A morte do cantor Prince acendeu o alerta vermelho: o uso excessivo de medicamentos, em vez de aliviar a dor, pode ser fatal. O laudo atribui a morte a uma overdose de opioides (analgésicos para dor, à base de ópio) e abriu uma polêmica: até onde vai o limite para se usar este tipo de medicamento?
Foi em Minnesota, nos Estados Unidos, onde nasceu, que o intérprete de ‘Purple Rain’ e de canções famosas morreu aos 57 anos, no dia 21 de abril, intoxicado por fentanil, um analgésico potente à base de ópio, uma droga da mesa classe da morfina e da heroína, que podem levar à dependência.
Não foi o único americano vítima do uso abusivo dessa substância. O país é o maior consumidor per capita de opióides do mundo, seguido pelo Canadá. Mais da metade (56%) de todo o consumo de morfina, um dos principais opioides, se dá nos EUA, país que concentra apenas 5,1% de toda a população mundial.
Diante do alarme, a Sociedade Brasileira para Estudos da Dor resolveu se manifestar a respeito do consumo de opioides no Brasil, considerado um dos 10 países com menor prescrição de opioides no mundo. Levantamentos internacionais apontam que a taxa ideal de consumo de opioides para controle da dor por pessoa é de 192,9mg ao ano. No Brasil este número é de apenas 7,8mg por pessoa ao ano, ou seja, 25 vezes menor do que é preconizado.
Este cenário, segundo a SBED, revela que, ao contrário dos Estados Unidos, o brasileiro sofre dor por falta de prescrição adequada de opioides. De acordo com a SBED, pesquisas recentes indicam que cerca de 60 milhões de pessoas convivem com o problema da dor sub ou não tratada no Brasil.
Estudos estimam que mais de 50% dos pacientes de câncer no país sofrem dor crônica. Em mais de um terço deles a dor é intensa. “Estes números nos alertam ao fato de que há milhões de brasileiros que padecem de dor e seu sofrimento muitas vezes não é mitigado devido à “opiofobia”, mitos que precisam ser descontruídos”, diz a SBED, em nota.
O Blog Vida & Ação entrevistou o anestesiologista Paulo Renato Fonseca, especialista em tratamento da dor e diretor científico da SBED. Confira:
1. Qual a diferença entre opioides e analgésicos comuns?
Opióides são analgésicos,sintéticos ou não,derivados da molécula base da morfina(ópio). Já os analgésicos comuns pertencem a várias várias famílias de medicamentos como os anti-inflamatórios e anti-térmicos, por exemplo.
2. Por que o Brasil consome menos analgésicos do que outros países?
Acredito que devido à desinformação por parte dos pacientes e dos agentes de saúde envolvidos, desde médicos até enfermeiros e farmacêuticos. No Brasil, dispomos de adequada variedade de medicamentos que suprem nossas necessidades prescritivas.
3. A automedicação à base desses produtos não acarreta risco aos pacientes?
Automedicação sempre acarreta riscos, mas no caso destes analgésicos, a receita controlada branca ou amarela dificulta a automedicação. Cuidado deve ser dado quando estes medicamentos adquiridos ficam sem controle por parte dos pacientes e são inadvertidamente utilizados por outra pessoa.
4. Quais os limites no uso desses medicamentos? O que caracteriza uma overdose?
O limite terapêutico depende de cada caso sendo necessária a personalização das doses, cuidado redobrado deve ser dado quando outros medicamentos são usados simultaneamente como os remédios para dormir e anti-depressivos.
5. O uso constante de opioides causa dependência?
O uso terapêutico prescrito de forma controlada e a organização e controle das tomadas por parte dos pacientes reduz riscos. Dependência é diferente de vício, que é uma patologia psiquiátrica complexa que exibe compulsividade quanto ao consumo de drogas lícitas ou ilícitas. Dependência existe por necessidade de uso e pode demonstrar síndrome de abstinência(retirada) com a interrupção abrupta do uso da substância.
6. Há restrições em relação a algum grupo de risco (crianças, idosos, portadores de doenças crônicas…)?
A população mais sujeita a complicações com o uso de substâncias psicotrópicas são pacientes que já tiveram história de uso abusivo de álcool e drogas, comportamento compulsivo ou que tenham associações com outros medicamentos prescritos simultaneamente, mas o médico poderá avaliar a relação risco/benefício nestes casos.