O parricídio – quando um filho mata os próprios pais – ocorrido em Itaperuna (RJ) continua a chocar a população brasileira. Ao contrário, a brutalidade do triplo homicídio cometido por um adolescente de 14 anos ganha contornos ainda mais estarrecedores após a apreensão – na noite de segunda-feira (30), na cidade de Água Água Boa (MT) – da jovem de 15 anos, namorada do autor confesso dos crimes.
“Nunca pensei que alguém faria uma coisa dessa por mim”, teria dito a garota, orgulhosa, ao elogiar o namorado virtual pelos crimes. “Atira nela”, disse ainda a jovem, referindo-se à mãe do adolescente, a cabeleireira Inaila Teixeira, de 37 anos, após o namorado lhe contar, pelo celular, que acabara de matar o pai, Antônio Carlos Teixeira, de 45.
A menor participou ativamente incentivando o adolescente a cometer os crimes. Após matar o pai, ele enviou um áudio para ela: ‘matei meu pai’, e ela respondeu: ‘atira nela agora’, se referindo à mãe dele”, explicou Carlos Augusto Guimarães da Silva, da 143ªDP (Itaperuna), que investiga o crime.
Depois de seguir a sugestão da namorada, o jovem ainda decidiu ‘liquidar a fatura’, assassinando também o irmão de apenas três anos. Não queria que ele sofresse com a perda dos pais, teria justificado o parricida. Toda a mecânica do crime foi comunicada, em tempo real, à menina, que mora a quase 1.800 quilômetros de Itaperuna.
Durante a execução da família, a garota chegou a reclamar que o namorado estava on-line, mas não respondia suas mensagens – ela queria saber detalhes do que estava acontecendo. Na opinião da polícia, isso revela traços de sadismo, sentimento marcado pela percepção de satisfação e prazer com a dor alheia, de acordo com a descrição da Psicopatologia.
Após consumar a execução do pai, da mãe e do irmão, o garoto chegou a enviar uma foto da família morta na cama, ensanguentada, para a namorada. Ao ver a imagem, a jovem revelou sentir nojo da cena. Os dois chegaram a cogitar que os corpos fossem jogados para os porcos comerem, mas mudaram de ideia: os três foram depositados numa cisterna dentro da casa, a poucos metros do quarto do casal.
Casal teve dúvidas sobre a arma do crime: revólver ou faca?
As declarações e todos os detalhes pavorosos do crime hediondo estão contidas em mensagens trocadas por celular entre os dois adolescentes naquela noite trágica de 21 de junho, quando o adolescente executou a família a sangue frio, enquanto todos dormiam. Segundo apurou a polícia, os pais teriam tomado por conta própria um medicamento que induz a sono profundo.
Todos os tiros foram disparados nas cabeças das vítimas, como confirmou o laudo da necropsia, divulgado pela Polícia Civil. A arma usada pelo garoto – um revólver calibre 38 – pertencia ao pai, que tinha o hábito de treinar tiro ao alvo na presença do filho desde que ele ainda era pequeno.
Em mensagens trocadas entre eles, os dois chegaram a discutir qual seria a arma a ser usada no crime – revólver ou faca – e definir a possível ordem para a execução das mortes. A polícia descobriu uma conversa que sugere que a arma do pai do adolescente estava embaixo do travesseiro do garoto.
Na hora de disparar, o adolescente envolveu o revólver com uma fronha para não deixar marcas de suas digitais. Os investigadores ainda revelaram que os dois planejaram a forma de disfarçar o crime. A menina teria sugerido que ele deixasse a arma na mão do irmão caçula, para simular que os tiros tivessem sido disparados acidentalmente pela criança, de apenas três anos.
Inspiração em game na internet: ‘um jogo diabólico’
Os requintes de crueldade da tragédia familiar em Itaperuna seriam inspirados por diversas referências violentas na internet, que os adolescentes costumavam compartilhar no dia a dia. Segundo a polícia, o casal tratava as vítimas como personagens de um jogo online de teor extremamente violento, que chegou a ser banido inicialmente na Austrália.
O jogo virtual de terror psicológico The Coffin of Andy and Leyley(O Caixão de Andy e Leyley, em tradução livre) era a favorito dos dois adolescentes. O enredo do game se dá em torno de dois irmãos que que se encontram em um relacionamento codependente enquanto cometem vários crimes.
