidencia uma grave distorção sobre o papel do estudante de medicina e o respeito à dignidade do paciente.
A análise técnica de um prontuário exige extrema cautela e conhecimento aprofundado do contexto clínico, das intercorrências, da resposta do organismo ao tratamento e das nuances que envolvem o processo de adoecimento. Atribuir responsabilidade direta à paciente por um insucesso terapêutico em ambiente público, sem respaldo documental e sem vínculo assistencial direto, é não apenas eticamente inadequado, mas também pode configurar infração legal e violação de direitos fundamentais”, afirma.
De acordo com a médica, a conduta das alunas contraria orientações do Código de Ética do Estudante de Medicina, elaborado por entidades como a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), que reforça princípios como empatia, respeito à privacidade e responsabilidade na utilização de informações sensíveis. “Embora ainda em formação, os estudantes devem compreender que o compromisso com a dignidade humana é parte fundamental desde o início da trajetória acadêmica”, ressalta.
Usar redes sociais para comentar casos clínicos reais, especialmente de pacientes ainda internados ou em situação vulnerável, representa uma quebra de confiança que pode abalar não apenas a relação médico-paciente, mas também a imagem de toda a categoria médica”, alerta a perita. Segundo ela, a repercussão desse tipo de exposição atinge diretamente famílias que já enfrentam o luto e o sofrimento da perda. “Humanizar a medicina passa, sobretudo, por compreender o peso que cada palavra carrega — dentro e fora dos consultórios.”
O caso segue sob investigação da Polícia Civil de São Paulo. Enquanto isso, instituições de ensino e conselhos profissionais são cobrados a fortalecer ações de sensibilização ética e supervisão do comportamento de alunos, sobretudo diante do alcance e responsabilidade das redes sociais. Para Daitx, o episódio deve servir de alerta: “Ética não é só uma disciplina acadêmica, mas uma postura diária silenciosa, respeitosa e responsável”, conclui a especialista.