A população em situação de rua parece só crescer nos últimos tempos no Rio de Janeiro, especialmente em períodos de alta temporada, calor intenso e grande circulação de turistas na cidade. Segundo a Prefeitura, havia em 2022 cerca de 7,8 mil pessoas vivendo nas ruas, em mais de 1,6 mil pontos mapeados, sendo 109 “cenas de uso de drogas”. Neste cenário, o município lançou nesta semana, às vésperas do Natal, um grande programa de acolhimento para estas pessoas, chamado ‘Seguir em Frente’, mas tem esbarrado em críticas severas de defensores de direitos humanos.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) disse que acompanha com atenção o plano relativo apresentado na última quinta-feira (21) pela Prefeitura, que prevê medidas de internação involuntária. O órgão diz estar preocupado com a possibilidade de violações de direitos humanos e que sejam acobertadas remoções forçadas e desrespeitada a política antimanicomial prevista na Lei federal que trata da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais.

Repudiamos qualquer ato de remoção forçada de pessoa em situação de rua, ainda que disfarçada de internação involuntária para suposta proteção à vida. Nos termos da Lei 10.216/01, que redirecionou o modelo assistencial em saúde mental e reconheceu que as pessoas em sofrimento psíquico ou com deficiência psicossocial são sujeitos de direito, a internação voluntária ou involuntária é medida excepcional e breve, lastreada em laudo multidisciplinar, devendo-se, sempre, priorizar estratégias de cuidado de natureza não invasiva, com a finalidade permanente de promover o direito à cidade e a reinserção psicossocial”, disse a defensora e coordenadora de Saúde da DPRJ, Thaisa Guerreiro. 

Em que casos a internação involuntária é prevista?

Segundo a Prefeitura do Rio, o programa Seguir em Frente pretende alcançar as 7,8 mil pessoas que vivem em situação de rua na cidade, conforme o levantamento de 2022. A internação involuntária estaria prevista nos casos de intoxicação grave, risco de suicídio, síndrome consumptiva avançada (perda grande de peso), atitudes agressivas, e qualquer situação de risco de vida iminente imediato, para si ou para terceiros.

O decreto diz que o encaminhamento da pessoa à unidade de saúde será feito independentemente de a pessoa viver em situação de rua ou não. O atendimento inicial será feito pelo Corpo de Bombeiros ou pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a avaliação sobre a necessidade de internação será feita pela equipe médica.

Na quarta-feira (20), a Defensoria Pública visitou, junto com a equipe da Secretaria Municipal de Saúde, a unidade de acolhimento da Praça da Bandeira e os equipamentos de saúde inaugurados neste sábado (23), em Cascadura, ambos bairros da Zona Norte. O objetivo foi conhecer melhor os espaços, entrevistar pessoas acolhidas e acompanhar ações.

A defensora Cristiane Xavier, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da DPRJ, avalia que é importante que o município passe a observar imediatamente as diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua, assim como as leis municipais que implementam ações que respeitam os direitos humanos dessas pessoas.

Saúde reserva 30 leitos de saúde mental para ‘internação emergencial’

Já a Secretaria Municipal de Saúde chama a medida de “internação emergencial” e diz que, para esses casos, a SMS disponibilizou inicialmente em sua rede 30 leitos de saúde mental em hospitais gerais. “A internação deverá ser informada ao Ministério Público e a outros órgãos de fiscalização. Após a alta, o paciente será direcionado a uma unidade de acolhimento ou, quando possível, ao seu domicílio”, diz a nota.
“Não podemos mais tolerar a pessoa caída na rua, sem socorro, sem assistência. As cenas que vemos nas cracolândias precisam de uma intervenção técnica e de muito cuidado. A internação emergencial acontecerá quando necessário e será muito curta, para que a pessoa saia daquela situação, e o Programa Seguir em Frente chega para ela logo depois da alta”, disse o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz.
Ele reconhece que o tema é polêmico. “Para muitos esse é um tema polêmico, mas para nós é um ponto de cuidado. É importante que a gente intervenha e re-humanize essas pessoas. O objetivo é que as pessoas sejam socorridas, cuidadas e que possam voltar às suas famílias e à sociedade.”

