“Comecei a fumar muito jovem, na minha época não falavam dos males do cigarro, era sinônimo de poder, maturidade, status social. Lembro que todas as meninas achavam lindo demais o cavaleiro daquela marca famosa. Anos depois, ele mesmo morreu de câncer”, relata Melissa Ribeiro, sobrevivente de câncer de laringe e presidente voluntária na ACBG Brasil – Associação de Câncer de Boca e Garganta. “Hoje lamento muito ter feito uso do tabaco e dedico meus dias a ajudar pacientes de câncer de cabeça e pescoço, já que muitos perderam a voz para cigarro”, ressalta.

Bem longe dos tempos em que fumar era sinônimo de um certo glamour e símbolo de liberdade feminina, os jovens – tanto mulheres quanto homens – ainda hoje estão correndo grande risco com o cigarro, hoje disfarçado de dispositivo eletrônico. Muitos têm sido seduzidos pelo poder da propaganda dos cigarros eletrônicos, nem sabem muito bem as consequências no futuro – nem tão longe – do aumento do uso desses dispositivos.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço chama a atenção para o uso de artifícios para aumentar a venda para os jovens. “O cigarro tem um gosto mais forte; eles colocam sabor de menta, canela e outros que agradam aos jovens. Até trabalham a elegância do vaporizador, todos disfarces para a indústria do tabaco continuar a se promover. Eles viram o aumento do consumo de narguilé por pessoas jovens e decidiram investir no cigarro eletrônico”, alerta o médico cirurgião Jefferson Moreira de Medeiros, um dos vice-presidentes da SBCCP.

O tabagismo é o principal fator de risco para os cânceres de garganta. O Instituto Nacional de Câncer – INCA estima que para o triênio 2020-2022 haverá, por ano, 6.470 novos casos de câncer de laringe em homens e 1.180 em mulheres. Além de afetar o pulmão, o cigarro eletrônico, assim como o cigarro comum, pode ainda provocar câncer de boca, cabeça e pescoço. “Nossa boca não está acostumada a essa temperatura do vaporizador e do cigarro e com o tempo leva a alterações que podem desenvolver tumores nos adolescentes”, ressalta Medeiros.

Segundo ele, o grande problema do cigarro eletrônico, que são as alterações pulmonares mais precoces. O que um cigarro comum leva de 10 a 20 anos para provocar, o eletrônico causa em 5 anos, com alterações irreversíveis no pulmão que são comparadas às causadas em idosos que fumam há mais de 30 anos. “Eles (os fabricantes) usaram esse nome para tentar minimizar os grandes males que pode provocar, e nossa juventude passa a acreditar que é menos maléfico ou até que não faça mal”, dispara o especialista.

O discurso de que os dispositivos eletrônicos para fumar são um produto de menor risco é sedutor, mas é preciso lembrar que já foi usado antes pela indústria de tabaco de forma enganosa, quando lançaram os cigarros “light”. Esses cigarros também viciam e causam doenças e mortes. A novidade tecnológica atrai para a experimentação, mas depois aprisiona para o consumo, assim como outros produtos para fumar”, completa Mônica Andreis, diretora executiva da ACT Promoção de Saúde.

Cabe a nós, médicos, encorajar os pacientes a cessar o uso de tabaco e orientarmos pais e responsáveis para aconselharem os filhos sobre os riscos do tabagismo. Muitos pais não fazem ideia que o filho é usuário de cigarro eletrônico devido aos aromas utilizamos para disfarçar a nicotina e os formatos que são similares a outras peças comuns ao dia a dia, como pen drives. O aconselhamento é a melhor forma de prevenção”, orienta Diogo Sampaio, vice-presidente da AMB.

Pressão da indústria para liberar eletrônicos

A Associação Médica Brasileira (AMB) denuncia que os fabricantes de cigarros têm pressionado a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para liberar o comércio dos DEFs (dispositivos eletrônicos fumígenos) no Brasil, sob a alegação de que teriam risco reduzido, por não terem combustão, e serem destinados a adultos fumantes que não querem ou não conseguem parar de fumar.

No entanto, não há evidências conclusivas de pesquisas sem conflito de interesse e que não sejam financiadas pelas empresas de tabaco, de que os DEFs reduzem realmente os danos à saúde. Ao contrário, pesquisas revelam que substâncias altamente tóxicas estão presentes nos DEFs e que houve aumento no consumo entre jovens nos países em que eles podem ser comercializados, como nos EUA.

Para a AMB, esses novos produtos encobrem, numa nuvem de vapor, sérios riscos às políticas de controle do tabaco, não só pela predisposição à renormalização do tabagismo, estímulo à iniciação e recaída pela falsa percepção de segurança, mas também um aumento sem precedentes de doenças tabaco relacionadas causadas pelo cigarro acrescidas da contribuição dessas novas tecnologias para fumar.

Num cenário onde o SUS e a Saúde Suplementar lidam com o desafio de enfrentamento dos altos custos da pandemia do coronavírus seria uma insensatez a liberação desses produtos”, destaca Alberto Araújo, presidente da Comissão de Combate ao Tabagismo da AMB.

