Diagnosticado dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o estudante Felipe Seraine, de 11 anos, foi uma das primeiras crianças do Brasil a ser imunizadas contra a dengue no Sistema Único de Saúde (SUS). Acompanhado da mãe, ele chegou cedo à Unidade Básica de Saúde (UBS) 01 do Cruzeiro, área central de Brasília, e teve preferência na fila. “Doeu, mas foi médio. Tive que vir, né? Não tive muita escolha”, brincou.
Com o início da imunização na capital federal, o Brasil se torna o primeiro país no mundo a incorporar a vacina contra a dengue na rede pública. a ministra da Saúde, Nísia Trindade, avaliou o momento como histórico. “Há 40 anos, se espera uma vacina para a dengue. Tentamos trabalhar, já havia vacina desenvolvida, mas não tão bem sucedida. Agora, temos uma vacina incorporada ao SUS”.
Felipe, que cursa o 7º ano, contou que nunca teve dengue, mas lembrou que a mãe já foi infectada pelo vírus três vezes – e ainda se recupera da infecção mais recente. “Não me arrependi de ter tomado a vacina. É pra não morrer, né? Porque o mosquito mata. Já tivemos 12 mortes [no Distrito Federal este ano]. Tem que se proteger da dengue”.
Mãe de Felipe, Helena Seraine confirmou a terceira infecção por dengue recentemente. “Virei para-raio”, brincou. “Dessa vez, foi mais leve que as outras duas porque não tive febre. Mas o corpo parecia ter sido atravessado por um caminhão. É difícil fazer qualquer coisa. Essa semana, não estávamos nem saindo de casa. Saí hoje só pra trazer o Filipe”.
“Se a gente puder proteger o máximo possível, melhor. Estava vendo as pesquisas e a vacina tem 79% de eficácia. Vale a pena. É melhor que ficar tentando com a sorte. Melhor proteger do que, depois, ficar correndo desesperado com criança pro hospital. Adulto ainda aguenta um pouco. Criança é mais complicado.”
Onde a vacinação contra a dengue vai chegar
As doses começaram a ser distribuídas às 8h da manhã desta sexta-feira (9) para crianças de 10 e 11 anos, em um total de 15 unidades básicas de Saúde (UBS) do Distrito Federal. Todas estarão abertas durante os dias de Carnaval e não há necessidade de agendamento para tomar a vacina. Aos poucos, a vacina começará a ser estendida também para crianças e adolescentes até 14 anos, à medida em que novas doses chegarem, como informou o Ministério da Saúde.
Em todo o Brasil, 521 municípios foram selecionados pelo Ministério da Saúde para iniciar a vacinação na rede pública. As cidades compõem um total de 37 regiões de saúde que, segundo a pasta, são consideradas endêmicas para a doença. Goiás e o Distrito Federal já receberam as doses contra a dengue destinadas a crianças de 10 e 11 anos.
As 212 mil doses distribuídas entre o Distrito Federal e Goiás chegaram na tarde da última terça-feira (6). “Deu para esses dois estados”, informou a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ethel Maciel. Segundo ela, um novo quantitativo, que chegou na tarde dessa quinta-feira (8), será liberado ao longo dos próximos dias para mais municípios.
Carnaval não vai interromper a campanha
Ethel afirmou que a pasta não vai interromper as atividades relativas à imunização contra a dengue durante os dias de folia e que a distribuição de novas doses vai acontecer mesmo em meio ao carnaval. “Estamos dependendo da empresa, Eles enviaram o cronograma, mas não sabemos se será efetivado. Temos que ter muita cautela”, disse, ao se referir ao laboratório Takeda, fabricante da Qdenga.
Até o fim de março todos os 521 municípios brasileiros selecionados devem receber as doses destinadas a esse público inicial. À medida em que novos lotes forem chegando ao país, a pasta vai ampliar a faixa etária a ser imunizada, até chegar aos 14 anos.
“Mesmo sem epidemia, nós começaríamos essa vacinação porque a dengue é um problema de saúde pública há muito tempo. Neste momento, é muito importante falar dessa conquista que é termos uma vacina”, reforçou a ministra da Saúde, Nísia Trindade.
Esforços para ampliar produção da vacina no Brasil
Segundo Nísia Trindade, a pasta trabalha em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e outros laboratórios nacionais para ampliar a produção da vacina, atualmente fabricada pelo laboratório japonês Takeda. “Vamos apoiar também a vacina do Instituto Butantan, que ainda não foi submetida à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária].”
“Como eu disse, a gente começaria a vacinação mesmo sem surto epidêmico porque finalmente temos uma vacina vista como eficaz, segura. A gente está contribuindo também, no Brasil, com estudos que estão sendo feitos para avaliar a dose para outras faixas etárias. É um trabalho que envolve muitas frentes”, completou.
