Técnicos em saúde bucal, um total de 12,5 mil profissionais, são os mais vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus em sua atividade profissional. O risco de contágio é de 100 em função do ambiente e da proximidade física com os pacientes. É o que mostra o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). Os pesquisadores mapearam o risco de contaminação nas várias áreas de atuação dos trabalhadores brasileiros.
O estudo, divulgado na semana passada, mostra que 2,6 milhões de profissionais da área de saúde apresentam risco de contágio acima de 50%. Já os vendedores varejistas, operadores de caixas, entre outros profissionais do comércio que, juntos, somam cerca de 5 milhões de trabalhadores no país, apresentam, em média, 53% de risco de serem infectados.
No setor de transportes, o risco também é alto. Entre os 350 mil motoristas de ônibus urbanos e rodoviários, o risco de contágio é superior a 70%. Os professores também estão no grupo de profissionais mais afetados, com um índice de risco acima de 70%. A suspensão das aulas em todo o país, no entanto, reduziu esse índice.
Entre os menos vulneráveis, estão os intelectuais e aqueles profissionais que realizam trabalhos voltados para o setor artístico, por exercerem atividades de forma quase solitária. O risco de contágio é, em média, 19% entre roteiristas, escritores e poetas, por exemplo. Os mais de 14 mil operadores de motosserra, cuja maioria trabalha nas áreas rurais, apresentam risco de 18%.
O mapeamento inclui mais de 2,5 mil ocupações e abrange todo o país. A metodologia usada é a mesma empregada pelo New York Times, nos Estados Unidos. Os pesquisadores usaram a Classificação Brasileira de Ocupações, do Ministério do Trabalho, e a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério da Economia e avaliaram o contexto de trabalho das ocupações, com foco nas consequências do coronavírus.
O pesquisador do Laboratório do Futuro da Coppe/UFRJ, Yuri Lima, afirma que o estudo pode ser usado pelos setores público e privado para proteger os trabalhadores da covid-19 e também para traçar planos para reduzir o desemprego após a pandemia. Setores que são considerados essenciais, como o de alimentação e parte do comércio que trabalha com venda de alimentos, têm um risco bem considerável. Essas pessoas que estão nessas ocupações estão em risco e também precisam ser protegidas”, disse ele à Agência Brasil.
Segundo ele, a pesquisa mostra também a importância das medidas de distanciamento social. Sem elas, “uma grande parcela da população que está trabalhando ou que poderia estar trabalhando estaria em risco”, alerta.
Economia digitalizada e automatizada
Na opinião do pesquisador, as mudanças ocorridas no trabalho vão acelerar um processo de digitalização da economia, já que cada vez mais os serviços são feitos pela internet, por aplicativos.
Algo que se intensifica nesse momento e acaba virando um novo normal. A gente está passando agora por uma dependência maior desse tipo de intermediação digital e a tendência é que isso permaneça em um nível mais alto depois que isso passar. Então, a gente pode esperar uma economia mais digitalizada”, explica.
Ele também alerta para um crescimento muito maior da automação, que substitui os trabalhadores pelas máquinas. “Vai haver um interesse de parte das empresas, principalmente das grandes que têm recursos para se manter nesse momento, de substituir parte dos trabalhadores por máquinas, na medida que é necessário fazer isso para manter a produção corrente, para não parar uma fábrica. Quando se faz um investimento em automação, isso não é algo que você vai jogar fora daqui a três ou quatro meses. É uma coisa que vai permanecer”.
Desemprego e redução de salário
Segundo ele, independentemente das medidas a ser tomadas pelo governo, vai haver redução no mercado de trabalho, com mais pessoas desempregadas. “O que gente pode fazer é mitigar esse impacto”, ressalta. O impacto também será grande na renda real dos trabalhadores, que já apresentava estagnação antes da pandemia.
Em um período de crise, isso tende a piorar, porque menos pessoas vão conseguir trabalhar. Tem uma redução da renda das pessoas, até pelas propostas que foram feitas, tanto para os trabalhadores formais quanto para os informais. Elas representam uma redução do salário, que tende a permanecer depois desse período, até pela alta taxa de desemprego. A gente vai ter uma concorrência maior no mercado e isso joga os salários para baixo”.
Ainda na avaliação de Yuri, certas ocupações dificilmente vão ser mantidas nesse momento. “É difícil, mas acho que cabe uma reflexão por parte dos trabalhadores de olhar essas informações, não só o que a gente tem feito, claro, mas de qualquer outra fonte confiável, de que tipo de área é possível atuar, que tipo de caminho e formação a pessoa pode buscar no sentido de fugir das atividades que estão mais em risco – tanto pelo contágio e desemprego, tanto pela digitalização quanto pela automação”.
Rede de apoio a empregos e empresas
Para manter as pessoas empregadas, será necessário aumento de dívida pública, com mais recursos para isso. O governo terá que identificar quem são essas pessoas que estão ficando desempregadas e como manter pessoas trabalhando em ocupações que não vão ser afetadas, ou que têm menos risco de contágio. “Depois que passar esse momento de distanciamento social, fazer o possível para a gente ter uma boa transição, uma transição segura para um estágio mais intermediário”, disse.
Ele considera que será necessário criar uma rede de apoio às pessoas que perderão seus empregos. “A gente não pode acabar (com os empregos) achando que isso vai ser um momento romantizado, que os trabalhadores vão ter oportunidade de aprender. Isso não acontece sem que haja um bom apoio das empresas e do governo. Entram também os sindicatos, as universidades, toda essa rede de formação e de apoio aos trabalhadores e às empresas”.
Da Agência Brasil, com Redação