Aos 7 anos de idade, Maria Carolina Mota começou a se queixar de dores de cabeça frequentes, acompanhadas de náusea, vômitos e sensibilidade à luz e odores. Na época, a família achou que ela estivesse necessitando de óculos. Hoje, aos 30 anos, a advogada continua enfrentando os mesmos problemas, com menor intensidade da dor, mas que, às vezes, ainda causa alteração visual.
Maria Carolina está entre os mais de 30 milhões de brasileiros e brasileiras que sofrem com a enxaqueca, um problema que atinge 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). As mulheres são o grupo mais vulnerável para as cefaleias devido às variações hormonais, principalmente no período menstrual. Estima-se que cerca de 20% da população feminina sofram de enxaqueca. Dessas, 10% apresentam a forma mais grave da doença, com dores quase diárias, a conhecida enxaqueca.
“A minha enxaqueca é hereditária, a minha mãe e a minha avó sofrem de enxaqueca. Eu percebi que no meu caso, as crises tem como gatilho problemas hormonais, alimentação e quando bebo um pouco mais”, conta a advogada.
Com forte dores e numa frequência quase que diária, Maria Carolina passou a fazer tratamento específico para a enxaqueca apenas aos 20 anos de idade e logo sentiu uma diferença significativa na qualidade de vida.
“É muito ruim você estar em um lugar com as amigas, se divertindo, e ter que sair de repente porque está com muita dor. Pior ainda é passar mal na frente das pessoas”, desabafa. Mesmo com medicamento de uso contínuo, a advogada ainda tem crises esporádicas e precisa recorrer a um especialista.
A enxaqueca está no rol das dores de cabeça, as chamadas cefaleias, que apresentam tipos e intensidade distintas e são consideradas um dos distúrbios mais comuns do Sistema Nervoso Central. Elas representam uma das queixas mais comuns nos consultórios de neurologista, sendo responsáveis por milhares de consultas em pronto atendimento ao redor do mundo.
Mais de metade da população tem cefaleia
Neste Dia Nacional de Combate à Cefaleia (19 de maio), especialistas ouvidos por ViDA & Ação reforçam cuidados com a saúde, fundamentais na prevenção da enfermidade, bem como os cuidados com o tratamento adequado.
Médico de Maria Carolina, o neurologista Yuri Macedo, responsável pelo serviço especializado do Hospital Badim (RJ), explica que as variações hormonais, principalmente no período menstrual, podem desencadear as crises de cefaleia. “Se não acompanhada, a dor pode se transformar em crônica”, adverte.
Um estudo de revisão global publicado em abril deste ano pelo The Journal of Headache and Pain revela que 52% das pessoas acima de 5 anos no mundo sofrem com cefaleia, a popular dor de cabeça, um dos distúrbios neurológicos mais prevalentes e incapacitantes do mundo.
A pesquisa aponta que 14% da população mundial têm a forma crônica da condição, a enxaqueca, e outros 26% possuem cefaleia do tipo tensional (dor leve a moderada, como se fosse um “apertão”) e 4,6% sentindo o incômodo durante 15 ou mais dias por mês.
De acordo com dados da OMS, a cefaleia é a segunda doença crônica que mais incapacita. A grande maioria (90%) da população já teve, tem ou terá desenvolvido algum sintoma da doença em algum momento da vida.
No Brasil, segundo estima a Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe), 70% da população, em graus diferentes, sofrem com esse desconforto de vez em quando. São mais de 30 milhões de brasileiros sofrendo com essa condição.
Os diferentes tipos de cefaleia
O Dia Nacional de Combate à Cefaleia foi criado pela SBCe para conscientizar a população sobre os diferentes tipos de dores de cabeça e alertar sobre como identificá-los. Na literatura médica existem cerca de 200 tipos de dor de cabeça, que são classificados de acordo com sua origem como primárias ou secundárias.
- Cefaleias primárias: Representam aquelas causas de dores presentes em si, familiares ou geneticamente determinadas, cujas causas ainda não estão bem esclarecidas. Os tipos mais frequentes são a enxaqueca, cefaleia tensional, enxaqueca com aura ou aquelas causadas por estresse e tensão.
