Fátima Gonçalves Dias é filha de Amadeu, de 90 anos, um dos 41 pacientes do CTI que conseguiram sobreviver ao incêndio no Hospital Badim – outros 11 morreram por asfixia causada devido à inalação de fumaça tóxica e ao desligamento de aparelhos. Brigadista voluntária em sua empresa, Fátima defende os procedimentos adotados pelas equipes que evacuaram o hospital e prestaram socorro às vítimas na rua, do lado de fora, e numa creche vizinha, adaptada emergencialmente para receber os pacientes.
Foi um ato heróico eles terem conseguido salvar tantas vidas. (…) Também tenho uma tristeza profunda pelas perdas, pelas mortes e pelos familiares dos mortos. Eu sei que não é fácil “, escreveu ela dois dias após o ocorrido, no Facebook. Seu Amadeu, que estava internado no CTI do Badim, foi levado depois para o Hospital Quinta D´Or, onde se recupera.
Funcionária há mais de 10 anos do Badim, X. estava trabalhando quando surgiram os primeiros sinais do incêndio que chocou o país na última quinta-feira (12). Ainda abalada, ela não tem condições de falar sobre aquela trágica noite. “Foi tudo muito louco e muita tristeza. Precisamos de força para continuar e reconstruir”, resume ela.
Um funcionário contou sobre a operação de resgate dos pacientes no CTI. “Eram mais de 300 vidas. 104 pacientes internados, cerca de 200 funcionários. E 11 idosos entubados. Como poderia tirá-los de lá? Tinha que esperar os bombeiros chegarem. Quando falta luz, tem 10 segundos para se religar um aparelho. O gerador pegou fogo, faltou luz, a Light desligou a energia para que os bombeiros pudessem entrar em segurança. Como salvar as vidas de todos que estavam no CTI?”, questiona.
Ele lembra que quando começou a fumaça, ninguém sabia onde era e não se tinha ideia da gravidade e da extensão do problema. Os dois prédios do hospital – o antigo onde ocorreu o incêndio e o novo inaugurado recentemente – tiveram que ser evacuados.
Graças a uma escada externa construída no prédio novo foi possível resgatar muitas pessoas. Sabemos que tem 11 famílias destruídas, mas mais de 200 estão bem. Rezamos agora para que todos tenham alta e possam ir para casa. Muitos, infelizmente, ainda não poderão, pelos motivos que os levaram a estar internados”, explica.
Tragédia acende sinal de alerta sobre segurança em hospitais
O que aconteceu e por que aconteceu no Hospital Badim só a investigação policial e a perícia poderão esclarecer. Mas esta tragédia acende o sinal vermelho para a segurança de milhares de pacientes internados em unidades hospitalares públicas e privadas em todo o país. Já se sabe, por exemplo, que mais de 90% das unidades de saúde do município do Rio não possuem alvará do Corpo de Bombeiros.
O incêndio no Badim coloca em cheque, portanto, a questão da segurança em locais destinados a salvar vidas. E desse risco nenhum de nós – nem nossos parentes – podem estar livres. A tragédia nos traz várias reflexões. As janelas travadas por “questão de segurança”, uma medida comum nos hospitais para evitar acidentes e até suicídio de pacientes, pode também representar um risco numa situação de emergência? Afinal, o que uma tragédia como esta traz de lição a funcionários de hospitais, gestores e também órgãos que devem fiscalizar a segurança nos hospitais?
Enquanto muitos veículos de imprensa retrataram o caso com sensacionalismo, optando por criminalizar o hospital, antes mesmo da perícia, acreditamos que seja importante também mostrar o lado de quem teve seus parentes resgatados com vida – e agradecem pelo atendimento recebido pelos funcionários do hospital e equipes de outros hospitais públicos e privados que rumaram ao socorro dos pacientes. Um verdadeiro mutirão de solidariedade.
Por isso, ViDA & Ação selecionou o depoimento de Fátima para abordar esta tragédia – mais uma – no Rio de Janeiro. E torce para que sirva de alerta para gestores de hospitais de todo o pais e autoridades públicas de saúde. Afinal, ninguém procura um hospital para morrer e sim para salvar sua vida.
‘A gente consegue ver quanta solidariedade existe neste país’
“Esse aqui (foto) é o meu pai Amadeu, 90 anos, internado no Badim desde o dia 20 de agosto (dia do aniversário de 80 anos da minha mãe) até o dia da tragédia na última quinta-feira. Tenho um misto de sentimentos nesse momento. Gratidão a Deus e toda a equipe do Badim, funcionários, médicos, enfermeiros, que deram tudo para salvar o máximo possível de pacientes.
Eu sou brigadista na minha empresa há 3 anos, brigadista voluntária. Graças à Deus nunca precisei utilizar as minhas habilidades, somente em treinamento. Mas fiz o treinamento e sei o quanto é difícil você lidar com os espaços escuros, muita fumaça, calor intenso, evacuando pessoas desesperadas, despreparadas, sendo que na minha empresa todos os funcionários são treinados para evacuação. No caso de um hospital somente os funcionários são preparados para evacuação, os pacientes não só não tem forças, porque normalmente estão debilitados, como também não têm conhecimento.
