Na altura do campeonato, não há muito o que fazer no Brasil em relação ao avanço da ômicron, que deve chegar ao fim até o final de fevereiro. “A ômicron é o microorganismo mais infectante que o Homem já conheceu (…). A única saída é testar todo mundo e isolar os positivos. E não adianta testar só quem tem sintomas”, diz o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em entrevista ao programa #ABISaúde, no canal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no Youtube nesta sexta-feira (29/1).

Professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Vecina aborda as perspectivas em relação à nova onda da Covid-19, explicando por que a nova variante não tem causado casos mais graves e mortes. E alerta sobre pesquisas recentes feitas na China que apontam a infecção de ratos pela ômicron. Apesar disso, por enquanto, se mantém otimista: “Não há o risco de haver uma nova explosão de casos após o Carnaval se a variante for a mesma. Não esperamos novas mutações dessa variante”.

O especialista falou sobre os impactos da pandemia no SUS – que, na sua opinião, terá que ser reconstruído a partir de 2023 – e criticou o Ministério da Saúde por pedir à Anvisa a liberação dos autotestes em farmácias, sem uma política pública clara que beneficie os mais pobres. “Não é solução; talvez isso agregue mais um problema na equação”. E ainda lança uma suspeita: “Se for investigar direitinho o interesse desse governo em fazer o autoteste chegar às farmácias tem nome, endereço e razão social”.

Uma das maiores autoridades no tema pandemia hoje no Brasil, o médico sanitarista detalha o que se deve fazer em caso de sintomas gripais e quando realizar o teste. Segundo ele, a primeira preocupação deve ser tratar os sintomas. “Saber se o vírus é da Covid ou da Influenza não muda o prognóstico, nem o que se deve fazer”. E acrescenta: “o teste não nos leva para lugar nenhum depois do décimo dia”. Ele também acredita que será necessário tomar uma quarta dose da vacina.

Gonzalo Vecina foi entrevistado pelos jornalistas José Luís Laranjo, professor universitário e membro do Conselho Fiscal da ABI, e Terezinha Santos, diretora da TFS Comunicação e membro do Conselho Deliberativo da ABI. O encontro virtual tem apresentação e mediação da jornalista Rosayne Macedo, editora do Portal ViDA & Ação e diretora de Assistência Social da ABI.

Assista à entrevista completa no Youtube e confira abaixo alguns dos principais trechos:

Avanço da ômicron

‘Em oito semanas, o vírus liquida a fatura, infecta todo mundo’

Rosayne Macedo – A nova onda de Covid-19 parece estar estacionando nas grandes metrópoles e se interiorizando, inclusive em cidades com baixa cobertura vacinal (por falta de acesso ou recusa aos imunizantes).Como enfrentar essa nova onda impulsionada pela variante ômicron se a população resiste a novas medidas restritivas? O senhor acha que pode ser necessário um novo lockdown em algumas cidades? Em que circunstâncias e quais formatos sugere novas medidas restritivas, se é que o senhor acha que são necessárias, já que boa parte da população está cansada de isolamento?

Gonzalo Vecina – A China vai fazer uma olimpíada e a política do país é zero casos. Para isso, tem que testar abusivamente, todo mundo, todos os dias. A China consegue fazer testagem de milhões de pessoas seguidamente. O que acontece quando a pessoa testa positivo? Ela é afastada. Sabemos que uma parte importante das pessoas que pegam a doença é assintomática, não se percebe doente, mas é capaz de transmitir. A única saída para ter outra condição é testar todo mundo e isolar os positivos. E não adianta testar só quem tem sintomas. De 40% a 50% das pessoas que têm a doença de forma assintomática. O Brasil é um dos países que menos testam no mundo. Testamos em média uma pessoa a cada dois mil habitantes por dia. A Inglaterra testa 20 pessoas a cada mil habitantes por dia. Nós fazemos muito pouco teste. E o governo parece que não acorda para isso.

