A 4ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital ajuizou, nesta terça-feira (17/06), uma ação civil pública, com pedido de tutela de urgência, para tornar sem efeito as determinações da lei municipal 8.936/2025. A legislação, sancionada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, determina que o município afixe, nos estabelecimentos de saúde de sua rede própria, cartazes com dizeres desestimulando o aborto.
Na ação, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) ressalta que a prática do aborto é permitida pela Constituição Federal em casos específicos, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Desta forma, ainda segundo a ação ajuizada junto à 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, a legislação municipal tenta disciplinar assunto que se insere na competência legislativa privativa da União, criando empecilhos inexistentes ao gozo do direito ao aborto legal e ao próprio direito à vida e à dignidade das mulheres que, em situação de extrema vulnerabilidade psicológica, buscam a realização do aborto legal em casos em que são vítimas de estupro ou em que se encontram sob risco de vida.

‘Risco grave à saúde física e mental das mulheres cariocas’, diz MPRJ

A medida representa risco grave à saúde física e mental das mulheres cariocas, na medida em que, se tiver algum efeito persuasivo, pode acabar afastando gestantes de risco do local onde justamente deveriam ir buscar auxílio especializado, ou direcionar vítimas de estupro a estabelecimentos clandestinos”, diz um dos trechos da ação.
Ainda segundo o MPRJ, “a lei 8.936/2025 anda na contramão dos esforços pelo fortalecimento dos direitos humanos das mulheres e ver esse retrocesso ser impulsionado pelo próprio Poder Público, que deveria combatê-lo, é situação que causa lesão a direitos transindividuais titularizados por toda a sociedade”.
A ACP requer, em caráter de urgência, que o Judiciário determine que o município do Rio deixe de afixar nos estabelecimentos de saúde de sua rede própria as placas ou cartazes previstos na lei, assim como deixe de cobrar o cumprimento da medida por parte dos demais estabelecimentos de saúde públicos ou privados sediados no município.
Além disso, pede a condenação do município ao pagamento de indenização, a título de danos morais coletivos, em favor do Fundo Estadual de Saúde, a imposição de multa diária por cada estabelecimento de saúde da rede municipal que venha a descumprir a obrigação.
A ação também prevê a obrigação de o município divulgar, em toda a Rede de Atenção à Saúde do município, inclusive por meio de publicação na página inicial da Secretaria Municipal de Saúde na internet, o conteúdo da decisão judicial.

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Emergência do Hospital Municipal Rocha Faria (Foto: Divulgação Rio Saúde)

A Lei nº 8.936, de 12 de junho de 2025 foi sancionada pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) e publicada na sexta-feira (13) no Diário Oficial do Município, determina que as unidades de saúde da cidade do Rio de Janeiro sejam obrigadas a colocar placas ou cartazes com informações críticas ao aborto.

O Projeto de Lei nº 2486, de 2023, é de autoria dos vereadores Rogério Amorim (PL), Rosa Fernandes (PSD) e Marcio Santos (PV). Estão incluídos na nova lei unidades hospitalares, instituições de saúde, clínicas de planejamento familiar e outros estabelecimentos relacionados à saúde municipal. No texto do projeto de lei, os autores citam como justificativas as consequências para a saúde física e mental de quem faz aborto.

Os procedimentos relacionados ao aborto, sejam eles legais ou ilegais, podem ter sérias implicações para a saúde física e mental das pessoas envolvidas. É essencial que aqueles que enfrentam uma situação de gravidez indesejada tenham conhecimento completo sobre as opções disponíveis, os riscos associados a cada uma delas e as consequências a longo prazo de suas decisões”, diz o texto.

A lei determina que os cartazes ou placas devem ter as seguintes frases:

  • Aborto pode acarretar consequências como infertilidade, problemas psicológicos, infecções e até óbito

  • Você sabia que o nascituro é descartado como lixo hospitalar?”

  • Você tem direito a doar o bebê de forma sigilosa. Há apoio e solidariedade disponíveis para você. Dê uma chance à vida!”

Caso o gestor responsável pela unidade de saúde se negue a colocar os textos, a lei prevê advertência, seguida de multa de R$ 1 mil nos casos de reincidência. No ofício enviado ao presidente da Câmara Municipal do Rio, Carlos Caiado (PSD), o prefeito Eduardo Paes, que tinha o poder de veto, comunica ao chefe do Legislativo municipal a aprovação da lei.

Líder feminista critica lei municipal antiaborto

Segundo o Código Penal e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, o aborto é permitido em três situações: gravidez decorrente de estupro e estupro de vulnerável (menores de 14 anos); se há risco de vida para a mulher; e em caso de anencefalia fetal (não formação do cérebro do feto).

A enfermeira e líder feminista Paula Vianna, uma das coordenadoras do Grupo Curumim, uma organização não governamental (ONG) que defende os direitos das mulheres, faz duras críticas à nova lei municipal no Rio. “É um crime dar informação falsa sobre saúde”.

É com pesar enorme que o prefeito do Rio de Janeiro sancionou uma lei que traz informações falsas sobre o processo de abortamento. Sou enfermeira, trabalho há mais de 40 anos com a saúde das mulheres. É um desserviço enorme para a população. Informações que não são baseadas em evidências científicas, que não seguem o que a Organização Mundial da Saúde recomenda”, diz Vianna.

Segundo a OMS, o aborto é “uma intervenção de saúde comum” e é “muito seguro quando realizado com um método recomendado pela OMS, adequado à duração da gravidez e por alguém com as habilidades necessárias”. A organização defende ainda que a “falta de acesso a um aborto seguro, oportuno, acessível e respeitoso é uma questão crítica de saúde pública e direitos humanos”.

Estamos muito apreensivas com esse tipo de ação sobre uma pública que já é estabelecida com muita dificuldade, que é a política de atendimento à mulher vítima de violência sexual. Essas informações vão acarretar em prejuízos individuais e públicos”, afirma.

Ela ainda sugeriu políticas públicas de saúde que podem proteger o direito reprodutivo de mulheres e meninas, além de melhorias no sistema de saúde e no planejamento.

Tantas coisas a fazer para evitar que os abortos sejam feitos de maneira clandestina e insegura. Melhorar o planejamento reprodutivo do município, fazer oferta de métodos contraceptivos. É com isso que o prefeito deve se preocupar. E não em colocar informações falsas num momento que as pessoas estão mais fragilizadas”, complementa a líder feminista.

Com informações do MPRJ e Agência Brasil

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