Com parte dos recursos de R$ 20 milhões destinados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) à Fundação Oswaldo Cruz, o Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro já impactou positivamente mais de 200 mil pessoas em oito municípios fluminenses, incluindo a capital, e agora pode ser referência para a criação de uma política nacional de saúde em áreas de vulnerabilidade. O anúncio foi feito pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante apresentação dos resultados do projeto, no Plenário da Alerj, na manhã desta sexta-feira (10/2), Dia Estadual de Mobilização para o Enfrentamento à Covid-19.
“A diretriz principal é para coordenar várias ações já existentes nos territórios de periferias e favelas. É estabelecer políticas públicas com os movimentos sociais, como foi feito aqui no Rio de Janeiro, já que temos situações diversas no Brasil”, disse a ministra. Para Nísia, o Plano de Enfrentamento à Covid, implantado em parceria com movimentos sociais e instituições de ensino, é um exemplo que deve ser levado para o restante do país.
“Como o Brasil é muito diverso e temos muitas iniciativas, nós pretendemos fazer uma ação interministerial compilando diversos projetos existentes em todo o país, mas, sem dúvida, ouvimos relatos e dados importantes nesta manhã”, afirmou a ministra, acrescentando que é importante dar protagonismo político para essa parcela da população.
Presente ao evento, o secretário Nacional de Políticas para Territórios Periféricos do Ministério das Cidades, Guilherme Simões, disse que se esforçará para estender o projeto em nível nacional. Segundo ele, uma ação como a da Fiocruz nas periferias vai ao encontro do que é necessário fazer nas comunidades. “As periferias estão prontas para construir projetos lhes deem dignidade. Projetos como este precisam ser capilarizados por todo o Brasil”, comentou.
Combate à fome: 315 toneladas de alimentos distribuídas
Durante o Encontro Nacional do Programa de Combate à Covid19 nas Favelas, promovido no Alerjão, foram apresentados os principais resultados alcançados pelo plano para mitigar os efeitos da pandemia em áreas de vulnerabilidade social. A Fiocruz também lançou um mapa territorial das ações executadas de agosto de 2021 a dezembro de 2022. Hoje, o programa contempla comunidades nas cidades de Angra dos Reis, Duque de Caxias, Queimados, Niterói, Petrópolis, Rio de Janeiro, São Gonçalo e São João de Meriti.
Ao todo, 104 projetos desenvolvidos por 54 organizações sociais foram aprovados na primeira etapa, com foco em atividades nas áreas de segurança alimentar, saúde mental, educação, comunicação e informação popular em saúde, combate à evasão escolar e ampliação de renda, para conter os impactos da crise sanitária.
Cerca de 80% dos projetos desenvolvidos foram voltados para o combate à fome. No período, 315 toneladas de alimentos e mais de 45 mil refeições foram distribuídas para famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, ao custo unitário de R$ 4,50. Cerca de 75% do público beneficiado (200 mil pessoas) é composto por mulheres, com maioria de população formada por pessoas negras.
Dentre as atividades, houve ações de reforço escolar e reversão da evasão de estudantes, projetos de atividades educacionais e culturais, rodas terapêuticas de mulheres, encontros de diálogo com temáticas associadas à violência sexual infantil, violência doméstica, depressão, ansiedade, cidadania e direitos humanos.
Também foram promovidos cursos de auxiliar de cozinha, empreendedorismo, oferta de oficinas, ações voltadas a novas modalidades de produção e consumo, em busca da redução das desigualdades sociais com base na sustentabilidade e a ampliação da participação popular e fortalecimento da comunicação em favelas e territórios periféricos com o aumento de informações em saúde e acesso a direitos.
Mais R$ 13,5 milhões para 40 organizações já aprovadas
Coordenador-executivo do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas, Richarlls Martins explicou que o valor total doado pela Alerj (R$ 20 milhões) ainda não foi utilizado por conta das restrições da Emenda Constitucional 95, que limita o teto de gastos das instituições públicas, em decorrência do Regime de Recuperação Fiscal.
“Até o final deste ano corrente pretendemos alocar no projeto os outros R$ 13,5 milhões restantes convocados às propostas já aprovadas”, sinalizou. Outras 40 organizações aguardam para este ano a liberação orçamentária para convocação dos projetos já aprovados, alcançando mais municípios.