Não há capacidade para discutir essa questão da testagem e não tem teste. O que poderia ser feito por esse desgoverno jamais será feito, que é impor qualquer tipo de ação para reduzir a velocidade de espalhamento do vírus. Quem não quiser pegar a doença, tem que ficar muito quietinho em casa porque o nível de transmissibilidade é muito alto. Todos nós conhecemos alguém próximo que teve doença. E não precisa se movimentar muito para achar e ser infectado por esse vírus. O que vamos ver é o que está acontecendo, um pico explosivo de casos.

Vamos passar aqui, como está passando a Europa, por uma queda. O ciclo aparentemente dessa doença, olhando para África do Sul e Europa, é de oito semanas, entre os primeiros casos, a explosão e a queda. Em oito semanas, o vírus liquida a fatura, infecta todo mundo. E começa a cair porque começa a não encontrar mais gente suscetível. E muito provavelmente estão entre esses os vacinados. Embora a vacina não proteja totalmente contra a Covid, diminui a probabilidade de ter a doença. Então, a vacinação e o mínimo de uso de máscara e controle dessa situação é que tem permitido esse comportamento invertido, de subida e queda bruscas. Até meados de fevereiro ou até o final de fevereiro essa onda deverá estar sendo atenuada.

Risco de nova explosão

‘Ômicron é o microorganismo mais infectante que o Homem já conheceu’

Rosayne Macedo – O forte calor nas últimas semanas tem levado muitas pessoas às praias, rios, lagos, cachoeiras e clubes. Apesar de muitas cidades terem cancelado desfiles em sambódromos e Carnaval de Rua, que geram grandes aglomerações, muitas pessoas estão se preparando para viagens, festas e eventos clandestinos. Então é difícil o trabalhador ainda tem que encarar o transporte público. Como o senhor vê esse cenário? Depois que reduzir a curva natural que a variante deve fazer, como ocorreu em outros países, pode haver uma nova explosão de casos após o ‘carnaval’ ou o verão? 

Gonzalo Vecina – Não há o risco de ter uma nova explosão se a variante for a mesma. Não esperamos novas mutações dessa variante. Tem que entender o que é uma variante. É um erro que a natureza comete para tentar melhorar as coisas, é uma coisa extraordinária, é paradoxal. Quando o erro piora a coisa, ele desaparece. Quando o erro melhora, ele se impõe no lugar do erro anterior.

Então, nós tínhamos a variante original. Apareceu a gama e dominou o mercado brasileiro. De repente, veio a delta, e em quatro semanas, dominou o Brasil. Por causa do nível da vacinação e provavelmente porque a gama nos protegeu da delta, não tivemos casos. Aí veio a ômicron, que em três semanas dominou o cenário inteiro no Brasil. Como tem capacidade infectiva maior, ela ocupa todo o espaço.

Tem 30 mil pares de informações genéticas. Cada uma dessas 30 mil tem quatro bases. A mutação acontece na troca de uma base dessas que muda a forma de expressão do vírus. Estamos falando de quatro elevado a 15 mil. O número provável de mutações é simplesmente extraordinário. Então, probabilisticamente falando, pode ser que apareça uma nova variante sim, mas ela tem que ter uma tal transformação que consiga ser mais infectiva que a ômicron, que é até hoje, por tudo o que sabemos, o microorganismo mais infectante que o Homem conheceu em toda a sua História. É mais infectante do que o sarampo, que era a doença que considerávamos a mais alta em infectividade.

Então, as mutações que precisam ocorrer para que apareça um vírus que cubra a ômicron é muito difícil. Estamos contando com a dificuldade da natureza de conseguir se superar. Mas não dá para dizer que seja impossível acontecer, mas é improvável. O que provavelmente deve acontecer é que um monte de gente vai pegar a ômicron, na tal da curva, e depois não tem variante nova, quem não pegou, vai pegar devagarzinho porque diminuiu a chance de contato.

Tem que olhar e ver um monte de cabecinhas suscetíveis e um monte de cabecinhas que já tiveram a doença. Cada infectado terá que encontrar quem ainda não teve a doença na massa. É mais difícil. Basicamente é um problema estatístico de encontro. Provavelmente o que vai acontecer é que vamos ter a doença em quem ainda não teve e quem não está vacinado.

