O emocionante relato da atriz Guta Stresser, de 49 anos – que participou da série ‘A Grande Família’ na TV – sobre seu quadro de saúde, a esclerose múltipla passou a ser um dos temas mais comentados nas redes sociais. Além dela, as também atrizes Claudia Rodrigues, Ana Beatriz Nogueira, Selma Blair e Christina Applegate são portadoras da mesma doença neurológica, crônica e autoimune, onde as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares.

A doença é autoimune, caracterizada pela desmielinização da bainha de mielina, espécie de envoltório das células nervosas por onde passam os impulsos elétricos que controlam as funções do organismo. Esse dano gera interferências nessa transmissão e diversas consequências para os pacientes, como alterações na visão, no equilíbrio e na capacidade muscular.

No mundo, estima-se que entre 2 milhões e 2,5 milhões de pessoas convivam com a esclerose múltipla, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Federação Internacional de Esclerose Múltipla. De acordo com o Ministério da Saúde, a prevalência média da doença no Brasil é de 8,69 para cada 100 mil habitantes.  A ABEM (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla) estima que a EM atinge cerca de 40 mil brasileiros, geralmente jovens, em especial, mulheres de 20 a 40 anos.

Para auxiliar a compreensão do assunto, Silvio Pessanha Neto, neurologista/neurofisiologista e diretor executivo nacional do Idomed (Instituto de Educação Médica), explica que a Esclerose Múltipla é uma doença neurológica caracterizada por um processo inflamatório onde o sistema imunológico passa a não reconhecer estruturas do sistema nervoso como próprias e passa a agredi-las.

O principal foco deste ataque imunológico é uma célula responsável pela produção de uma “capa protetora” dos prolongamentos dos nossos neurônios, equivalentes a “fios elétricos”, comprometendo as suas funções. As áreas mais afetadas são o cérebro e a medula espinhal. Por esse motivo, os sintomas mais comuns estão associados a anormalidades na visão e movimento dos olhos, dormências, fraqueza, rigidez muscular, disfunção urinária e sintomas cognitivos leves.  

“Não há um agente causador reconhecido, sendo classificado como uma doença sem uma causa específica, mas existem fatores que aumentam o risco de desenvolvimento e gravidade da doença. Ter sofrido infecções virais severas; concentrações insuficientes de vitamina D por baixo grau de exposição a luz solar e ser tabagista, estão entre os principais fatores”, explica o especialista.

Trata-se de uma condição mais comum nas mulheres, com idade de início variando de 15 a 60 anos, tipicamente de 20 a 40 anos, e costuma evoluir com surtos e remissões, ou seja, momentos de “crise” e outros sem ou com poucos sintomas. “Em um grupo menor de pessoas, a condição pode já começar evoluindo com muitas sequelas ou passar para esse estágio progressivo no decorrer dos anos, principalmente se o paciente não estiver corretamente diagnosticado, acompanhado e medicado”, comenta Dr. Silvio Pessanha Neto.   

Como diagnosticar corretamente

Para adequada realização do diagnóstico, ao surgimento de qualquer um dos sintomas descritos anteriormente, o paciente precisa procurar um neurologista a realização de um exame físico neurológico minucioso, para descartar outras causas e solicitar exames complementares, caso necessário.

O diagnóstico definitivo se baseia em resultados dos exames de ressonância magnética do crânio e da coluna, além do exame do liquor, que é o líquido que protege a medula espinhal e é coletado na região lombar.  A maior incidência da Esclerose Múltipla em certas famílias e a presença de genes a ela relacionados, sugerem uma condição cuja predisposição ou suscetibilidade genética esteja presente.

Como se trata de uma condição que não tem cura ou uma forma clara de prevenção, é muito importante observarmos e estabelecermos alguns cuidados para garantir que os pacientes tenham uma melhor qualidade de vida por mais tempo.

“A ciência mostrou que os mais importantes pilares neste sentido são a alimentação saudável e a realização de atividade física regular, além, obviamente, do diagnóstico precoce e de um acompanhamento neurológico contínuo e qualificado, buscando retardar as eventuais sequelas causadas pela doença”, esclarece o médico.

Cannabis medicinal para a dor neuropática

Pesquisas recentes mostram que os Canabinoides podem ser eficazes na redução da dor neuropática que muitos pacientes com EM enfrentam. A disfunção cognitiva (percepção, atenção, memória e raciocínio) pode afetar até 80% dos portadores de Esclerose Múltipla e pode gerar efeitos colaterais como dificuldades em relacionamentos, com a família, manutenção de um emprego, o que acarreta queda na qualidade de vida.

Uma pergunta que surge é se o uso de produtos/medicamentos de Cannabis pode exacerbar essa condição. As publicações científicas, embora sejam poucas nesse quesito, mostram que não há efeitos psicotomiméticos (alterações psicóticas), sobre o humor ou nas condições cognitivas.

Os fitocanabinoides (extratos de Cannabis) ou medicamentos à base de Cannabis atuam em receptores (proteínas encontradas nas células), nos quais, a associação gera múltiplos sinais em todo o corpo. Esses sinais são revertidos em equilíbrio nas funções celulares. A literatura científica mostra que a combinação de canabinoides (Canabidiol – CBD e Tetraidrocanabinol – THC) é a melhor fórmula testada para aliviar os sintomas e reduzir a neuro-inflamação em experimentos com animais.

Nas pesquisas clínicas (estudos em seres humanos), existe comprovação positiva do uso de CBD+THC é vista em, basicamente, parte dos resultados. No entanto, a combinação ainda é vantajosa, segundo os autores, pois se deve ao fato de os compostos agirem sob efeito sinérgico. Enquanto o CBD reduz a quantidade de citocinas pró-inflamatórias, o THC parece ser mais eficaz na redução da espasticidade.

Em uma pesquisa com 28 pacientes portadores da doença com dor neuropática foi utilizado o medicamento Sativex (ou Mevatyl, spray indicado para o alívio da rigidez muscular associada à EM com 1:1 CBD:THC). 74% dos participantes responderam ao medicamento através de um escore de dor neuropática.

Em outra pesquisa realizada com 393 portadores de EM, duplo-cego, grupos paralelos, controlado por placebo, parte dos indivíduos utilizou Sativex (Mevatyl) com uma média de 8,8 jatos do spray/dia e outra parte utilizou um spray inerte. 50% dos pacientes do grupo Sativex apresentaram redução de 30% nos escores de dor, enquanto 45% dos pacientes do grupo controle apresentaram redução semelhante.

O medicamento Dronabinol também chegou a ser testado em portadores de EM em diferentes doses em relação ao grupo placebo e também, assim como o Sativex, se mostrou uma droga segura em tratamentos a longo prazo para reduzir a dor neuropática. O Dronabidiol é indicado para a dor neuropática na EM devido aos seus efeitos analgésico, sedativo, espasmolítico, antinflamatório e ansiolítico, todos contribuindo para a melhora da qualidade de vida.

Com Assessorias

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