Então foi um ato heróico eles terem conseguido salvar tantas pessoas. Eu não sou especialista não sou dos Bombeiros nem sou de segurança do trabalho (apesar de ser da CIPA). Estou dando a minha posição pessoal de uma pessoa que tinha um parente lá dentro. A minha irmã estava lá o tempo todo, acompanhou tudo e viu o que os médicos e enfermeiros fizeram pelas pessoas, pelo meu pai. Colocando ele na calçada, depois na creche e levando ele na ambulância. Instalando ele no Quinta Dor.
Então eu tenho uma gratidão profunda a Deus e a toda equipe do Badim. Também tenho uma tristeza profunda pelas perdas, pelas mortes e pelos familiares dos mortos. Eu sei que não é fácil. E uma gratidão também pelo que eu vi, pelo povo tijucano às pessoas que estavam ali, não só tijucanos, todas as pessoas que estavam no entorno, e que se prontificaram a ajudar levando água, lanterna, ajudando a empurrar as macas.
Num país onde cada vez as pessoas estão mais auto centradas, mais egoístas, a gente consegue ver quanta solidariedade ainda existe nesse país. Então é isso agradecer a Deus, aos seres humanos que se solidarizaram e apoiaram de alguma forma e minha solidariedade aos que perderam seus entes queridos. Gratidão #hospitalBadim” (Fátima Gonçalves Dias, pelo Facebook)
Um mutirão de solidariedade
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) ofertou ambulâncias e equipes. A SMS também cedeu cyanokits, medicamento utilizado no tratamento da intoxicação por cianeto (gás tóxico ao sistema respiratório).
No total, 14 vítimas haviam sido removidas, transportadas pelas 10 ambulâncias da rede municipal de Saúde para unidades particulares de saúde. Outros quatro pacientes (do sexo feminino) foram levados, por ambulâncias dos Bombeiros, para o Hospital Municipal Souza Aguiar, todos com quadros estáveis. Uma delas foi transferida para o Hospital Gaffrée Guinle e as outras três para hospitais particulares.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SedsoDH) disponibilizou equipes de assistentes sociais, psicólogos, advogados e especialistas em Direitos Humanos para atender não só as famílias, mas também funcionários e a direção do hospital. Interessados podem entrar em contato pelo Disque Direitos Humanos – 0800 0234567 – que funciona das 8 às 22h de segunda a sexta-feira e das 8 às 20h aos sábados, domingos e feriados.
Hospital tinha plano de contingência
A Polícia Civil concluiu, preliminarmente neste domingo (15), que um curto-circuito no gerador que ficava no subsolo do hospital deu origem às chamas. A perícia ainda fará testes numa peça do gerador que pegou fogo.
Ainda não se sabe como a fumaça tomou rapidamente todos os andares nem se o exaustor não funcionou adequandamente, dúvidas que devem ser respondidas pela perícia. A assessoria de imprensa do hospital informou que o tanque de diesel que alimenta o gerador está em área determinada pelo projeto da empresa fabricante, que segue os padrões de segurança.
O hospital tem plano de contingência que atende às normas regulamentadoras vigentes e exigidas pelas autoridades. Também possui brigada de incêndio, treinada regularmente e que atuou no momento do incêndio seguindo os devidos protocolos do Plano de Atenção e Emergência. Os brigadistas iniciaram o processo de evacuação do prédio antes mesmo da chegada do Corpo de Bombeiros, que assumiu o comando da operação de resgate assim que chegaram ao local”, afirmou em nota.
O Badim informou ainda que possui todos os equipamentos contra incêndio, conforme determina a legislação e todos funcionaram no momento: detector de fumaça, sprinklers, alarme etc. Como o próprio Corpo de Bombeiros informou em nota, o Hospital Badim possuía os alvarás de funcionamento atendendo às normas legais.
Em nota distribuída no sábado (14), sobre a situação das vítimas, o Badim informou que há um total de 59 pacientes internados e 18 altas registradas desde o comunicado anterior. O número de familiares e colaboradores internados segue no mesmo patamar (20).
“Ressaltamos que nem todos os pacientes internados são vítimas de inalação de fumaça. A maior parte segue internada mantendo o tratamento das patologias que motivaram suas admissões no Hospital Badim. O corpo clínico do nosso hospital continua acompanhando a evolução desses pacientes”, afirmou o diretor médico Fabio Santoro. “Continuamos recebendo numerosas manifestações de solidariedade. Nosso profundo agradecimento a todos”, completou.
O atendimento aos familiares, acompanhantes, pacientes e colaboradores atingidos está sendo prestado por meio do Grupo de Apoio Multiprofissional e o hospital mantém ativos canais de suporte aos familiares pelo whatsapp e por email.