Letalidade x vacinação

José Luís Laranjo – Até três semanas o senhor falou que tinha duas dúvidas: se essa variante é ou não mais letal e se as vacinas resolvem para essa variante. O senhor já tem essas respostas?

Gonzalo Vecina – As duas respostas já temos. Em laboratório – portanto, em condições experimentais, não na vida real -,  a gente observa que esse vírus perdeu a capacidade de invadir territórios mais baixos da nossa árvore pulmonar. Ele invade a nossa oreofaringe, se instala nos pulmões, mas na árvore brônquica superior, não chega ao nível aureolar e bronquiolar. Com isso, oferece doença mais branda que tínhamos com a delta e gama, que são de insuficiência respiratória.

Esse novo padrão da ômicron não estabelece essa agressividade do vírus, o quadro inflamatório é muito menor, não tem invadido o coração nem o sistema nervoso central. Tanto é que não tem tanta gente com perda da capacidade de sentir odores porque diminui a capacidade de invadir o sistema nervoso central, particularmente os nervos olfatórios. Ele dá uma doença mais branda. A grande maioria das pessoas que estão morrendo – a Biologia para tudo existe exceção – são pessoas que têm comorbidade.

Uma pessoa que tem insuficiência respiratória, por causa de uma doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC); uma pessoa com doença cardíaca determinada por hipertensão ou diabetes, uma pessoa em tratamento de câncer agressivo, tem alguma doença com imunosupressão ou transplantado de órgão – essas pessoas vivem um equilíbrio clínico instável e quando aparece uma doença esse equilíbrio se perde. Grande parte das pessoas que estão sendo internadas e estão morrendo são os não-vacinados e portadores de uma comorbidade anterior, embora também tenha gente normal também morrendo.

Está tendo muita criança internando porque é a população menos protegida. O vírus procura alguém que o aceite e as crianças não vacinadas o aceitam. Então estamos estamos tendo crescimento de casos de crianças e jovens internados, que são justamente os não-vacinados. Então, não tem grandes surpresas, mas tem notícias excelentes, Uma delas é essa: a doença é mais branda. E a vacina funciona? A partir de experimentos feitos em laboratório, ela consegue ter resposta positiva, embora não garanta não ter a doença; ela garante não ter a doença grave e morte. Há algumas indagações ainda: até que ponto o ômicron consegue driblar o RTPC? Ainda não temos resposta boa para essa pergunta.

Novas mutações

“Acho que essa nova subvariante não é tudo isso”

PERGUNTA DA MÉDICA E JORNALISTA LYGIA MUYLAERT – O que podemos esperar das subvariantes da Ômicron? A BA2 parece que está causando uma nova onda de infecções, se disseminando pela Europa rapidamente. A proteção conferida pela vacinação completa é semelhante, evitando casos graves (internações e até mesmo terapia intensiva)?

Gonzalo Vecina – Essa variante que apareceu na Dinamarca é uma promessa, ainda não se realizou. Ainda não temos como responder a essa pergunta porque provavelmente ela não se sobreporá à ômicron 1. Eu acho que ela não é tudo isso, pelo que eu tenho lido. Temos que esperar um pouco mais.

Temos notícias mais catastrofistas. Descobriram em Pequim que ratos de esgotos estão sendo reservatórios de ômicron. Se temos 8 bilhões de pessoas na Terra (…) vamos colocar 50 ratos por habitante, é um belo estoque de gente para fazer o ciclo animal.

Já tivemos, por exemplo, na Dinamarca, os visons contaminados pela ômicron. O que fizeram? Sacrificaram todos os visons porque a chance de um reservatório animal fazer explodir o número de casos é um risco muito grande. Com os visons é fácil. Mas e os ratos? Essa é uma notícia catrastofista.

Autotestes x desigualdade social

‘Mais importante é ter uma política pública por trás do autoteste’

Rosayne Macedo – A Anvisa aprovou hoje, a pedido do Ministério da Saúde, a venda dos autotestes em farmácias. Sabemos que a pandemia acentuou as desigualdades sociais no Brasil. O senhor acha que vender autotestes em farmácias, com ou sem manipulação, não será mais uma forma de excluir os mais vulneráveis das políticas de saúde pública no controle da pandemia?

