A cada 15 minutos uma denúncia de intolerância religiosa é feita ao Disque 100, segundo dados da Rede de Assistência e Proteção Social do governo federal. No Estado do Rio de Janeiro, esse tipo de crime vem aumentando cada vez mais, especialmente contra os seguidores de religiões de matrizes africanas. No entanto, as vítimas ainda têm medo de ir às delegacias e os casos acabam sendo subnotificados.
Para mudar essa realidade, o estado deverá aumentar o número de delegacias especializadas em crimes religiosos e capacitar os profissionais que recebem as denúncias nesses espaços. Pelo menos essas são algumas das propostas que vão constar no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que investiga atos de intolerância religiosa.
Outra ofensiva contra os crimes de intolerância religiosa veio da Câmara Municipal do Rio de Janeiro nesta quarta-feira (25). Com o objetivo de defender e promover a liberdade religiosa e a existência da crença, do ateísmo e do agnosticismo como valores da democracia, o plenário da casa aprovou a criação do Conselho Municipal de Defesa e Promoção da Liberdade Religiosa (Complir/Rio).
Seu objetivo principal é definir políticas públicas, propor diretrizes, normas, instrumentos e prioridades para promoção e proteção da liberdade religiosa e combate à intolerância na cidade do Rio. O Conselho também deverá fomentar o desenvolvimento de ações sociais, econômicas, educativas e culturais, pesquisas e campanhas informativas sobre a liberdade religiosa e o combate à intolerância, dentre outras ações.
Defensor público: ‘policiais não saem lidar com as vítimas’
As sugestões de aumentar o número de delegacias especializadas em crimes religiosos e capacitar os profissionais que nelas atuam foram apresentadas à CPI da Alerj pelo coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio, Fábio Amado, em audiência pública no dia 17 de agosto. Segundo ele, é preciso criar equipes interdisciplinares nas delegacias para dar suporte às vítimas. “As pessoas chegam devastadas psicologicamente, nessas portas de entrada”, reiterou.
“Ao longo do nosso trabalho, identificamos esses dois graves problemas no combate aos crimes de intolerância religiosa. Muitos policiais ainda não sabem como lidar com as vítimas desses crimes e precisamos focar na expansão da interiorização das delegacias especializadas, para que mais pessoas se sintam seguras em denunciar”, frisou.
Outro problema é a falta de um programa de proteção aos religiosos que sofrem ataques. “O programa que nós temos hoje retira a pessoa do seu território, e isso, definitivamente, não é o que queremos no caso dos religiosos, que precisam ficar, em muitos casos, liderando seus centros ou igrejas”, explicou o defensor público. Segundo Fábio Amado, a Alerj já aportou recursos para que esse programa fosse instalado, mas a iniciativa precisa de aperfeiçoamento.
Intolerância religiosa pode levar a feminicídio, diz delegada
Presidente da CPI da Intolerância Religiosa na Alerj, a deputada Martha Rocha (PDT) disse que as sugestões apresentadas pela Defensoria serão apresentadas ao Executivo. E destacou que é necessário qualificar os profissionais das Delegacias de Atendimento da Mulher (Deam) e da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), para denúncias de intolerância religiosa.
“As mulheres, em muitos casos, sofrem ataques por parte dos cônjuges na criação religiosa dos filhos e isso é pouco falado. Um crime que começa com uma intolerância pode acabar em um feminicídio”, pontuou Marta, que é delegada e já foi chefe da Polícia Civil no Rio.
A delegada Waleska dos Santos Garcez, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Cabo Frio, na Região Litorânea, confirma: “Apesar de sofrerem ataques, elas (as mulheres vítimas de intolerância religiosa) não procuram a delegacia. Não acreditam que vão resolver o seu caso lá, muito por conta do medo”.
Para o procurador da República Jaime Mitropoulos, do grupo de trabalho Liberdade de Consciência, Crença e Expressão da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (MPF/RJ), existe uma demonização maior de religiões de matrizes afro-brasileiras. “Já constatamos no nosso relatório, enviado em 2020 a todos os Ministérios Públicos do país, que é uma questão nacional e racial. O racismo está diretamente ligado a esses crimes. E o número de casos de intolerância a religiões de vertentes islâmicas também está crescendo no país”, concluiu.
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Sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH), o futuro Conselho Municipal de Defesa e Promoção da Liberdade Religiosa (Complir/Rop) será composto paritariamente por 16 integrantes, entre representantes do Poder Público e da sociedade civil.
A iniciativa é objeto do Projeto de Lei (PL) 1534/2019, do vereador Átila A. Nunes (DEM), e segue para sanção do prefeito Eduardo Paes. O autor da proposta explicou que o Conselho não é deliberativo.
“É um órgão consultivo, que vai dar orientações, sem gerar qualquer gasto para os cofres públicos”, disse. Segundo o vereador, o Complir/Rio é mais uma instância democrática para que a cidade possa respeitar a fé e a crença de cada um.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a vereadora Teresa Bergher (Cidadania) elogiou a proposta e lembrou do caso ocorrido no último domingo, quando uma cerimônia online da Sinagoga Israelita em Botafogo foi invadida com a publicação de ataques contra a religião judaica. “Vemos a cada momento, a cada dia, manifestações muito graves, manifestações criminosas como esta”, relembrou.
Pastor evangélico, o vereador Inaldo Silva (Republicanos) também destacou a importância da iniciativa. “A gente precisa ter mais paz na nossa cidade, a gente precisa ter mais comunhão um com o outro, independentemente de religião”, discursou.
AGENDA POSITIVA
A CPI da Intolerância Religiosa na Alerj realizará audiência pública, nesta terça-feira (24/8), às 10h30, por videoconferência. Serão ouvidos o professor e orientador do programa de pós-graduação em História Comparada da UFRJ, babalaô Ivanir dos Santos; a defensora Daniele Silva, coordenadora do Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação da Defensoria Pública do Estado; e a professora Stela Guedes Caputo, do programa de pós-graduação e coordenadora do grupo de pesquisa Kékeré (ProPED/UERJ).
Com Alerj e Câmara (atualizada em 25/8/21)