A Covid-19 não foi apenas uma pandemia que tirou milhões de vidas, mas também uma crise humana profunda, trazendo desafios que ultrapassam o campo da medicina. O momento nos fez refletir sobre os limites entre ciência e fé, entre o que cura o corpo e o que fortalece a alma. Durante esse período doloroso, muitos templos religiosos e espaços de espiritualidade foram fechados.
Até mesmo o gesto simbólico da “Paz de Cristo” nas igrejas católicas precisou ser substituído pelo silêncio e pela distância. Foi necessário. Mas ficou evidente que, embora a medicina seja um milagre para o corpo, nem sempre é suficiente para aliviar a alma. A pandemia nos adoeceu de várias formas: no físico, na mente, na emoção e no espírito. Para muitos pacientes, fé e ciência não são opostos, mas caminhos que se complementam.
A oncologista Clarissa Mathias, membro da Sociedade de Clínica Oncológica Americana (Asco), reforça essa visão ao afirmar, em entrevista ao Jornal O Globo (29/01/2025), que “os pacientes não separam fé e ciência”. Autora da publicação “Encontros com Espiritualidade” (Editora DOC), ela destaca como essa conversa tem ganhado espaço nos consultórios.
Na mesma linha, o pneumologista Blancard Torres, professor da Universidade Federal de Pernambuco e autor de Doença, Fé e Esperança, explica que a espiritualidade já pode ser explicada pela ciência. Segundo ele, sua prática libera neurotransmissores que conectam o cérebro a todos os órgãos, promovendo bem-estar e auxiliando na recuperação. Em entrevista à Radioagência (17/03/2025), ele defende que a espiritualidade pode ser um recurso aliado na medicina, mas alerta: “para colher seus benefícios, é preciso cultivá-la”.
Diante dessas evidências, o Conselho Federal de Medicina (CFM) criou a Comissão de Saúde e Espiritualidade para estudar como a fé e a religiosidade influenciam a saúde e a recuperação de pacientes. A coordenadora da comissão, a médica Rosylane Rocha, explica à Rádioagência:
A própria OMS (Organização Mundial de Saúde) já reconhece a saúde como um estado de bem-estar físico, mental, social e espiritual. O CFM quer entender, com base em estudos científicos, como a fé pode interferir positivamente na recuperação dos pacientes e até na prevenção de doenças, para que possamos orientar os médicos sobre esse tema.”
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Seguindo essa tendência, a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) anunciou a criação da Comissão Especial de Saúde e Espiritualidade, focada no impacto da espiritualidade na saúde, especialmente em alergias e doenças imunológicas.
Vários estudos mostram que a espiritualidade pode contribuir para a recuperação do indivíduo e para o enfrentamento das doenças”, reforça a coordenadora Valéria Soraya de Farias Sales.
Já a presidente da Asbai, Fátima Rodrigues Fernandes, destaca que essa iniciativa reforça o compromisso da entidade com uma medicina baseada em evidências, mas que reconhece a importância da integralidade do cuidado.
Mais do que nunca, a ciência abre espaço para entender aquilo que a humanidade já intuía há séculos: o corpo e a alma caminham juntos na jornada da cura.