Gonzalo Vecina – Este governo destruiu o Bolsa Família e a capacidade de levar informação para os órgãos governamentais de como enfrentar a desigualdade social. Esse governo reintroduziu a insegurança alimentar. Hoje temos 10% da população brasileira que não come todos os dias, não tem acesso à comida todos os dias. Eu acho que estamos falando de um problema pequeno perto desses problemas macro que esse governo está criando e que a maior parte da população não está tendo capacidade de perceber o que está acontecendo.

Por alguma razão os pobres não estão invadindo os supermercados para arrumar comida. Não sei como isso ainda não aconteceu. Tenho certeza que algo que inspirou esse governo a levar a esse clima de insegurança alimentar foi a possibilidade de a gente ter um desarranjo social. Acho que procuraram criar esse clima de desarranjo social e não tiveram sucesso até agora. Não acho que eles vão esmorecer ao longo desse ano. Portanto, temos que ficar atentos e vigilantes.

Com certeza essa história do autoteste é um ‘nariz de cera’. É lógico que o autoteste é importante, mas mais importante é ter uma política pública por trás dele. Se o autoteste é só para quem tiver dinheiro comprar e ficar sabendo com 80% de acurácia se tem ou não tem o vírus – porque o autoteste tem uma acuricidade menor que os testes de laboratório – ok. Mas que fique claro que isso não é solução, isso talvez agregue mais um problema na equação.

José Luís Laranjo – Temos que ficar atentos a esse preço, quanto vai ser pago e quanto vale esse autoteste.

Gonzalo Vecina – Na semana que passou, o Procon andou indo em farmácias multando quem estava vendendo o teste por R$ 400 que antes da nova onda era vendido por 80 a cem reais. O que ouvi falar é que o autoteste vai chegar às farmácias por 50 reais cada um. Na Europa, custa  dois euros, que é o preço de dois cafezinhos (…) Por quanto vai chegar aqui?

‘O interesse do governo tem nome, endereço e razão social’

Rosayne MacedoO senhor acha que há interesse do governo em beneficiar o setor privado nesse pedido de aprovação à Anvisa, sem estabelecer o autoteste como política pública, em vez de investir na produção de testes para Covid pela Fiocruz que tem capacidade de fornecer mais testes para distribuir gratuitamente no SUS?

Gonzalo Vecina –  Eu apostaria quanto você quiser que se for investigar direitinho o interesse desse governo em fazer o autoteste chegar às farmácias para ser vendido tem nome, endereço e razão social (risos).

Rosayne MacedoProvavelmente sim, como houve naquela tentativa de compra da Covaxin, conforme mostrou a CPI da Covid. Agora, o misterioso apagão de dados, que prejudicou também o trabalho da imprensa, o consórcio de veículos teve dificuldades de apurar os números reais, dificultou ainda mais o trabalho dos epidemiologistas e o controle da pandemia. O sr acredita em sabotagem por parte do próprio governo? 

Gonzalo Vecina – Tem uma tese de alguém dizendo que quem fez a invasão usou uma chave oficial. Eu não tenho dúvidas de que o General Heleno sabe o nome e o endereço da pessoa que atacou. Ele comanda os sistemas de informações, os arapongas oficiais. Com certeza ele sabe. É lógico que não tem nenhum interesse em revelar. O por que foi está na cara, quem foi é que não sabemos.

Rosayne Macedo – Sem controle dos resultados dos testes feitos em casa – quem tem dinheiro vai comprar, fazer o teste e dependendo do seu próprio interesse, vai fazer o PCR para confirmar ou não, vai informar ou não o resultado – não é mais uma estratégia do governo para tentar camuflar casos, aumentando a nossa já crônica subnotificação?