4 entre 10 que vivem nas ruas querem emprego

De acordo com o censo da população em situação de rua, realizado em 2022 pela Secretaria Municipal de Assistência Social, a  grande maioria das pessoas em situação de rua (82%) era de homens e quase 40% originários de outros municípios ou estados. Mais de 75% revelaram ter dormido nas ruas todos os dias no mês anterior e apenas 19% já haviam dormido em um abrigo público. Mais da metade já havia dormido em abrigos, mas voltou para as ruas. Perguntados sobre o que precisavam para sair da situação de rua, 41,2% responderam “emprego”.

O programa Seguir em Frente, lançado nesta semana, traz uma série de medidas de acolhimento, assistência social e saúde, para o cuidado e diagnóstico da população em situação de rua. O objetivo, segundo a prefeitura, é “criar condições para a ressocialização, promovendo a reinserção no mercado de trabalho e resgatando a cidadania dessas pessoas”.

Entre as medidas estão a implantação de um prontuário único de saúde e assistência social e a criação do PAR Carioca (Ponto de Apoio na Rua), no Centro, e da RUA Sonho Meu (Residência e Unidade de Acolhimento), integrada com o novo CAPSad III Dona Ivone Lara, em Cascadura, com funcionamento 24 horas.

As pessoas que desejarem serão encaminhadas para abrigos, unidades de moradia transitória ou de acolhimento adulto da Prefeitura do Rio. As diretrizes do programa foram estabelecidas por decreto do prefeito Eduardo Paes e traçam uma série de medidas para mudar esse cenário, envolvendo ações das secretarias de Saúde, Assistência Social e Trabalho e Renda.

“Esse é o nosso esforço para ajudar quem mais precisa. É muito bom ver esse trabalho e esse esforço. Não é uma tarefa simples, mas, acima de tudo, vamos mostrar que tem luz no fim do túnel, que dá para ser melhor, reconstruir e ter uma vida feliz”, afirmou o prefeito.

Antigo hospital dá lugar a abrigo para pessoas em situação de rua

O complexo de oito prédios do antigo Hospital Nossa Senhora das Dores, em Cascadura, zona norte do Rio, passa a receber a RUA Sonho Meu (Residência e Unidade de Acolhimento), para atender pessoas em situação de rua na cidade. A unidade foi inaugurada neste sábado (23), junto com o Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Outras Drogas (CAPSad) Dona Ivone Lara, no mesmo bairro.
A Rua Sonho Meu é a primeira unidade de acolhimento da Secretaria Municipal de Saúde neste molde e conta com dormitórios, banheiros, lavanderia, armários com cadeados e refeitório. Outras unidades serão abertas para atender a população em situação de rua e ampliar a capacidade de abrigamento do município.
O local é um centro médico com equipes multiprofissionais e oferece atividades físicas, de lazer e culturais, programas de capacitação ocupacional e geração de trabalho e renda. Tem áreas abertas de convivência, sala de informática, serviço para emissão de documentos. Os abrigados recebem kits de higiene e vestuário e poderão ter apoio para inclusão em programas de educação para adultos.
O complexo terá horta comunitária, onde os próprios abrigados poderão trabalhar e receber um pagamento proporcional pelas horas de execução das atividades. Eles também poderão executar outros serviços de interesse público, recebendo remuneração para isso.
A proposta é que, com a documentação em dia, o cuidado médico e de saúde mental e as novas ocupações aprendidas, essas pessoas possam ser encaminhadas para o trabalho formal, para a inserção produtiva por meio do empreendedorismo ou integradas em programas estaduais ou federais de emprego, criando assim condições para se manterem com autonomia e reintegradas à sociedade.
A unidade conta com atendimento veterinário do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária (IVISA-Rio) para esses animais, garantindo também vacinação e microchipagem, além de encaminhamento para castração gratuita nas unidades do IVISA-Rio.