Campanha #VapeVicia

Para alertar sobre esses perigos, a ACT Promoção da Saúde aproveita a semana que marca o Dia Mundial Sem Tabaco, celebrado em 31 de maio, para reforçar a campanha #VapeVicia, sobre dispositivos eletrônicos para fumar, categoria que inclui os cigarros eletrônicos e tabaco aquecido. Lançada em redes sociais, em parceria com a AMB e a Fundação do Câncer, a ação tem como conceito o potencial destrutivo da combinação de dois vícios: em tecnologia e em nicotina.

A campanha desse ano é focada nos jovens, com o objetivo de chamar atenção para as táticas que a indústria do tabaco utiliza para atrair as novas gerações. Uma dessas táticas, destaca Medeiros, é a adição de sabores. A intenção é mostrar que estes produtos não são inócuos, e as inovações empregadas nesses dispositivos eletrônicos são uma armadilha usada pela indústria do cigarro para conquistar novos fumantes.

Na sexta-feira, dia 29, a ACT e parceiros fizeram um Tuitaço usando as hashtag #PrevençãoTabacoJá e #VapeVicia, para chamar a atenção para o tema. Acesse o hotsite da campanha: vapemata.org.br.

Não é festa, mas tem cheiro e cor: em defesa dos jovens

Renata Domingues Balbino Munhoz Soares*

Qual a relação entre as figuras de bebês, de celebridades, médicos, enfermeiros, artistas, esportistas, mulheres e influencers? A análise do marketing da indústria tabagista do século XX é capaz de responder. Na exposição “Propagandas de cigarro – Como a indústria do fumo enganou as pessoas”, promovida pela Universidade de Stanford, que esteve também no Brasil, há uma mostra de 90 peças de campanhas publicitárias veiculadas nos Estados Unidos, entre as décadas de 20 e 50, que utilizam as figuras acima mencionadas para promover a venda de cigarros: bebês, celebridades, médicos, etc.

A famosa série “MadMen” também aborda o marketing da indústria no tabaco na década de 1950-1960. Os personagens aparecem fumando compulsivamente, para não descaracterizar a época. No entanto, a produção da série informa que tais cigarros utilizados pelos atores não eram de tabaco e sim de ervas, já que os atores nos Estados Unidos são proibidos de fumar em locais de trabalho.

Na onda de preocupação com a saúde pública de fumantes e não fumantes, a Campanha do Dia Mundial Sem Tabaco 2020, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que se comemora em 31 de maio em todo o mundo, reflete uma preocupação com os jovens, novo grupo de fumantes que a indústria tem conquistado, especialmente pelo lançamento de novos produtos de tabaco, como o cigarro eletrônico e o tabaco aquecido.

Intitulado de “Protegendo os jovens da manipulação da indústria e prevenindo o uso de nicotina e produtos de tabaco”, o tema da campanha deste ano vem ao encontro das diretrizes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, primeiro Tratado Internacional de saúde pública, aprovado em 2005, pela OMS, com a participação de mais de 181 países.

A Campanha chama para a ação e pede aos influenciadores, em especial, seja na cultura pop, nas mídias sociais, em casa ou na sala de aula, que alcancem e se conectem com os jovens para expor as táticas manipuladoras das indústrias para criar uma nova geração de usuários de tabaco.

Segundo a Campanha Tobacco-FreeKids, que luta pela defesa da saúde de crianças e adolescentes em razão do uso do tabaco, o cigarro eletrônico aumentou consideravelmente nos Estados Unidos nos últimos anos, inclusive com o surgimento de uma nova doença (Evali, uma sigla em inglês para lesão pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico ou vaping), e tem atraído jovens para o uso do cigarro comum.

No Brasil, a ANVISA, através da Resolução RDC nº 46, de 2009, proibiu a comercialização, importação e propaganda no Brasil de dispositivos eletrônicos para fumar, como o cigarro eletrônico, com base no princípio da precaução, que rege a saúde pública; assim como a Legislação Federal Antifumo (Lei nº 12.546, de 2011) proibiu a propaganda de tabaco, inclusive nos pontos de venda.

No século XXI, estreado pelos chamados “centennials” – a geração que nasceu na era da internet, um dos incentivos ao uso desses cigarros eletrônicos, com o JUUL, que parece uma pen drive, com cápsulas com sabores variados para atender o gosto infanto-juvenil, como creme, maçã, manga, cereja, mentol, chocolate, etc., vem das redes sociais, lideradas por influencers.

Confinados, que todos possamos barrar mais esse inimigo da saúde pública, que tem cheiro e cor, como gostam os jovens. influencers, não façamos festas!

Renata Domingues Balbino Munhoz Soares é advogada, professora e coordenadora do Grupo de Estudo “Direito e Tabaco” da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É doutora em Direito Político e Econômico e autora do livro “Direito e Tabaco, Prevenção Reparação e Decisão”.

Com Assessorias

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