Gonzalo Vecina – A subnotificação não vai mudar. A forma de saber quem teve e quem não teve é pelas pesquisas de soroprevalente. Hoje existem poucas pesquisas de soroprevalência, nenhuma financiada pelo governo. A única financiada pelo governo lá atrás foi contratada pelo ministro Mandetta na Universidade de Pelotas, mas foi descontinuada na gestão Pazuello. A partir daí, pesquisas que têm sido feitas são com dinheiro da iniciativa privada. Essa história de que “não sei o que está acontecendo” é real. No frigir dos ovos, não muda muita coisa porque não tem governo. Se houvesse governo, poderia dizer que está faltando dados para fazer isto (…). Eu sou muito cético.

Covid-19 x Influenza

‘Saber qual é o vírus não muda o prognóstico, nem o que se deve fazer’

Terezinha Santos – Os sintomas da Ômicron se confundem com gripe, quando devo me preocupar e buscar o médico?

Gonzalo Vecina – Os sintomas da ômicron e da H3N2 são muito semelhantes. A frequência de diarreia é um pouco maior na ômicron, mas dor de garganta, coriza, tosse, febre, inapetência, dor no corpo, são iguais. Então vem a pergunta: ‘Que horas tenho que fazer o teste?’ Não tem que fazer o teste porque isso não muda o prognóstico. Se tiver ômicron ou gripe você tem uma doença infecciosa respiratória que pode ser espalhada. Saber se é esta ou aquela não muda o prognóstico e não muda o que deve fazer, que é manter-se afastado de outras pessoas para não disseminar a doença. Não há razão lógica para querer saber se é isso ou aquilo. Se houvesse tratamento que fosse diferente, concordo.

Se tiver quadro clínico mais terrível – o que é possível em qualquer das duas doenças – como por exemplo a desidratação, seja pela diarreia, seja pela dificuldade de comer por causa da dor de garganta; se tiver febre acima de 38 ou 39 graus, que não consegue controlar como sempre controlou, você vai para o hospital e provavelmente será internada. Neste momento, vão fazer o teste para saber se você vai para ala de Covid ou para a ala de gripe.

Dependendo de você ter H3N2, poderá ter auxílio do Tamiflu, que ajuda a tratar a gripe, mas não tem para comprar na farmácia. Tamiflu está em falta, assim como está em falta teste. Tem remédio para ser usado contra a ômicron? Tem, mas não no Brasil. Isso é uma discussão mundial, são produtos extremamente caros e a produção ainda é muito pequena.

Então, qual é a recomendação em relação a quadros gripais? Fique em casa e trate como sempre tratou: se hidrate, se alimente, repouse e tome antipiréticos, analgésicos, antitérmicos. Basicamente é isso que você vai tomar. Em cinco a sete dias, passou a doença se for gripe; de 7 a 10 dias, passou a doença se for ômicron. Não tem nada diferente a fazer. Fique em casa.

Reinfecção e testagens

‘No estado em que as coisas estão no Brasil, não tem mais muita coisa a fazer’

Terezinha Santos – Quem já teve Covid, passou a quarentena, tem que fazer o teste de novo o PCR para saber se está totalmente isento da Covid? Quem já teve Covid pode se reinfectar várias vezes, mesmo após tomar as três doses da vacina? Que hora que tenho que me preocupar e correr para fazer meu PCR? Será que o SUS tem condições de me atender?

Gonzalo Vecina – Primeiro se cura. Os sintomas aparecem e ficam até o quinto ou sexto dias. A partir daí os sintomas começam a desaparecer. Depois, por volta do décimo dia, não tem mais sintoma. A partir daí, pode ter vírus, mas não são viáveis, capazes de produzir doença. O mais adequado é fazer o teste, mas ele não nos leva para lugar nenhum depois do décimo dia.

Então, se você escapou de gripe ou ômicron, no 10º dia, continue a usar máscara, tome cuidado para não contaminar outras  pessoas, mas não tem muito a fazer. Se precisar de atestado, vai ter que procurar teste para dizer se pode ou não voltar a trabalhar. Infelizmente, no estado em que as coisas estão no Brasil, não tem mais muita coisa a fazer.

Corticoides e efeitos colaterais

‘O corticóide salvava vidas, reduzia a mortalidade em 30%’

Terezinha Santos – Algumas pessoas estão relatando que tomaram corticóides por causa da Covid-19 e estão tendo problemas de visão, com aumento de glaucoma, edema ocular… Por que isso acontece e como evitar?