Os personagens mantêm uma relação incestuosa e matam os próprios pais. O game relata um pacto com o demônio e práticas de canibalismo. O delegado informou que eles não jogavam o game, mas consumiam vídeos sobre ele no YouTube.
Eles se identificavam com esse jogo, mas não jogavam. Pesquisei e vi que esse jogo chegou a ser banido na Austrália e voltou reclassificado como 18 mais. Deve ser um jogo bem diabólico, sobre um casal de irmãos que praticavam incesto e matavam os pais, no qual eles se espelhavam”, disse o delegado.
Essa análise do conteúdo das conversas foi feita pelo perfil do Instagram, onde a polícia constatou a exposição de conteúdos violentos, inclusive conhecimentos de um filme que fala sobre assassinatos e outras mortes.
Em outra plataforma, o garoto publicou um vídeo em homenagem ao personagem Kevin, do filme Precisamos Falar Sobre Kevin, protagonizado por Ezra Miller, que retrata a história de um adolescente que comete uma chacina em sua escola.
Para conversar sem ser importunados pelos familiares, que proibiam o ‘namoro virtual’, os adolescentes criaram perfis fakes nas redes sociais. O rapaz usava o nome de John Wick, um assassino de aluguel interpretado por Keanu Reeve.
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Adolescentes também planejavam matar mãe de jovem em MT
Mãe da menina diz não acreditar e afirmou que a filha era “uma menina exemplar” e “boa aluna”
Se você ficou chocado até aqui, calma que ainda tem mais. O casal de adolescentes também estaria tramando a morte da mãe da jovem, que mora em Água Boa, no Mato Grosso do Sul. Como qualquer mãe, ela não quis acreditar no que disse a polícia e tentou defender a filha, ao dizer que ela era “uma menina exemplar”, que “só tira notas boas na escola” e que sempre a acompanhava em tudo.
A adolescente fala que agora só faltaria matar a própria mãe dela. Ela pergunta se o adolescente iria encontrá-la e levar a arma que matou os próprios familiares”, destacou o delegado Carlos Augusto Guimarães, após analisar o relatório do material coletado pelos policiais de Água Boa.
Guimarães convocou uma coletiva de imprensa nesta terça-feira (1) para anunciar o indiciamento da jovem e o pedido de apreensão, como copartícipe do crime, mesmo estando a 1.800 quilômetros do local do crime.
Ouvida por mais de duas horas na última semana, a jovem negou participação no crime, mas os policiais que investigam o caso não acreditam na versão dela e não têm dúvidas que ela teve participação indireta no crime.
Infelizmente verificamos, pelo teor das conversas, que realmente tem, sim, participação efetiva dela. Tantos em momento anterior, como durante as execuções e no momento posterior. Isso nos possibilitou colocá-la na cena do crime. Era realmente foi partícipe. Ela o induziu e o instigou a todo o momento”.
Os acusados também estariam conversando sobre a possibilidade de também matar a avó paterna do adolescente, que chegou a ir com ele à delegacia três dias após o crime para denunciar o desaparecimento da família. Mas desistiram de eliminar a avó por temer que a responsabilidade sobre o crime ficasse muito evidente para a polícia.
Sadismo e chantagem emocional em crime bárbaro
As mensagens também indicam que, além da negativa dos pais do adolescente para que ele viajasse para conhecer a namorada pessoalmente, a distância entre os dois era um dos principais obstáculos, e que houve pressão da adolescente para que ele agisse. Os dois mantinham relacionamento há cerca de seis anos na internet e se conheceram por meio de jogos online.
O delegado destacou ainda que o casal trocou mensagens sobre como agir para não ser descoberto. Os diálogos também mencionavam o distanciamento entre os dois, e, em um deles, a garota pressiona o adolescente a visitá-la, dizendo que ele deveria “ser homem”. Segundo o policial, a conversa revela uma tentativa de chantagem emocional.
Houve também um ultimato, dado pela própria adolescente, acerca do término do relacionamento caso não se encontrassem pessoalmente, reforçando a chantagem. E verificamos conversas sobre como ele obteria dinheiro para que viajasse”, afirmou Carlos Augusto.
