Quando descoberta no século XIX, tinha-se a ideia de que a hanseníase era uma doença que atacava os menos favorecidos, uma visão que permanece incutida no imaginário de muita gente ainda nos dias de hoje. Era conhecida pelo apavorante nome ‘lepra’, até ganhar a denominação de “hanseníase” em 1995; Mas, como vimos aqui, a doença não escolhe classe social, embora ainda seja mais prevalente entre as camadas mais populares. E o motivo pode ser simplesmente a falta de informação.
Hoje, se sabe que a hanseníase tem cura, mas se não tratada pode deixar sequelas. É por isso que neste Janeiro Roxo, mês de combate à doença, especialistas advertem para a importância do diagnóstico precoce e início urgente do tratamento, que é gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O alerta é da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), que promove também a sua campanha Janeiro Roxo, de conscientização sobre a hanseníase.

“A hanseníase pode estar em qualquer lugar, até mesmo na sua casa. O quanto antes for diagnosticada e tratada, possibilitará não transmitir a doença. Reforçamos também que não é indicado nenhuma forma de isolamento do paciente, muito menos qualquer atitude de estigmatização do mesmo”, orienta o dermatologista Heitor Gonçalves, presidente da SBD.

Segundo ele, é preciso informar a importância da ida imediata até uma unidade básica de saúde ou ao dermatologista em caso de áreas do corpo com dormência, manchas claras ou elevadas (com tonalidades vermelhas), acompanhadas de diminuição da sensibilidade. “Esses podem indicar a presença da doença, possibilitando o diagnóstico rápido e tratamento em fases iniciais”,  destaca o médico.

Funk feito por inteligência artificial alerta sobre hanseníase

O Dia Mundial de Combate e Prevenção da Hanseníase é lembrado no último domingo de janeiro, que este ano cai no dia 28, mas a campanha da SBD acontece durante todo o mês. Este ano, para alcançar o maior número de pessoas possíveis de todas as camadas sociais, a campanha foi Intitulada de ‘Enredos da Hansen(IA)se’ e une inteligência artificial e o funk brasileiro para conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce e do tratamento feito por um médico dermatologista.

O hit da campanha teve sua letra construída por inteligência artificial – por isso hansenIAse – a partir de histórias reais de cura de pacientes e superação da doença retiradas da internet. A Triunfo Sudler Brasil, agência especializada em Health & Wellness que criou e planejou voluntariamente a campanha para ajudar na causa, explica:

“Sabemos o encantamento e a curiosidade que essas novas tecnologias trazem para a público jovem e a admiração que isso causa. O intuito da criação da música é conscientizar a população jovem das classes C, D e E sobre a doença, que é transmissível através do contato físico, e seu tratamento”.

A música foi gravada por MC LeH, da GR6 Explode, a segunda maior produtora de clipes e lançamentos de artistas de funk no Brasil. que detém o segundo maior canal de funk do mundo e o sexto maior canal do Brasil no Youtube. A gravadora tem 39 milhões inscritos no país no youtube, mais de 300 mil clipes gravados e mais de 3 milhões de seguidores no instagram.

“Um casamento perfeito entre a nossa tradição musical e a tecnologia avançada, proporcionando uma nova dimensão à comunicação e conscientização. Hoje o alcance das mídias digitais é imenso e por isso falaremos amplamente do assunto em diversos canais”, destaca o médico dermatologista Egon Daxbacher, do Departamento de Hanseníase da SBD.

Para  Samuel Valadão, head de Inovação & Tecnologia da Triunfo Sudler Brasil, “o Chat GPT é peça fundamental para gerar o impacto e o funk brasileiro como o estilo de música de grande relevância para o universo do público que queremos atingir com a campanha”.

O funk conta com a participação de MC Stamm. A música e o clipe da campanha estão disponíveis no site www.sbd.org.br/janeiroroxo, que conta ainda com informações sobre a doença e seu tratamento.

Desafio para a saúde pública e privada no Brasil

A hanseníase, quando avançada, pode apresentar manchas no corpo que podem ser confundidas com outras alergias (Foto: Divulgação SBD-DF)

Apesar de existir tratamento, a hanseníase continua a acometer milhares de pessoas todos os anos (veja os dados abaixo). Considerada um problema de saúde pública no Brasil, ela se caracteriza por ser uma doença infecciosa, transmissível e de caráter crônico e persistente.

Egon Daxbacher, do Departamento de Hanseníase da SBD, reforça que a hanseníase segue desafiando os sistemas de saúde público e privado, com seu diagnóstico complexo. Quando já instalada no organismo, nota-se alteração ou perda da sensibilidade ao calor e ao frio, dor, fraqueza muscular dos membros e até incapacidade da visão.

