Em março de 2022, o mundo voltou seus olhares para a aposentadoria de Bruce Willis, após o diagnóstico de afasia, um distúrbio de linguagem que afeta pessoas geralmente após doenças como o Acidente Vascular Cerebral (AVC). A partir da declaração do astro norte-americano, a procura por informações referentes à doença, sintomas e causas aumentaram exponencialmente.

Muitos ficaram intrigados com os efeitos do diagnóstico que simplesmente deleta de nossa mente alguns dos significados mais básicos. Como, por exemplo, não saber diferenciar a palavra “vendo”, no sentido do verbo ver, da palavra “vendo”, no sentido de vender. Assim como simplesmente esquecer o significado de uma palavra simples como “café”. 

Apesar de o caso mais conhecido ser o de Bruce Willis, o problema está bem perto de nós do que pensamos. Nôemia Vicente Macedo, mãe da jornalista Rosayne Macedo, editora do Portal ViDA & Ação, passou sete anos sem conseguir pronunciar os nomes dos filhos ou palavras e expressões básicas do dia a dia, após sofrer um grave AVC isquêmico aos 58 anos, até falecer de novos episódios da doença, em 2010.

Se considerar que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) o AVC atinge aproximadamente 15 milhões de pessoas no mundo e a afasia pode ser uma das sequelas, a questão pode ser ainda mais grave. E foi exatamente o que aconteceu há 11 anos com a empresária e atriz Sonia Reinol, 61, após também sofrer um derrame cerebral.

Sonia tinha uma vida bastante agitada no ramo de eventos, onde era responsável pelas negociações com os clientes, contratos e toda a parte de comunicação da empresa. Em uma manhã como outra qualquer, sofreu um AVC, ficando em coma por 14 dias e, após esse período, ao acordar, se deparou com a afasia como sequela. 

‘Seu corpo está lá, mas você não consegue falar com as pessoas’

“O seu corpo está lá, você está bem e sorrindo, mas não consegue falar com as pessoas e isso é muito doloroso. Eu fiz e faço de tudo para melhorar a cada dia. Fui em busca do teatro que me ajudou a ressignificar as palavras, o que é muito difícil. Mas meu esforço tem que ser diário, não posso desistir’’, conta.

Moradora da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, Sonia relembra que, no início do tratamento, era muito difícil aceitar e entender o que estava acontecendo com ela, pois conseguia compreender as coisas, porém, não conseguia repassar isso por meio da fala. Um dia, estava perto de um cartório e leu um anúncio falando sobre escola de teatro e simplesmente pensou que ali estaria parte do seu tratamento.

Começou a estudar todos os sábados por quatro horas. Mesmo com os esquecimentos ou com muito esforço para entender palavras que, para muitos, parece simples, ela conseguiu dar vida ao papel de Madame Clessi. Desta forma, ressignificou seu processo de cura, começando, assim, uma nova profissão.

Durante todo esse tempo lutando contra a afasia, a empresária encontrou na própria comunicação uma forma de expressar e conscientizar todos que passam por isso na família ou que estejam vivendo na pele, narrando sua história para o jornalista Paulo Miller para a criação de seu livro A Filha do Rei. Com a obra, ela espera dialogar com o público para que entendam melhor o sentimento e os desafios do dia a dia de uma pessoa com afasia e não só a doença em si.

Confira o depoimento de Sonia Reinol ao ‘ViDA & Ação’:

O mês de junho é dedicado à conscientização sobre a afasia, um distúrbio de ordem neurológica e com impacto direto sobre a comunicação, mais especificamente a linguagem do indivíduo. Essa condição afeta a capacidade das pessoas de ler textos, falar, entender falas, diferenciar sons e escrever. 

Bastante comovida com sua história, ao lembrar também de sua mãe, a editora do Portal ViDA & Ação ficou impressionada com o caso de Sonia Reinol e sua recuperação a partir de seus próprios esforços e da ajuda das artes cênicas. E lhe pediu um depoimento de próprio punho, por meio de sua assessoria. Confira abaixo, na íntegra, a comovente história de Sonia:

‘Quem olha para mim jamais pensa que tenho alguma sequela de AVC’

Por Sonia Reinol

“Sou uma pessoa alegre e comunicativa e por esse motivo sempre tive facilidade em trabalhar com o público. Comecei minha carreira trabalhando em bancos e depois de 15 anos atuando nessa profissão, decidi por empreender e me tornei empresária da área de eventos. Eu estava super realizada, meu negócio estava indo muito bem. Eu era responsável pelos contratos, fazia todas as negociações, participava dos eventos, conversava com todo mundo, tinha uma vida bem agitada.