Gonzalo Vecina – O corticóide é um tipo de produto que nosso corpo produz, o cortisol, que é um hormônio extremamente importante para o nosso metabolismo humano.  Por isso não deve ser utilizado com frequência. Pelo contrário, deve ser evitado o uso dos corticosteroides, os anti inflamatórios hormonais e sempre que possível usar um anti inflamatório não-hormonal. O corticoide produz efeitos colaterais importantes, inclusive diminuindo a capacidade do organismo de produzir o corticoide natural. Por isso tem que tomar cuidado quando usa corticóide.

Ocorre que nas variantes anteriores (particularmente a gama e a delta), o quadro inflamatório, por causa da capacidade de invasão celular que o vírus tinha, era muito violento. Corticosteroides são contraindicados quando se tem uma virose porque uma das coisas que ele faz é diminuir nossa capacidade imunogênica e aí a gente perde a capacidade de brigar com o vírus. Só que o ataque inflamatório era tão violento que deixar o organismo na mão desse ataque, na maior parte das vezes, significava morrer.

Foram feitos muitos estudos em relação a isso, muito duplo cego randomizado. A conclusão a que chegamos é que, usado naquele ponto da explosão inflamatória, com alguns cuidados, o corticóide salvava vidas, reduzia a mortalidade em 30%. A partir daí se passou a usar sempre que a pessoas entravam em casos mais agudos. Agora tem os efeitos colaterais do corticosteróide, em relação a glaucoma e outras patologias que, após a passagem da Covid, a pessoa tem que procurar tratar.

Muitas dessas condições têm tratamento, são quadros reversíveis, mas precisa de acompanhamento de especialista, de um médico que entenda desse assunto, para poder reduzir o estrago feito pelo corticóide para nos salvar. É muito frequente isso. Por isso os remédios devem ser criteriosamente usados: um remédio criteriosamente usado acerta no alvo e tem efeitos colaterais, um mal utilizado não acerta no alvo e tem efeitos colaterais.

Vacina contra o sarampo

“Nada melhor do que uma vacina para não ter uma doença que pode levar à morte”

José Luís Laranjo – Em uma entrevista, o senhor comentou que os médicos homeopatas acham que criança tem que pegar doença. A gente mesmo, quando pequeno, a mãe levava para pegar sarampo. Na Europa, criança tem que pegar sarampo. O senhor pode explicar essa junção ‘sarampo tem que pegar’, nessa linha de pesquisa? 

Gonzalo Vecina – A Homeopatia hahnemanniana é uma linha filosófica (…), eles acreditam em um monte de coisas e tem muitas que são muito boas (alimentação vegetariana, vegana ok), mas tem outras que são umas bobagens. Uma das máximas da Homeopatia hahnemanniana é de que o que é igual ajuda a tratar uma doença. Mas nada melhor do que ter uma vacina para não ter uma doença que pode levar à morte.

Na maior parte das vezes, o sarampo é uma doença benigna. Mas se pegar uma pessoa com comorbidade ou desnutrida ela mata. E mais: ela abre caminho para uma pneumonia bacteriana porque o organismo tem uma queda na sua resistência e nesse momento podem acontecer infecções oportunistas.

Outro problema muito grave do sarampo, que a gente não pode esquecer, que o sarampo que dá no adulto que tem probabilidade muito grande de ter meningites e encefalites gravíssimas. Por isso, pessoas que não se protegem durante a infância vão encontrar o sarampo na idade adulta. Aí podem ter uma grande chance de ter o sarampo junto com uma encefalite, o que é muito frequente. O bom mesmo é vacinar, em qualquer idade. Se chegou à idade adulta e não se vacinou por contra o sarampo por alguma decisão paterna equivocada está na hora de vacinar.

José Luís Laranjo – Por que o senhor diz que os brasileiros são muito ‘macaquitos’, gostam de imitar as coisas?