- Cefaleias secundárias: Representam aquelas cefaleias presentes como sintoma decorrente de outra causa/etiologia, como problemas na coluna e de intolerância alimentar, infecção viral de vias aéreas superiores (IVAS), como otite e sinusite, ou outras doenças mais graves como tumores, aneurisma, trombose de seio venoso cerebral, meningite e até o temido AVC (acidente vascular cerebral).
O neurologista Iron Dangoni Filho (foto), especialista que atende no centro clínico do Órion Complex, em Goiânia, afirma que a enxaqueca é a mais conhecida forma de cefaleia, mas a mais comum nas pessoas é a tensional, que é caracterizada por uma dor de cabeça leve e possui maior frequência.
Além disso, há ainda a cefaleia trigêmino autonômica e a cefaleia em salvas, mais comum nos homens. Os pacientes com o distúrbio, segundo o médico, representam 4,5% dos atendimentos em unidades de urgência no País, sendo o quarto motivo mais frequente de consulta.
Os sintomas também são diferentes
Entre as primárias, os sintomas podem se diferenciar. Por exemplo, a enxaqueca costuma ser moderada a forte, apenas de um lado, com duração de cerca de três dias e com sintomas associados, como a fotofobia (sensibilidade à luz) ou fonofobia (sensibilidade aos sons). “Já a cefaleia tensional geralmente é uma dor atrás da cabeça, mais leve e que pode piorar ao longo do dia e durar até sete dias”, esclarece o especialista.
O neurologista André Lima, diretor da Neurovida, clínica no Rio de Janeiro, diz que geralmente as cefaléias primárias duram cerca de 48 horas e seus sintomas são progressivos, começando aos poucos e piorando ao longo do tempo e não dependem de uma outra condição ou doença.
“Além das dores de cabeça, a cefaleia primária pode provocar enjôo, vômitos ou perda parcial da visão. Já as cefaléias secundárias podem ser provocadas por ordem progressiva ou originadas por outras doenças, sendo o tumor a mais comum em dores de cabeça mais progressivas. Esse tipo de cefaleia não melhora com o tempo e dura mais de 48 horas”, esclarece.
Neste caso, é necessário ter atenção e um acompanhamento mais profundo do problema. “Vale lembrar que a cefaleia tensional pode ser confundida com enxaqueca. E se a cefaleia tensional for frequente, as chances de sofrer com enxaqueca são maiores”, ressalta.
“No caso da cefaleia primária, o paciente sofre de enxaqueca por conta de estresse, alimentação inadequada, excesso de bebida alcoólica e outros fatores dessa natureza. Esses pacientes, ao perceber a dor de cabeça por tempo mais prolongado e intensa devem procurar logo ajuda médica”, explica o neurologista Yuri Macedo.
Como diagnosticar corretamente
O diagnóstico da cefaleia é feito com base no histórico familiar do paciente. Macedo diz ainda que há portadores da doença que apresentam variações cerebrais, avaliadas em exames de imagem. Pelos sintomas relatados, o médico diz ser possível identificar o tipo e causa de cefaleia.
“A enxaqueca costuma surgir com dor intensa, associada a náuseas, vômitos, sensibilidade à luz. Já a dor de cabeça tensional vem acompanhada de uma dor intensa no pescoço, que pode causar rigidez e irradiar para as costas. Quando a causa é intolerância alimentar, há presença de diarreia, gases e dor abdominal”, comenta o médico.
Dr Iron ressalta que, quando a dor aparece com frequência, deve-se procurar um neurologista para solicitação de exames que irão indicar a causa dessa dor de cabeça.
“Quando acontece quatro vezes por mês, já temos ai um sinal de alerta. Se a dor de cabeça aparece menos vezes, mas são fortes, também é preciso ir atrás de ajuda especializada. Quando ela muda o padrão também é sinal de alerta, como por exemplo, quando não responde aos analgésicos que costuma fazer uso ou a intensidade da dor aumenta muito”, detalha.
Segundo André Lima, a primeira medida a ser tomada é avaliar o histórico familiar do paciente porque ele pode ter uma predisposição no desenvolvimento de uma cefaleia. Para o médico identificar qual a causa do problema é preciso realizar alguns exames.
