A epilepsia é uma condição em que, por um determinado período, há um conflito no cérebro causado por descargas ou impulsos elétricos incorretos emitidos pelos neurônios, levando ao mal funcionamento do cérebro. O Dia Internacional da Epilepsia (Dia Roxo), lembrado em 11 de fevereiro, é uma data dedicada a ampliar a compreensão e o diálogo global sobre esse distúrbio neurológico crônico, ainda cercado de muitos estigmas.
Quanto ao tratamento, 95% dos indivíduos diagnosticados podem ser tratados com medicamentos, contudo, há casos em que é indicado realizar uma intervenção cirúrgica. O procedimento cirúrgico da enfermidade se resume na remoção da anomalia encontrada nos exames de imagem, após sua identificação, podendo ser menos invasivo ou de maior risco, dependendo da localização e das características da lesão.
A recuperação da cirurgia é similar a outras intervenções neurocirúrgicas, com cuidados como evitar esforço físico, realizar caminhadas com auxílio da equipe médica, como fisioterapeutas, e a higienização correta e recorrente do local operado. É importante ressaltar que o restabelecimento total pode levar meses”, esclarece Felippe Saad, neurocirurgião do Hospital Albert Sabin (HAS).
Como a cirurgia é realizada para melhorar o controle das crises em que a medicação não mais o faz, não é possível garantir a cura da epilepsia através do procedimento. “Após a operação, não é retirado totalmente os medicamentos do paciente, sendo necessária a observação por um determinado período para considerar uma diminuição progressiva. Contudo, em alguns casos, torna-se possível a exclusão desses medicamentos” finaliza o Dr. Saad.
Estimulação Cerebral Profunda traz esperança a pacientes
Um dos tratamentos mais avançados para a condição é a Estimulação Cerebral Profunda (ou DBS – Deep Brain Stimulation, na sigla em inglês), um procedimento que está transformando a vida de pacientes com epilepsia refratária. Esse tratamento minimamente invasivo tem sido estudado há anos e foi detalhadamente abordado na revista Epilepsia, uma das principais publicações na área.
Recentemente, a terapia passou por uma revisão sistemática, que identificou um aumento na eficácia ao longo dos anos. O procedimento envolve a implantação de eletrodos em áreas específicas do cérebro, como o núcleo talâmico ou o hipocampo, que são conectados a um neuroestimulador para modular a atividade neural. Esse aparelho recebe estímulos constantes, com o objetivo bloquear ou interromper os impulsos anormais de atividade elétrica no cérebro.
A DBS tem sido eficaz em reduzir a frequência e intensidade das crises, com efeitos adversos mínimos, provocando melhora na qualidade de vida para pacientes que enfrentam limitações severas”, explica Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia na Unicamp.
Diagnóstico do tipo de epilepsia é fundamental para determinar o tratamento
A epilepsia se manifesta por meio de crises epilépticas recorrentes, causadas por alterações na atividade elétrica do cérebro, e afeta pessoas de todas as idades, origens e estilos de vida. Existem dois tipos de epilepsia, a parcial e a total. No primeiro caso, essa emissão incorreta de sinais fica limitada a apenas uma parte do cérebro, enquanto no segundo, o cérebro todo é afetado.
Normalmente, dividimos o diagnóstico da doença em dois grupos, as primárias, que não é possível identificar a causa por exame de imagem, e as secundárias, onde há o reconhecimento de alguma lesão, má formação ou até mesmo um tumor cerebral, tornando-se assim, viável a realização de uma operação cirúrgica”, diz o médico.
A epilepsia, que se manifesta devido a descargas elétricas anormais no cérebro, afeta pessoas de todas as idades, origens e estilos de vida. As crises variam de convulsões generalizadas a episódios mais sutis, como movimentos involuntários localizados ou perdas momentâneas de consciência.
Determinar o tipo de epilepsia permite uma abordagem de tratamento mais eficaz. Embora as crises sejam controláveis em 70% dos pacientes com o uso de medicamentos antiepilépticos, pacientes com epilepsia refratária podem se beneficiar com tratamentos avançados. Nesse sentido, a DBS ganha força’, defende Valadares.
