A terapia com células CAR-T (sigla em inglês para Chimeric Antigen Receptor T-Cell Therapy), que ganhou destaque esta semana no Brasil com o anúncio de um caso de remissão completa do câncer em apenas um mês, já é realidade em mais de 30 países, beneficiando mais de 6.900 pessoas com câncer, e também chegou ao país, dando mais esperança aos pacientes brasileiros.
O procedimento inovador e inédito utiliza as células do sistema imune do próprio paciente para combater o câncer. Sem dúvida, é um avanço da medicina para tratar, de forma mais eficaz e assertiva, pacientes que apresentam doenças que até então tinham opções limitadas de tratamento, proporcionando-lhes mais qualidade e tempo de vida.
Agora com a chegada desta terapia ao Brasil mais pessoas com doenças hematológicas terão chance de um novo tratamento com possibilidade de cura. No Brasil, o primeiro produto disponível foi aprovado em novembro 2022 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O Kymriah® (tisagenlecleucel), da empresa Novartis Biociências S.A, é indicado para o tratamento de pacientes pediátricos e adultos jovens (até 25 anos de idade) com Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) de células B, refratária ou a partir da segunda recidiva. O tratamento está igualmente indicado para pacientes adultos com Linfoma Difuso de Grandes Células B (LDGCB) recidivado ou refratário, após duas ou mais linhas de terapia sistêmica.
Para a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), o tratamento com células T modificadas para expressar o receptor de antígeno quimérico (CAR-T) é uma modalidade de tratamento oncológico que avança no Brasil e no mundo e tem demonstrado taxas de resposta muito positivas na maior parte dos casos.
O tratamento tem apresentado bons resultados especificamente em casos de neoplasias hematológicas malignas, doenças refratárias ou recidivadas, como leucemia linfoblástica aguda (LLA), linfomas e mieloma múltiplo. Estudos em fases avançadas vêm sendo apresentados nos principais congressos médicos do mundo, incluindo o HEMO.
Entretanto, a ABHH esclarece que a terapia com células CAR-T ainda se encontra em fase de estudo para outros tipos de tumores.
“É importante ressaltar que o tratamento com CAR-T é uma opção terapêutica ainda não disponível no sistema público, e ainda de alcance limitado no sistema privado, para pacientes que já foram submetidos a outras linhas de cuidado”, ressalta a entidade.
Levar a terapia para o sistema público é um desafio
Esta terapia experimental, amplamente noticiada pela imprensa nos últimos dias, foi desenvolvida pelo Centro de Terapia Celular (CEPID-USP) e pelo núcleo de Terapia celular do Hemocentro de Ribeirão Preto, coordenado pelo médico Dimas Tadeu Covas.
Além dessas instituições, outras estão desenvolvendo a terapia para o sistema público, como é o caso do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Nacional do Câncer, com protocolos de acordo com o sistema regulatório brasileiro para terapias avançadas.
“É certo que, do ponto de vista científico, a comunidade segue otimista com a crescente de possibilidades, como temos observado em protocolos adotados pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Instituto Butantan e o Hemocentro de Ribeirão Preto”, afirma a ABHH.
Para a entidade, em relação ao acesso, ainda existe “uma longa jornada para percorrer” para que sejam disponibilizadas novas possibilidades ao maior número de pacientes. “A ABHH seguirá atenta para atuar onde se fizer necessário, buscando a qualidade e equidade no tratamento dos pacientes hematológicos”, completa a entidade.
A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) lembra que, nos últimos anos, “tem atuado ativamente como um dos grandes colaboradores e protagonista neste debate sobre produtos de terapia gênica, com participações de seus membros em encontros e discussões dessa área do ponto de vista técnico-científico e educacional”.
Mais recentemente, a ABHH atuou como orientadora de agências reguladoras para incorporações dessas novas tecnologias ao sistema de saúde. Um dos pontos altos dessa atuação ocorreu em 2021, quando a ABHH reuniu mais de 60 experts nacionais e internacionais do mais alto nível e publicou o inédito Consenso Brasileiro sobre Células Geneticamente Modificadas.
Elaborado por especialistas em doenças onco-hematológicas, hemoterapia, terapia celular e transplante de medula óssea, os artigos trazem recomendações sobre esta modalidade terapêutica.
Cobertura obrigatória pelos planos de saúde
“É a concretização de uma solução que a ciência vem buscando há décadas para estes pacientes que enfrentam doenças tão devastadoras, com base em pesquisas científicas e estudos clínicos e tendo cumprido todos os requisitos regulatórios para o registro no Brasil”, ressalta Lenio Alvarenga, diretor médico de Innovative Medicines da Novartis Brasil.