“É comum que as pessoas com hanseníase percam a sensibilidade da pele. A doença avançada pode apresentar manchas no corpo, dormências e fraqueza nas mãos ou pés, além de pequenos choques e sensação de agulhadas em lesões iniciais. Por isso é essencial a família ter atenção, respeitar e ouvir as queixas para buscar ajuda”, destaca o médico dermatologista

Doença atinge homens e mulheres em diferentes faixas etárias

De acordo com a SBD, é uma das enfermidades relativas à pele que mais acometem pessoas em diversas faixas etárias. A médica dermatologista Luanna Portela, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia do Distrito Federal (SBD DF), explica que a doença atinge pessoas de ambos os sexos e de todas as faixas etárias.

“O paciente podem apresentar evolução lenta e progressiva e, quando não tratada ou tardiamente tratada, é passível de causar deformidades e incapacidades físicas, muitas vezes irreversíveis”, afirma.

Locais como a pele, os nervos periféricos e mucosas estão entre os mais afetados pela doença, principalmente manifestando-se em diferentes formas clínicas. Ainda segundo a especialista, a  transmissão da hanseníase ocorre principalmente por via respiratória, através de secreções nasais e gotículas de pessoas infectadas.

“Embora seja de baixa contagiosidade, a transmissão pode ocorrer em contatos prolongados e íntimos. Medidas de precaução, como o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, reduzem significativamente o risco de transmissão”, pondera a médica.

Ainda, de acordo com a profissional, entre os sinais de alerta, estão manchas na pele, com alteração de sensibilidade, podendo haver casos como dormência, formigamento e redução da força. “E também podem surgir nódulos e deformidades nas extremidades. A busca por avaliação médica é crucial diante desses sintomas”.

Tratamento dura um ano e pode ser feito pelo SUS

Especialista ressalta a importância do diagnóstico precoce e tratamento adequado

Apesar de contagiosa, a doença é curável e tratável. O tratamento – feito  por meio de antibióticos e que dura um ano – está disponível no Sistema único de Saúde (SUS). 

“A boa notícia é que, diferentemente de anos atrás, quando a doença era tida como incurável, além de ser muito estigmatizada, o tratamento envolve o uso de antibióticos específicos, em esquemas combinados, que são fornecidos pelo Governo. O tratamento prolongado é essencial para evitar resistência e recorrência”, explica.

Por fim, a profissional ressalta o papel do dermatologista no diagnóstico e tratamento da hanseníase, contribuindo para a conscientização sobre a doença.

“A rede de apoio, incluindo profissionais de saúde como enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais e outros da comunidade deve desempenhar um papel educativo para combater o estigma associado à doença , promovendo uma visão mais informada e inclusiva na sociedade” , completa.

Hanseníase no Brasil em números

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a hanseníase persiste como “um problema sério” em 14 países de África, Ásia e América Latina. Mais de 216.000 casos foram detectados em todo o mundo, especialmente no Brasil e na Índia no último ano.  No Brasil, apesar de haver um maior controle sobre a doença, ainda há dados preocupantes.

Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 2022, mais de 17 mil novos casos de hanseníase foram diagnosticados no Brasil. Em 2021, o número de registros alcançou 18 mil, com 11,2% dos pacientes considerados como grau 2 de incapacidade física — quando não identificada precocemente a hanseniase deixa lesões consideradas graves nos olhos, mãos e pés.

Os dados mostram ainda que o Brasil possui mais de 90% do número de novas notificações do continente americano. Devido a quantidade de registros anuais, a doença ainda é considerada um problema de saúde pública.

De acordo com informações do último Boletim Hanseníase, do Ministério da Saúde, relativos ao ano de 2022, somente entre os anos de 2017 e 2021 foram notificados 119.698 casos.

Desses, 66.613 novos casos ocorreram entre pessoas do sexo masculino, o que corresponde a 55,7% do total, reforçando uma tendência da doença em homens.

Essa predominância foi observada na maioria das faixas etárias e anos da avaliação, com maior frequência nos indivíduos entre 50 a 59 anos, totalizando 23.192 casos novos.

  • 212.069 casos identificados entre 2012 e 2021
  • 60% dos novos casos identificados no Sudeste
  • O DF está entre as unidades federativas com o menor número de casos,n ão chegando a 200.
  • Em 2022, foram registrados 645 casos em menores de 15 anos, o que equivale a 4,3% do total de casos.
  • Curiosidade

    No caso da hanseníase, o agente etiológico (ou organismo causador da doença) é o Mycobacterium leprae, um bacilo que afeta principalmente os nervos periféricos, olhos e pele.

    Bacilo nada mais é que o nome dado às bactérias em forma de bastão. Os bacilos ficaram famosos por causarem doenças como a tuberculose, cujo agente é mais conhecido como bacilo de Koch.

    Há alguns anos, o Bacillus anthracis, que transmite a letal infecção antraz, ganhou notoriedade como arma bacteriológica na mão de terroristas

    Mais informações no site da campanha Janeiro Roxo da SBD.

Fonte: Boletim Epidemiológico da Hanseníase. Ministério da Saúde. Brasil, 2023.

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