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Medicamentos x psicoterapia no tratamento da depressão em pacientes com epilepsia
O tratamento do transtorno com psicoterapia é eficaz? Um estudo concluiu que sim. Uma pesquisa demonstrou que tanto a sertralina (50-200 mg) quanto a psicoterapia cognitivo-comportamental (16 sessões) são eficazes no tratamento da depressão em pessoas com epilepsia, levando à melhoria da qualidade de vida e à redução da frequência das crises epilépticas.
Não houve diferença significativa no tempo para remissão entre os dois grupos, destacando a importância de abordar a depressão com medicamentos ou psicoterapia, ou combinando ambos para melhores resultados. As pessoas com epilepsia apresentam uma alta incidência de alterações psiquiátricas que podem estar relacionadas à própria doença (causa da epilepsia), a medicações anticrises e a fatores genéticos.
As alterações psiquiátricas mais comuns em pessoas com epilepsia são transtornos de humor: depressão e ansiedade. Os principais fatores de risco para depressão incluem falta de controle das crises e as limitações que elas acarretam, dificuldade de aceitar o próprio diagnóstico, desemprego, sexo feminino, baixo nível educacional, reduzida aderência aos fármacos anticrises, além do estigma social da doença. Efeitos adversos dos fármacos anticrises podem estar relacionados a alterações de humor.
Acesso a tratamento é mais difícil em países mais pobres
A epilepsia é uma condição altamente tratável, e aproximadamente 70% das pessoas com epilepsia poderiam viver livre de crises se tivessem diagnóstico correto e acesso aos tratamentos anticrises adequados.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a epilepsia acomete 50 milhões de pessoas de todas as idades ao redor do mundo – embora estudos sugiram que a cifra é ainda maior – e aproximadamente 80% delas vivem em países de média e baixa renda.
Infelizmente, nesses países, o acesso limitado a serviços de saúde e aos fármacos anticrises deixa uma grande proporção de pessoas sem tratamento, vulneráveis a acidentes, preconceito, estigma e mortalidade prematura.
Para minimizar a falta de tratamento e o estigma da epilepsia, a OMS aprovou, em 2022, o Plano intersetorial global de ação para epilepsia e outras alterações neurológicas. Esse plano reúne estratégias para promover o amplo acesso aos serviços de saúde que ofereçam cuidado e atenção integrais às pessoas com epilepsia, em todo o mundo.
Diagnóstico: reconhecendo sinais e conhecendo os principais exames
As causas da epilepsia são múltiplas e não completamente conhecidas, e incluem fatores genéticos, danos cerebrais provocados por traumatismos, infecções como meningite e encefalite, acidentes vasculares cerebrais, tumores e malformações congênitas.
Em crianças, a epilepsia muitas vezes está associada ao desenvolvimento cerebral, enquanto em idosos, as crises frequentemente estão associadas a doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson.
Dentre os sintomas de uma crise epiléptica estão:
- Movimentos involuntários e/ou repetitivos
- Contrações musculares intensas;
- Salivação excessiva;
- Mordedura da língua;
- Respiração ofegante;
- Perda de consciência.
O diagnóstico da epilepsia feito apenas por meio das manifestações clínicas não é o suficiente e, por isso, é imprescindível realizar exames neurológicos tais como o eletroencefalograma, a tomografia axial computorizada (TC) cranioencefálica e/ou a ressonância magnética.
Exames de imagem, como o encefalograma, que vai registrar as ondas cerebrais, e uma tomografia, por exemplo, para identificar se o paciente possui alguma lesão cerebral são essenciais para o correto diagnóstico da doença”, explica o neurologista do HAS.
Como enfrentar a estigmatização da doença
Empoderar e dar visibilidade a pacientes, diagnóstico, tratamento, cuidados, prevenção e pesquisa em relação a esse distúrbio é uma iniciativa fundamental para desmistificar essa condição neurológica frequente e, ainda assim, pouco compreendida.
Metade dos pacientes vão ser estigmatizados em algum momento. Por isso, o enfrentamento de uma crise epiléptica requer conhecimento por parte da sociedade. Durante uma crise convulsiva, é necessário proteger o paciente para evitar ferimentos, afastar objetos que possam causar acidentes e posicionar a pessoa de lado para prevenir sufocamento e deixar que a saliva escorra.
Jamais deve-se segurar seus movimentos ou colocar objetos ou os dedos em sua boca. “O ideal é permanecer ao lado do paciente e aguardar que a crise acabe, o que ocorre geralmente em até três minutos”, alerta o médico.
Com Assessorias