A previsão do ministério é de que os casos da doença no país ultrapassem os 4 milhões este ano. “Nunca chegamos a esse número. Por isso a preocupação”, reforçou ecretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ethel Maciel. “A dengue é uma doença que conhecemos. O controle do vetor é difícil, por isso a vacina é uma conquista. Mas precisamos diminuir os óbitos”.
Segundo a secretária, os sinais de alerta para a doença incluem vômitos persistentes e dor abdominal. Nesses casos, a orientação é buscar um serviço de saúde o mais rápido possível. Como o tratamento para a dengue consiste basicamente na hidratação do paciente, ela destacou: qualquer sinal que impeça a pessoa de estar hidratada é um sinal para procurar auxílio médico.
‘Espero que vocês não peguem dengue’, diz menina
A ministra da Saúde pediu às crianças que foram vacinadas em Brasília para que ajudem como ‘agentes’ na conscientização sobre a doença nas escolas. ‘Vocês, nas escolas, nos ajudem na campanha de combate aos focos do mosquito [Aedes aegypti] . Também vamos estar atentos aos sinais da doença, para não nos automedicarmos, cuidarmos da hidratação. Estas são as mensagens mais importantes neste momento”, afirmou Nísia.
A estudante Helena Cunha, 10 anos, também recebeu a dose contra a dengue nesta sexta-feira (9), disse que tem feito o ‘dever de casa’. “Eu evito água parada e janelas abertas pra não entrar o mosquito, principalmente no fim da tarde”, contou. Sobre a vacina, disse, orgulhosa: “É bem tranquila, As vacinas nos protegem de várias doenças que podem causar reações no nosso corpo”. A menina, que cursa o 5º ano, deixou um recado aos amigos: “Colegas, espero muito que vocês estejam bem e que não peguem dengue. Se imunizem”.
Mãe de Helena, Tereza Cristina Cunha confirmou que a família toma os devidos cuidados para evitar a proliferação do mosquito Aedes aegypti. “Compramos repelentes, cuidamos da questão das janelas. Não temos nem planta em casa por isso. Não sabemos a reação do corpo se a gente pegar dengue.” Sobre a imunização, ela disse estar muito contente por ter a filha como uma das primeiras a receber a vacina.
“Fiquei muito feliz. Helena entrou para história do Brasil como uma das primeiras crianças que foram imunizadas com essa vacina. Sou uma pessoa que cuida muito dos filhos. Acho que tem que vacinar sim, tem que dar importância à saúde da família. Fiz questão de trazer no primeiro dia para não correr o risco de faltar doses e ela não conseguir ser imunizada”.
O estudante Ruan Guilherme Barbosa, 11 anos, contou que chegou tranquilo à UBS para receber a dose contra a dengue. “Não estava com medo. Foi importante vir. Tem que se prevenir, né?”, disse. Sobre a picada com a agulha, ele disfarçou: “Doeu tipo formiga de fogo. Aconselho meus colegas a virem. Tem que se prevenir. Venham se vacinar porque é muito importante”.
Além dos imunizantes, o governo do Distrito Federal anunciou o aumento do número de tendas de acolhimento para pacientes com suspeita de dengue – passando de nove para 18. O objetivo é expandir o atendimento à população diagnosticada com a doença e desafogar os hospitais da rede pública de saúde.
A previsão é que as novas instalações comecem a funcionar a partir do fim da próxima semana nas seguintes localidades: Vicente Pires, Varjão, Gama, Taguatinga, Guará, região central do Plano Piloto e Paranoá. Ceilândia e Samambaia também serão beneficiadas e vão ganhar mais uma tenda de acolhimento cada.
Depois da Tijuca, Rio abre novo polo de dengue em Botafogo
Belmira Figueiredo, de 70 anos, foi uma das primeiras pacientes atendidas no polo de atendimento de dengue na Policlínica Hélio Pellegrino, na Tijuca, na manhã desta sexta-feira (9). Com febre e mal-estar, a aposentada teve atendimento médico e recebeu o resultado do exame de hemograma em menos de duas horas: “O atendimento foi ótimo. Foi tudo muito rápido, a equipe é excelente”, disse ela.
O polo de dengue da Tijuca é o oitavo inaugurado esta semana pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS-Rio) para o enfrentamento da epodemia de dengue. Os outros já estão funcionando nos bairros de Curicica, Campo Grande, Santa Cruz, Del Castilho, Bangu, Madureira e Complexo do Alemão. Neste sábado (10) será inaugurada a unidade de Botafogo. Durante o carnaval, os polos funcionarão todos os dias, das 7h às 19h.
“Os polos foram preparados para fazer até 200 atendimentos por dia com celeridade. O objetivo é fazer toda a jornada do paciente com dengue dentro desses polos. A pessoa passa pela classificação de risco, se tem sinal de alarme ou de choque, ela vai direto para a hidratação. Se não tem esses sinais, é feito o hemograma e, com o resultado, definimos o melhor tratamento para o caso”, explicou o subsecretário de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde, Renato Cony.
Com Agência Brasil e SMS-Rio