A deputada Renata Souza (Psol), autora da Lei 8.972/20, que permitiu o repasse dos recursos à Fiocruz para a execução do Plano, falou da importância do trabalho desenvolvido até o momento. “Se na primeira etapa, apesar do teto de gastos, 200 mil pessoas foram beneficiadas com R$ 6,5 milhões, dos quais 80% foram para o enfrentamento à fome nas favelas, imagine o que será possível fazer com muito mais recursos?”
Ela lembrou que a Alerj também aprovou, na última Lei Orçamentária Anual (LOA), a destinação de R$ 25 milhões para a Secretaria de Estado de Saúde (SES) dar continuidade e ampliar as ações já iniciadas pelo Plano de Enfrentamento. “Só no Rio, um terço da população vive na periferia e esse trabalho precisa continuar”, frisou Renata.
A secretária de Estado de Saúde em exercício, Cláudia Melo, disse que a pasta estará à disposição do grupo e aberta para a interlocução e avanço dos projetos. “A gente viu um resultado para além do que estávamos esperando e queremos dar continuidade a essa política e temos recursos garantidos para isso”, disse.
Representando os 54 projetos aprovados na primeira etapa do programa da Fiocruz, Ana Santos, coordenadora do Centro de Integração Serra da Misericórdia/Complexo da Penha, agradeceu e comentou.
“Como mulher preta, favelada, agricultora urbana e da cozinha da trincheira de luta, junto com 54 projetos, conseguimos fazer revolução, num tempo em que, sem plano do governo para a favela, para os moradores e as organizações, nos juntamos para combater o estágio da doença”.
Segundo ela, em um estado ausente, as favelas se organizaram contra a Covid19, violência e desinformação. “´É quando a gente consegue acessar, a partir da Alerj e da Fiocruz, um fundo voltado para a favela”, disse. E a expectativa é ampliar o trabalho já desenvolvido. “Temos R$ 25 milhões na Secretaria de Saúde, e esse dinheiro é fundamental para ampliar nossos projetos. Não queremos ser só 54 projetos; queremos ser 104, 1004, 2004 projetos”, acrescentou.
Combate a fome e desigualdade é prioridade na Saúde
Para a ministra Nisia Trindade, o programa desenvolvido no Estado do Rio trata de justiça social e foi fruto de uma coalizão que reuniu academia, parlamento e movimentos sociais para o enfrentamento da pandemia. “Houve uma destruição no governo Bolsonaro. Isso levou o Brasil, que conta com pouco mais de 2% da população mundial, a ter cerca de 11% dos óbitos de Covid-19 em todo o planeta. Agora é hora de reconstrução, como ouvimos nas falas do presidente Lula”, comentou Nísia, que era presidente da Fiocruz quando o plano foi lançado, em 2020.
Segundo a ministra, a ação do Estado junto com os movimentos sociais é fundamental para que as pessoas mais vulneráveis sejam alcançadas, e em grande número. “Temos que construir espaços que permitam abrir protagonismo político para aqueles que mais precisam. A democracia, como vimos nos últimos anos, é frágil e só será fortalecida com união. Não haverá democracia, que é uma construção coletiva, sem justiça social”. Nísia afirmou que a política de saúde deve ser integral, sobretudo nos territórios periféricos, e estar alinhada ao combate às desigualdades e ao racismo estrutural.
A ministra disse ainda que entre as prioridades dos primeiros 100 dias de governo, na área da saúde, estão a redução das filas de cirurgias e exames. Ela conclamou todos a um grande movimento nacional pela vacinação. “Esperamos voltar a ter 90% de vacinados em nossas campanhas”. E concluiu sua intervenção pedindo que todos se unam para fortalecer o Sistema Único de Saúde. “Viva o SUS e viva a democracia!”.
Alerj quer apoio para Complexo Industrial da Saúde
A deputada Dani Balbi (PCdoB) aproveitou a ocasião para solicitar da ministra da Saúde uma audiência para discutir o projeto do Complexo Econômico-Industrial da Saúde Fluminense, desenvolvido pela Assessoria Fiscal da Alerj. “Este projeto é fundamental, mas vem junto com uma construção coletiva”, disse a ministra, destacando que a pasta dará prioridade a temas associados a segurança alimentar, saúde mental e proteção social.
O deputado Flávio Serafini (Psol), presidente da Frente Parlamentar Defesa da Saúde Mental e da Luta Antimanicomial, destacou a importância do trabalho desenvolvido pelo Plano de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas também na área de saúde mental, com vários projetos. “É possível fazer muita coisa boa sem se dobrar a coluna aos podres poderes. Este programa é transformador e não se perdeu na burocracia, como outras iniciativas. E conseguiu alcançar os seus objetivos de forma direta, o que é raro”.