Como funciona a terapia
A terapia com células CAR-T faz parte de uma nova geração de imunoterapias personalizadas contra o câncer, que se baseiam na coleta e na modificação genética de células imunes dos próprios pacientes. É um tratamento totalmente individualizado e personalizado.
Consiste em um medicamento preparado com as células de defesa do próprio organismo do paciente (linfócitos T), que compõem o sistema imunológico e que, ao serem geneticamente modificadas em laboratório.
Segundo a Anvisa, é incluído um novo gene que codifica uma proteína específica (um receptor de antígeno quimérico ou CAR). Essa proteína direciona as células T para matar células do câncer que apresentem um antígeno específico (CD19) em sua superfície tornam-se mais ativos contra as neoplasias do sangue ao serem devolvidas para o paciente.
No caso do Kymriah®, as células são extraídas dos pacientes e enviadas para um centro de fabricação da Novartis nos Estados Unidos, onde serão manufaturadas e modificadas geneticamente em laboratório. As células são cultivadas e formuladas em suspensão farmacêutica para serem devolvidas ao paciente, por meio de uma infusão parecida com uma transfusão de sangue, para que possam combater o câncer.
O produto de terapia avançada para câncer hematológico, foi também aprovado por outras autoridades regulatórias, como a Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos; a European Medicines Agency (EMA), na Europa; e a Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), no Japão.
Hospital de Niterói foi o primeiro a usar nova tecnologia genética
A primeira terapia celular CART-Cell no Brasil, após a aprovação da Anvisa, aconteceu em um hospital do Estado do Rio de Janeiro, o Complexo Hospitalar de Niterói (CHN). O primeiro paciente foi um homem de 74 anos, portador de um linfoma difuso de grandes células B. Depois de passar por três diferentes tipos de tratamento sem sucesso, ele ganhou mais uma chance, com possibilidade de cura.
“Em 11 de novembro de 2022, o paciente fez a coleta das próprias células T no CHN, por meio de uma máquina – semelhante ao equipamento de hemodiálise – capaz de separar, em uma bolsa, os linfócitos, que são congelados e enviados para o laboratório da Novartis, nos Estados Unidos, onde passam a fabricar receptores de antígenos quiméricos específicos que vão reagir contra as células do tumor”, explica a médica hematologista Luciana Conti, responsável pelo atendimento junto com Jordana Ramires.
Jacques Kaufman, coordenador de Hematologia do CHN, explica que as células foram modificadas geneticamente e tiveram sua função potencializada, de modo que passaram a ter um alvo (o antígeno CD19) para atacar nas células malignas no organismo.
“Isso faz com que elas voltem a ser capazes de ‘enxergar’ e destruir o câncer. Essa terapia representa o maior desafio na luta contra a doença, que consegue driblar os mecanismos de resistência do sistema de defesa humano”, detalha.
Após a manufatura (modificação genética do linfócito T), o material retornou para o CHN em formato de medicamento injetável que foi infundido – processo semelhante a uma transfusão de sangue – no paciente no dia 9 de janeiro.
Luciana Conti explica que esse é um marco muito importante em todo o processo que envolve o tratamento CAR-T. Com a infusão, seguem-se os cuidados com equipe especializada, coordenada por ela, em conjunto com a equipe do CHN, para monitorar a toxicidade ao tratamento e posterior resposta, a ser documentada em três meses.
Hospital de Curitiba realiza primeira terapia CAR-T no Sul do País
O hematologista foi treinado em 2022 no Memorial Sloan Kettering, em Nova York, para trazer essa inovação para o HNSG, e está à frente do programa de terapia celular do Hospital Nossa Senhora das Graças. “Esse é um momento de muita alegria e esperança para muitos pacientes que já não tinham mais opções de cura”, diz Caroline Bonamin dos Santos Sola, hematologista do Instituto Pasquini.
Especialização é necessária para realizar a terapia CAR-T
Para a realização desse procedimento é necessário que os hospitais sejam especializados em Transplantes de Medula Óssea (TMO), com estrutura médica, multidisciplinar, estrutural e tecnológica adequada.
No Brasil, poucos centros de saúde estão habilitados para oferecer a terapia com célula CAR-T, que requer uma qualificação específica, de acordo com as resoluções da Anvisa e da Novartis.
Essa especialização confere as características necessárias para a aplicação desse tipo de tratamento, como experiência, protocolos internos alinhados, excelência do corpo clínico, infraestrutura e modernidade.
“A reação imunológica desencadeada com a infusão das células exige uma monitorização rigorosa. Uma equipe multidisciplinar precisa ser treinada especificamente para o cuidado desses pacientes em uma área dedicada, com infraestrutura completa”, conta Rogério Reis, diretor-geral do Complexo Hospitalar de Niterói.
Preciso do contato direto desse hospital pelo amor de Deus