Uma das principais causas de morte em todo o mundo, o câncer é responsável pelo óbito de mais de sete milhões de pessoas por ano e, de acordo com o Fundo Mundial para Pesquisa do Câncer, este número pode passar de dez milhões em pouco menos de dez anos. Nas últimas décadas, observou-se um intenso avanço na cura de diferentes tipos de câncer, propiciando a sobrevivência a longo termo para diversos pacientes, especialmente os mais jovens. De fato, tratamentos quimioterápicos e radioterápicos têm permitido taxas de sobrevivência de aproximadamente 80% entre crianças e adolescentes e estima-se que um em cada 250 adultos será sobrevivente de algum tipo de câncer infantil. Mas um dos maiores efeitos negativos dos tratamentos para o câncer é a infertilidade.
“Receber o diagnóstico de uma doença tão grave não é fácil para ninguém. O primeiro pensamento é concentrar suas energias para livrar-se dela. Dificilmente se leva em conta outras consequências, como, por exemplo, a preservação da fertilidade. São poucos os oncologistas que alertam os pacientes sobre a possibilidade de ficar estéril, temporariamente ou em definitivo, em função do tipo de câncer e dos tratamentos, como cirurgia, radioterapia e quimioterapia. No entanto, isso ocorre com muita frequência e há formas de garantir a chance de ter um filho no futuro”, afirma Edson Borges Jr., especialista em Reprodução Humana e diretor do Fertility Medical Group.
Pesquisas indicam que 78,8% dos pacientes de câncer se preocupam com a fertilidade. Ainda que a sobrevivência seja o principal foco do cuidado com o paciente de câncer, a qualidade de vida após o tratamento é cada vez mais discutida e deve ser levada em consideração, o que inclui a possibilidade de se tornarem pais. Recentemente diversas estratégias para preservação da fertilidade nestes pacientes foram desenvolvidas, sendo que o método mais seguro e eficaz é o congelamento de óvulos ou embriões, anteriormente à terapia gonadotóxica.
“Nada menos que 89,5% dos pacientes se sentem seguros com a técnica do congelamento. Porém, o congelamento requer a coleta de óvulos posterior ao estímulo ovariano controlado, um procedimento que pode levar até seis semanas. Além disso, para o estímulo ovariano, altas doses de hormônios podem estimular o crescimento de tumores sensíveis, como cânceres de mama e do endométrio”, explica o especialista.
Portanto, a estimulação ovariana convencional acaba sendo uma alternativa apropriada apenas para mulheres que não apresentam tumores sensíveis a hormônios e quando o tratamento de câncer não é imediatamente iniciado após o diagnóstico. Para estes casos, outras estratégias incluem regimes de estímulo ovariano modificados, para prevenir o potencial efeito deletério das altas concentrações hormonais. Mesmo assim, o congelamento de embriões acaba sendo um método disponível apenas para pacientes que tenham parceiro do sexo masculino ou a intenção de utilizar sêmen de doador.
No caso de crianças e pré-adolescentes, o congelamento do tecido ovariano pode ser a única opção para a preservação da fertilidade. Essa alternativa também deve ser utilizada quando não há tempo para o estímulo ovariano, anteriormente ao tratamento do câncer. O tecido ovariano possui diversos gametas, que podem ser preservados e, após o final do tratamento oncológico, a paciente tem possibilidade de re-estabelecer os ciclos reprodutivos.
Segundo Borges Jr., a preservação do tecido ovariano humano é ainda um grande desafio da medicina, pela complexidade das células envolvidas. Porém, avanços nessa área têm permitido o desenvolvimento de diversas técnicas de preservação da fertilidade, trazendo a possibilidade de maternidade para essas pacientes. O importante é que, independentemente da gravidade da situação, as pacientes de câncer devem ser alertadas a respeito da possível perda da fertilidade e, principalmente, das opções para essa seja mantida.
Homens podem congelar o sêmen
Várias pesquisas indicam que menos de 20% dos homens com câncer, em idade fértil, receberam orientação sobre a possibilidade de infertilidade e as técnicas que estão à sua disposição para permitir que sejam pais após o tratamento. Preocupados em salvar a vida de seus pacientes, não são todos oncologistas que os informam sobre esse risco e como prevenir-se, procurando um profissional especializad o em reprodução assistida.
Segundo o Dr. Edson Borges Júnior, metade das pessoas que passam por tratamentos contra o câncer ficam estéreis. “O tumor é um tecido que se divide rapidamente. Os tratamentos das neoplasias, como radioterapia e quimioterapia, atingem não apenas estas células, mas todas as outras, inclusive as reprodutoras”, explica ele.
Uma pesquisa feita pela entidade, com 98 homens, mostra que os pacientes que escolhem congelar o sêmen para preservar a capacidade de reprodução têm, em média, 33 anos. E o tratamento contra o câncer é o principal motivo que os leva a utilizar a técnica.
Os tipos de câncer mais comuns no sexo masculino são os de próstata, testículo, Linfoma de Hodgkin e as leucemias. Com a detecção precoce, o avanço da medicina e das novas técnicas de tratamento, as taxas de sobrevida e de cura são cada vez maiores, chegando a 90%. Mas vale lembrar que um terço deles terá infertilidade permanente.
A preservação da possibilidade de ter filhos por reprodução assistida no sexo masculino é bem mais fácil do que na mulher. Após a puberdade, consiste apenas na masturbação (método não-invasivo), de preferência em várias amostras, e criopreservação (congelamento) do sêmen, antes do início do tratamento contra o câncer. Se, por alguma razão, o homem não conseguir ejacular, os espermatozoides podem também ser retirados diretamente dos testículos, com uma simples agulha ou uma pequena cirurgia. No caso de crianças, que ainda não ejaculam, a única forma é o congelamento de fragmentos dos testículos.
O sêmen é congelado a -196 oC e armazenado por tempo indeterminado. Além disso, é recomendado que se espere de seis a doze meses para a sua utilização, pois nesse período a fertilidade pode voltar ao normal. Depois disso, quando o casal decidir ter filhos, será feita uma inseminação artificial na mulher, ou mesmo a Fertilização in Vitro, se necessário.