Gonzalo Vecina – Macaquitos é essa história de copiar coisas de americanos e ingleses. O antivacinismo é uma questão grave. Nos Estados Unidos, onde começou o movimento antivacina, o episódio mais importante foi de um médico que tinha uma alternativa para tratar sarampo que ele vendia. Ele fez um estudo furado – e isso foi demonstrado posteriormente à publicação – que apontava que a vacina contra o sarampo que existia nos EUA produzia autismo.

Ele fez uma associação muito inteligente. Uma dúvida que nós temos é se os mercuriais têm algo a ver com autismo. A vacina contra o sarampo tem uma microdose de tinerosol, que é um mercurial conservante da vacina. Numa pesquisa clínica, ele burlou os dados para demonstrar que estava certo. Isso foi descoberto um ou dois anos depois e virou um escândalo mundial. Só que o mal já estava feito. Um monte de gente já tinha lido aquilo em alguma fonte, tinha acreditado e suspendido a vacinação.

O autismo é uma doença de baixa prevalência. É raro um caso de autismo. Se parar de vacinar as crianças, a pessoa pode falar “Olha, minhas filhas não foram vacinadas e não são autistas. Portanto”… E nesse portanto você já destruiu um monte de vidas. Essa coisa do “macaquitos’ é basicamente essa… Nós olhamos para aquilo e copiamos, acriticamente, aqui no Brasil.

Antivacinismo

‘Existe muita ignorância em relação ao uso das vacinas’ 

Gonzalo Vecina – Existe muita ignorância em relação ao uso das vacinas. As vacinas são produtos cuidadosamente pesquisados e desenvolvidos, altamente seguros, nem sempre tão eficazes. Mas na maior parte das vezes só são aprovados porque têm determinada eficácia. No caso da Covid, foi estabelecido que 50% das pessoas que participassem dos testes clínicos tinham que desenvolver anticorpos contra a Covid.

É pouco, é muito? Não sei. Nós consideramos essa a quantidade mínima suficiente. É o número que usamos, por exemplo, na vacina contra a dengue. Desenvolvemos a vacina da Sanofi, que teve problema na fase 4 e foi retirada do mercado; nesse momento está entrando a vacina da Takeda e estamos em testes na fase 3 da vacina do Butantã contra a dengue.

O fato é que vacina é um jeito inteligente de proteger o organismo. Basicamente significa oferecer ao sistema imunológico uma amostra do que é aquela doença e o sistema imunológico produz efeitos que quando a gente entra em contato com o microorganismo essas defesas acordam e fazem o seu papel, impedem que você tenha uma doença mais grave.

Essa linha dos negacionistas que tanto pode ser porque acham que a vacina não desenvolve o sistema imunológico ou porque usar uma vacina de DNA mensageiro significa uma interferência no sistema genético. Isso não tem como acontecer com um pedaço de RNA mensageiro, que, ‘no frigir dos ovos’, o que faz é colocar as nossas células a serviço de produzir uma proteína em particular, que é a proteína spike, e a partir do aparecimento dessa proteína na nossa população, nosso organismo cria um sistema de defesa contra ela. Não tem nada de manipulação genética nisso.

Então, só tem duas opções: ou estuda o suficiente para compreender a complexidade do sistema imunológico para tomar uma decisão se vai se vacinar ou não, ou acredita nos que os pesquisadores estão falando. O resto é ignorância no estado bruto.

Quarta dose

‘Essa será uma doença endêmica. Ela vai continuar entre nós’

Terezinha Santos – Será que nós teremos que continuar tomando a quarta dose, a quinta dose, a sexta dose… Será como a vacina da gripe, anual?

Gonzalo Vecina – A vacina anual da gripe é dada para diferentes tipos de vírus e não para variantes. Eu acho que nós vamos ter que tomar a quarta dose. Se a Pfizer desenvolver uma vacina específica para a ômicron e não surgir outra variante, talvez a última dose seja essa da Pfizer. Mas provavelmente essa será uma doença endêmica. Ela vai continuar entre nós. Ainda está dependendo daquela história do rato, temos que pensar um pouco mais nessa possibilidade, mas com certeza até a quarta dose nós iremos.

 

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