Um dia estava tomando banho quando senti uma dormência no braço esquerdo, fiquei com uma sensação horrível, mas fui dormir e depois disso só me lembro de estar acordando no hospital. Tive um AVC e fiquei 14 dias em coma. Durante várias avaliações médicas, descobriu-se que o AVC tinha me deixado com uma sequela, a afasia. Acredito que a parte mais difícil foi entender o que estava acontecendo.

Acordei no hospital e sem dores, eu via todo mundo conversando, mas era como se todas as pessoas estivessem falando um outro idioma do qual apenas eu não conseguia dominá-lo. Eu compreendia o que era dito e acreditava que quando comunicava estava sendo clara, a questão era que eu trocava as palavras, falava coisas sem sentido. Internamente, eu estava pedindo uma xícara de café, mas quando eu falava, na verdade, estava pedindo coisas sem sentindo.

Quando minha família entendeu o que estava acontecendo, me encaminharam para a fonoaudióloga. Somente depois de começar o tratamento, fui me dando conta da dificuldade, do que estava acontecendo comigo e só então as coisas começaram a melhorar. A aceitação foi o passo primordial para mudar a situação. Uma vez que não poderia mudar a realidade, escolhi mudar como lidar com ela.

Tenho uma personalidade forte, nunca desisto de nada e não era agora que eu iria desistir. Então, resolvi fazer disso a motivação, passei a fazer tudo ligado a arte: teatro, música, instrumentos musicais, tudo com o intuito de me comunicar por essas vias.

Me lembro que fiz o papel de Madame Clessi, durante as comemorações de 100 anos de Nelson Rodrigues. Foi um desafio e tanto. Havia uma palavra que a personagem dizia sempre. A palavra era “vendo”, no sentido do verbo vender e eu não conseguia dizer ou entender a palavra. Foram dois meses de muito trabalho até fazer sentido.

Durante todos esses anos de tratamento e de ressignificação, sempre olhei para minha história com muito orgulho, mas sempre pensei que eu poderia falar mais sobre a doença e informar mais as pessoas. Imaginem um dia acordar, estar com seu corpo cheio de energia e saudável, mas você não pode mais comunicar, negociar, conversar com um amigo ou com seu sócio.

Então, durante a pandemia, no momento que o mundo parou, resolvi conversar com um jornalista brilhante chamado Paulo Miller. Contei toda a minha história e com a ajuda dele e de muito trabalho, conseguimos escrever minha história em um livro chamado “A filha do rei”, o livro conta minha jornada, singular e inspiradora. Nesse livro, compartilho minhas experiências de vida para que as pessoas saibam prosseguir, mesmo quando os obstáculos parecem bem maiores do que você pode dar conta.

Hoje, sempre que consigo espaço, falo sobre a afasia e uso a minha história e a minha luta para incentivar pessoas a não desistir. Conheço bem a sensação dessa sequela e convivo com ela diariamente. Então, seja com o livro, com o teatro ou em entrevistas, quero levar essa mensagem de superação e de conscientização para essa doença que pode acontecer com qualquer um e em qualquer momento da vida”.

‘Eu Acredito em Contos de Fadas’

Sônia foi convidada pelo premiado diretor Bruno Pereira, para fazer o filme ‘Eu Acredito em Contos de Fadas’, em que ele divide a direção com Monik Macedo.  Lançado em parceria com a Telefilmes e Blessed Produções, o filme está nas plataformas de streaming como Amazon Prime Internacional, Apple TV, VIVO PLAY, NET NOW, YOUTUBE TV, além de festivais nacionais e internacionais de cinema. O filme ficou no top 3 na semana de lamacento no NOW da Net.

No filme Sônia faz a Vovó Bruxa, uma bruxa muito doida que faz de tudo por sua neta, tentando explicar que ela deve seguir os passos da família. O problema é que Malvadinha (Taby) não quer um final triste, mas um príncipe e um final feliz. O filme fala sobre o poder de escolha nas nossas vidas, que não precisamos seguir os mesmos passos se não quisermos os dos nossos pais, além de falar sobre a juventude, que não está mais lendo livros e tem pouco contato com os pais.

Esse é o segundo trabalho de Sônia com Bruno Pereira. Ela já participou do espetáculo ‘Jovens Heróis’, onde fez a vilã, uma diretora da escola perigosa que veio da Rússia. E agora ela está escalada para o terceiro trabalho juntos: ‘Colégio Girassol’, onde ela fará a dona da escola. O filme tem previsão de ser rodado em julho, e lançado até o final do ano.

Serviço

Livro: A filha do Rei

Autora: Sonia Reinol

Editora: Novas Notícias

Páginas: 176

Preço: R$ 30

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