CAPSad III Dona Ivone Lara funciona 24 horas

O CAPSad III Dona Ivone Lara terá funcionamento 24h e é especializado no atendimento de transtornos psíquicos decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas. Esse é o 36º centro de atenção psicossocial da cidade, oitavo especializado no tratamento de pessoas com dependência química. A unidade tem dez leitos para acolhimento noturno dos pacientes que precisam de um tratamento mais próximo e intensivo.
Renato Vaz Ribeiro, de 24 anos, está abrigado na unidade. Ao lado da esposa Roberta da Luz Pereira, de 32 anos, que se tornou deficiente visual morando na rua, ele exalta o atendimento que recebeu no CAPSad III:
“Passamos por situação de rua uma vez, nos estabilizamos, mas acabamos voltando para a rua, onde sofremos preconceito 24h por dia. Ainda mais sendo um casal. É a pior coisa que você pode imaginar. A importância disso aqui está escrito na placa: tratamento de álcool e drogas. O que nos deixou muito impressionado foi que, quando chegamos aqui, todo mundo perguntou como estávamos, nos apresentaram o lugar. Nós somos tratados como seres humanos e estamos sendo preparados para voltamos para o mundo bom”, declarou Renato.
Grande dama do samba, Dona Ivone Lara era enfermeira e trabalhou com a psiquiatra Nise da Silveira no antigo hospital psiquiátrico que hoje leva o nome da médica. Dona Ivone ajudou a criar uma rotina terapêutica e um tratamento mais humanizado por meio da musicoterapia, além de percorrer vários bairros do Rio em busca das famílias dos pacientes assistidos. A música “Sonho meu”, composta por ela, teve como inspiração os anos de trabalho em saúde mental.

PAR Carioca encaminha pessoas para abrigos

Na quinta-feira, 21, foi inaugurado o PAR Carioca (Ponto de Apoio na Rua), na Avenida Henrique Valadares, no Centro. Trata-se de um local de acolhimento da população em situação de rua, com funcionamento 24 horas de portas abertas, estrutura e serviços para o atendimento.

O espaço conta com banheiros, lavanderia, armários com cadeado e barbeiro, distribuição de kits de higiene e vestuário, atendimento pelas equipes do Consultório na Rua, ações de prevenção em saúde e de saúde mental, auxílio para emissão de documentos, atendimento veterinário para os animais com microchipagem e vacinação.

“Esse é um programa integrado, com várias faces. O objetivo é acolher as pessoas que estão em situação de rua, e a meta principal é que as pessoas possam ter um lar definitivo e voltar a ter seus vínculos sociais. Das 7.800 pessoas que estão em situação de rua, cada uma vai ter uma necessidade diferente e vai entrar numa fase diferente do programa”,  disse o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz.

Segundo ele, uma pessoa em situação de rua vive, hoje, com uma expectativa de vida de 41 anos, quando a média de vida do carioca é de 77 anos. São 36 anos de vida perdidos.

“A nossa intenção é valorizar as pessoas que mais precisam do estado brasileiro. São as que mais precisam de cuidado e, muitas vezes, não recebem todo o apoio necessário.  Nenhum outro problema de saúde pública tem uma perda tão grande na expectativa de vida. Nosso objetivo com o Programa Seguir em Frente é que essa população seja acolhida, cuidada, e que possam voltar ao convívio de suas famílias e serem reinseridas à sociedade e ao mercado de trabalho”, destacou o secretário de Saúde, Daniel Soranz.

Saiba mais sobre o programa Seguir em Frente

De acordo com a SMS-Rio, o programa Seguir em Frente é novo plano de ação e monitoramento para efetivação das medidas de proteção à população em situação de rua na cidade do Rio. A proposta do projeto é dividida em cinco fases sequenciais:
– Criar condições para que as pessoas saiam das ruas para unidades de acolhimento
– Promover o tratamento de saúde que cada um precise
– Dar ocupação remunerada, no próprio projeto, em atividades de interesse público ou em instituições parceiras
– Construir um futuro com a preparação para o mercado de trabalho e geração de renda
– Conquistar autonomia para deixar o programa e seguir em frente, reinserido na sociedade e com a cidadania resgatada.
Com Agência Brasil e SMS-Rio
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