Adriana Drulla*
Quem nunca ouviu o ditado que diz que quando nasce um filho, nasce a culpa? As pesquisas mostram que a culpa atinge as mães quase que de forma universal. A culpa pode ser definida como uma emoção desconfortável que surge quando percebemos que nosso comportamento causou prejuízo a outra pessoa. A capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir empatia é um pré-requisito para a culpa.
Por isso, nos relacionamentos mais próximos a culpa está mais presente já que estamos mais atentos ao bem-estar do outro. Embora a culpa seja desconfortável, ela cumpre uma função importante para o funcionamento humano. Quando prejudicamos alguém e sentimos culpa, esse desconforto nos motiva a reparar o dano e nos leva a escolher melhores comportamentos da próxima vez, mais alinhados com as nossas expectativas e valores.
O problema da culpa materna é a forma como ela é prevalente e crônica. Sabemos que a culpa acontece para motivar uma maior coerência entre nossas ações, expectativas e valores. Mas no caso da culpa materna, as expectativas são inatingíveis e os valores incoerentes, logo é impossível se adequar. O paradigma vigente da maternidade diz que a boa mãe é aquela que se doa completamente em termos físicos, emocionais, psicológicos e intelectuais.
Culpa, frustração, exaustão e raiva
A expectativa da mãe perfeita, o julgamento social a respeito da maternidade alheia, o excesso de informações, conselhos e boas práticas aprisionam as mulheres a padrões impossíveis que inevitavelmente geram culpa, frustração, exaustão e raiva. Pesquisas mostram que, cada vez mais, nos sentimos piores enquanto mães. Temos sentido mais medo, estamos mais confusas, e nos sentimos inferiores. Essa sensação de ineficácia afeta nosso bem-estar físico, nossa saúde mental, e a nossa capacidade de sermos boas o suficiente no nosso papel de mãe.
Uma pesquisa feita na Holanda com 900 pares de mães, pais e filhos, mediu vários comportamentos parentais importantes como a qualidade da escuta, compaixão pelos filhos, a consciência dos pais sobre as emoções dos filhos e como os pais julgavam a própria atuação nos seus papéis de pais. Destes aspectos, a aceitação dos pais e as mães sobre a própria atuação enquanto pais foi o fator mais fortemente associado a menores níveis de depressão e ansiedade nos filhos. Quer dizer, aceitar nossas imperfeições com naturalidade e abrir mão das expectativas irrealistas, é importante para a resiliência emocional dos nossos filhos.
Mães autocompassivas, filhos autocompassivos
Na minha pesquisa, feita nos Estados Unidos com 246 pares de mães e filhos, descobri que mães autocompassivas têm filhos mais autocompassivos, e se sentem mais competentes no seu papel de mãe. A autocompaixão envolve a capacidade de fornecer suporte emocional a si mesmo, enfrentando desafios e adversidades com maior perspectiva e com a compreensão de que as dificuldades são comuns a todas as pessoas.
As mães autocompassivas são mais propensas a se perdoarem quando cometem erros, em vez de vê-los como uma indicação de incompetência ou inferioridade. Isso ajuda com que elas sigam em frente, tenham menos medo de errar, e tenham maior facilidade para persistir e tentar novos caminhos.
A autocompaixão significa olharmos para as dificuldades com realismo e não com lentes de aumento. É sobre adotar uma postura gentil com relação a si mesma, dando pra si o que você precisa em um momento difícil, seja um banho demorado, seja pedir ajuda para alguém porque você precisa relaxar.
Nossos filhos também têm defeitos
O que acontece quando nos cuidamos é que além de nos tornarmos mais emocionalmente saudáveis, nos tornamos menos reativas, conseguimos nos conectar com a criança de uma forma mais profunda. Ao abrir mão da expectativa de nos tornarmos mães perfeitas, conseguimos aceitar que nossos filhos também têm defeitos. A criança que se sente aceita por quem ela é, que não acha que precisa mudar para receber amor, desenvolve um autoconceito mais positivo e maior autocompaixão.
O vínculo com os pais é um dos principais fatores que suportam a resiliência emocional da criança, que é a capacidade da criança de enfrentar desafios de forma construtiva. A resiliência emocional também é facilitada pela forma como a criança interpreta e lida com os problemas.
As pesquisas mostram que as crianças que têm maior dificuldade para lidar com os próprios erros, e que enxergam as limitações pessoais como sinal de que há algo errado com elas, tendem a deprimir e desenvolver outros problemas emocionais com maior frequência.
Autocompaixão pode ser aprendida
A autocompaixão é um dos grandes facilitadores da resiliência emocional em situações de estresse na adolescência. Adolescentes mais autocompassivos deprimem menos, têm menos ansiedade e melhor desempenho acadêmico. As pesquisas mostram que a autocompaixão pode ser aprendida, tanto por adultos quanto por crianças.
A maior lição da minha pesquisa é que quando as mães se cuidam e são mais gentis consigo, os filhos também se beneficiam. Eles aprendem a serem autocompassivos e têm um vínculo mais forte com essas mães. Logo, exercitando a autocompaixão e cuidando de si você beneficia também as pessoas que você mais ama.
*Adriana Drulla é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania, programa criado por Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, para treinar alunos na vanguarda do campo juntamente com outros pesquisadores referência nos Estados Unidos e no mundo. Estudou compaixão e autocompaixão em cursos com Kristin Neff, Christopher Germer, Paul Gilbert e Tara Brach. Autora de artigo científico sobre a transmissão intergeracional da autocompaixão entre mães e filhos. É especialista em Mindfulness pela Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA) e teacher in training do Programa Mindful Self-Compassion, criado por Kristin Neff e Christopher Germer. Formada em Conscious Parenting por Shefali Tsabary, psicóloga referência em parentalidade e autora do método que une psicologia, parentalidade e espiritualidade.
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