No caso de intolerância alimentar, existem exames de sangue capazes de demonstrar quais substâncias podem desencadear esse processo. Já na enxaqueca o diagnóstico é clínico, com exame físico e neurológico e em alguns casos de dor de cabeça muito forte, exames complementares como tomografia e ressonância.
No caso da dor de cabeça tensional é possível perceber pontos doloridos nos músculos da região do pescoço e ombros. Quando a dor for provocada pela sinusite, a tomografia é o exame ideal para saber a localização e extensão do problema. “Muitos pacientes contam com algum tipo de alteração no cérebro que precisa ser investigada”, destaca.
Outra forma de identificar o tipo de dor é pelos sintomas:
Enxaqueca — Dor intensa, acompanhada de náuseas, vômitos, sensibilidade excessiva à luz, ao som ou ao movimento. Sem tratamento, as crises podem durar de 2 a 4 dias;
Intolerância alimentar — Presença forte de gases, muito desconforto, diarreia, dor de cabeça, inchaço abdominal e secreção nasal;
Sinusite — Dores fortes de cabeça e nos seios da face, uma sensação de pressão no rosto, dor de cabeça latejante. Quando a sinusite se manifesta de forma aguda, ela pode causar até desmaios;
Cefaleia tensional — É uma forte dor que causa uma rigidez nos músculos do pescoço, causando muito desconforto. Acomete também as costas e até o couro cabeludo.
Tratamento correto e o perigo da automedicação
De acordo com os especialistas, é importante investigar a causa da dor para obter o tratamento adequado e evitar agravantes. Depois de feito o diagnóstico correto é só dar início ao tratamento receitado pelo médico.
Segundo Yuri Macedo, as crises de cefaleias primárias podem ser resolvidas com uso de analgésicos comuns, na maioria dos casos. Já os quadros crônicos necessitam de medicamentos antidepressivos. O tratamento profilático com medicamentos é recomendado para casos mais complexos, quando a frequência da dor é muito intensa e deve ser acompanhada por um médico.
Iron Dangoni Filho destaca que a maioria das pessoas faz apenas o tratamento para tirar a dor, usando analgésicos. O especialista ressalta que a automedicação para as dores de cabeça também é algo perigoso. “Existe a cefaleia por uso excessivo de analgésicos, que acontece quando se muda o tipo de dor em razão do uso dos remédios. Normalmente, ela fica pior e pode torna-se crônica, o que dificulta o tratamento”, afirma o médico.
A importância dos hábitos saudáveis
Os hábitos de vida são fatores decisivos no desenvolvimento da doença. Os especialistas esclarecem que é possível realizar a prevenção para que os episódios de cefaleia fiquem bem menos frequentes. Mudanças simples na rotina podem ajudar a evitar que as cefaleias primárias sejam um problema.
“Se uma pessoa tem uma vida saudável com prática de atividades físicas, alimentação balanceada, dorme bem e evita o tabagismo, ela diminui as chances de contrair qualquer tipo de dor de cabeça”, diz André Lima.
“Para prevenir esse tipo de dor de cabeça, é recomendado controlar o estresse com mudança no estilo de vida, adotando alimentação adequada e a prática regular de atividades físicas. Já o tratamento das cefaleias secundárias depende do controle das doenças de base”, diz o médico.
“Tratamentos não medicamentosos, como a prática de exercícios físicos regulares, ioga, acupuntura, massagem e boa alimentação trazem excelentes resultados a médio e longo prazo. Um sono de qualidade também é essencial, pois ficar sem dormir longos períodos funciona como um gatilho para crises. Ficar longos períodos do dia sem se alimentar também é problema”, esclarece Dr Iron.
“Se a pessoa cuida da sua saúde, ela reduz muito as chances de contrair qualquer espécie de dor de cabeça. Isso inclui a prática de atividades físicas regulares, uma dieta adequada para o seu organismo, a manutenção da noite bem dormida, de abolir o tabagismo e beber socialmente”, completa Yuri Macedo.
Com Assessorias