Serafini acrescentou ainda que a luta pela saúde não está desconectada das lutas pela justiça social e contra a miséria. “A saúde pública não está descolada do combate às desigualdades sociais”, destacou o deputado, que é professor licenciado da Fiocruz. “A Fiocruz saiu fortalecida da pandemia, combateu a desinformação, as fake news”, completou.
O deputado Professor Josemar (Psol) lembrou que foi na periferia que a Covid fez as maiores vítimas e destacou a importância do projeto ao focar nas populações periféricas, formadas em sua maioria por pessoas negras. “Não somos gueto, somos maioria e temos que ocupar espaços na vida pública e social”, comentou.
O presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (PL), não pôde estar presente, mas enviou uma mensagem felicitando aqueles que, de maneira direta ou indireta, participaram do programa. “Ele está à disposição para auxiliar em projetos que possam contribuir para melhorar a vida da população fluminense, especialmente em ações interligadas com poderes públicos e instituições como a Fiocruz, reconhecida internacionalmente pelo trabalho desenvolvido para a saúde de toda a população”, disse a deputada Renata Souza.
Moções de aplausos
Ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz entre 2017 e 2022, Nísia Trindade já havia recebido da Alerj o Prêmio Ana Nery e a Medalha Tiradentes, este último, a maior honraria concedida pela Casa. Nesta sexta, também recebeu da deputada Renata Souza uma moção de aplauso e reconhecimento da Alerj.
A mesma homenagem foi entregue ao secretário Nacional de Políticas para Territórios Periféricos, Guilherme Simões, e aos coordenadores do Plano de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas, Richarlls Martins e Vancler Rangel. Na ocasião, Nísia anunciou que Vancler – atual assessor de relações institucionais da Presidência da Fiocruz – será seu assessor especial no Ministério da Saúde.
Também participaram do programa instituições como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), além de sindicatos da área da saúde e da assistência social.
Autoridades, lideranças comunitárias e representantes de diversos movimentos e organizações sociais, de universidades também prestigiaram o evento, como o diretor do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), Ronaldo Damião; a pró-reitora de Extensão e Cultura da Uerj, Cláudia Gonçalves; o reitor da Uerj, Mário Carneiro; o reitor da UFRJ, Carlos Frederico Rocha, entre outros. Houve apresentação da Orquestra Maré do Amanhã, que encerrou o evento com uma emocionante apresentação do ‘Rap da Felicidade’.
Novo Portal Radar Saúde Favela
Além do lançamento do mapa territorial de ações na Alerj, a data contou com debate e apresentação do novo Portal Radar Saúde Favela com narrativas de lideranças populares sobre saúde. O canal Cidades em Movimento, da Cooperação Social da Fiocruz, transmitiu o debate virtual Mobilização comunitária e saúde nas favelas. A transmissão destacou o protagonismo das favelas em ações de enfrentamento da crise sanitária e as mobilizações por políticas públicas garantidoras do direito à vida e à saúde.
Já o lançamento do Portal Radar Saúde Favela foi feito com um tour ao vivo pelo novo espaço virtual, que mostrou tudo o que poderá ser encontrado nele. O informativo Radar Saúde Favela (originalmente, Radar Covid-19 Favela) foi concebido no âmbito do Observatório Fiocruz Covid-19 e atualmente está alocado na Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz. Com participação ativa e direta de interlocutores de favelas e bairros populares, o Radar constitui uma importante ferramenta de comunicação e de vigilância popular em saúde.
À tarde, a Assessoria de Relações Institucionais promoveu, em parceria com a Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, uma roda de conversa no Campus Maré sobre iniciativas inovadoras que contribuem para a promoção da saúde das populações de favelas e periferias.
Foram debatidos grandes desafios do SUS, tais como vacinação, informação em saúde e participação popular. O evento foi transmitido ao vivo pelo canal da Videosaúde Distribuidora e contou com a participação de Patrícia Evangelista, do Territórios Integrados de Atenção à Saúde (Teias) de Manguinhos e diretora Presidente da Organização Mulheres de Atitude em Maguinhos; Carolina Dias, coordenadora do Projeto Vacina Maré, da Associação Redes de Desenvolvimento da Maré; de Akira Homma, assessor Científico Sênior de Bio-Manguinhos; e de André Lima, da Cooperação Social, representando o projeto Radar Saúde Favela.
Com informações da Agência Fiocruz