De acordo com os investigadores, a menina também discutia como o garoto como ele poderia obter dinheiro para fazer a viagem. O plano tramado pelos adolescentes envolvia a falsificação da idade para comprar passagens até Água Boa, onde o casal planejava consumar a tragédia e viver feliz para sempre.
Além de sacar o FGTS do pai, adolescente pretendia vender a casa e o carro da família
As investigações também trazem novidades em relação à motivação do triplo homicídio qualificado com ocultação dos cadáveres. A Polícia Civil investiga que o jovem planejava vender a casa da família por R$ 300 mil, além de um carro – no valor de R$ 60 mil – usado pelo pai, que era enfermeiro e trabalhava embarcado numa plataforma da Bacia de Campos.
Ele ainda pretendia sacar os R$ 33 mil de FGTS do pai para conseguir viajar para a cidade da namorada. A suspeita surgiu após policiais identificarem uma pesquisa no celular do jovem, na qual ele questionava “como receber FGTS de falecido”.
O delegado Matheus Soares Augusto, titular da Delegacia de Água Boa, que acompanhou o depoimento da menina, revelou trechos dos diálogos extraídos do notebook dela, que foi apreendido após a escuta especial da adolescente, acompanhada pela mãe, na última semana. Segundo ele, e os jovens continuaram trocando juras de amor e fazendo brincadeiras por mensagens.
As imagens averiguadas pela polícia mostraram que o menor de idade tinha total desprezo pelos pais e que já havia expressado anteriormente a vontade de matá-los, especialmente o pai, que foi quem inicialmente negou a ida do jovem a Mato Grosso do Sul.
Durante a apuração, o que se constatou é que a motivação era só uma: o desejo do adolescente de vir e ficar junto com ela. Essa foi a razão pela qual ele matou toda a família, pois, dias antes, a mãe tinha negado que ele viesse do Rio de Janeiro para Mato Grosso”, disse o delegado.
A partir da análise das conversas, o delegado Carlos Augusto afirma que ficou comprovadas “a premeditação, os atos preparatórios, o planejamento em si e os atos executórios”. O adolescente foi internado no Centro de Socioeducação (Cense) de São Fidélis, no Norte Fluminense, na última quinta-feira (19), onde deverá permanecer por 35 dias aguardando uma decisão da Justiça para a unidade onde cumprirá medida socioeducativa, possivelmente, fora do Estado do Rio. Até o momento, o adolescente não constituiu advogado de defesa.
Entenda o caso
Um adolescente de 14 anos – cujos nome e imagem são mantidos em sigilo por ser menor de idade – foi preso no último dia 25 de junho, após confessar ter matado a tiros os pais e o irmão de 3 anos, em Itaperuna (RJ). Anteriormente, ele havia contado à Polícia Civil que os pais sumiram depois de levarem o filho caçula ao hospital porque ele tinha engasgado com um caco de vidro.
O crime ocorreu no dia 21 de junho, quando o jovem pegou arma do pai e atirou contra as vítimas enquanto dormiam. Depois disso, ele espalhou produto químico pelo chão e arrastou os corpos até uma cisterna da casa para ocultá-los.
O desaparecimento das vítimas foi registrado no dia 24, quando a avó do adolescente foi até a 143ª DP (Itaperuna) junto com ele, após não conseguir contatar os familiares. No entanto, os agentes não localizaram nenhum registro no hospital da cidade. Então, foi solicitada perícia na casa das vítimas.
A descoberta dos corpos ocorreu no dia seguinte, 25, após a polícia ir até a casa e identificar manchas de sangue no colchão e nas roupas do casal, além de pontos queimados. Um forte odor foi sentido pelos policiais, que localizaram os corpos dentro da cisterna. A remoção foi feita pelo Corpo de Bombeiros.
Depois que localizamos o corpo, ele confessou o crime. Disse ter dado um tiro na cabeça do pai e da mãe; no irmão, foi no pescoço. Perguntamos porque ele matou o menino, e ele disse que foi para poupá-lo da perda dos pais”, disse o delegado Matheus Soares Augusto, ao se dizer surpreso com a frieza emocional do adolescente após cometer o crime bárbaro. “Ele afirmou que agiu por amor e que faria tudo de novo”.
Com informações da CNN e O Globo, Terra e Veja