Enquanto o Governo do Estado do Rio de Janeiro quer determinar um feriadão de 10 dias, com direito até a abertura de bares e restaurantes, as prefeituras do Rio e Niterói resolveram decretar um semi-lockdown a partir de sexta-feira (26/4) e até o dia 4 de abril (domingo de Páscoa). Apenas serviços essenciais terão atividades presenciais.

Os prefeitos Eduardo Paes (DEM-RJ) e Axel Grael (PDT-Niterói) anunciaram nesta segunda-feira (22/3) medidas duras e impopulares, porém, necessárias para preservar vidas humanas em meio a um colapso na saúde por conta do recrudescimento da pandemia do novo coronavírus. Juntas, as duas cidades têm mais de 7,2 milhões de habitantes, o que representa 60% de toda a população da Região Metropolitana e 42% da população do Estado do Rio.

As medidas de Paes e Grael proíbem shoppings, escolas, creches e universidades de funcionar. Museus, galerias, cinemas, teatros, boates, danceterias, parques de diversões e salões de beleza ficarão fechados. As praias cariocas – que ficaram fechadas no último final de semana – também continuam proibidas.

Bares e restaurantes só poderão funcionar em sistema de drive thru ou delivery durante o período de 10 dias. Já as igrejas permanecerão abertas, com capacidade reduzida, distanciamento social e protocolos sanitários. Hotéis também podem permanecer abertos, mas com serviço de alimentação restrito somente a hospedes.

O comércio em geral deve permanecer fechado. Supermercados, comércio atacadista, farmácias, pet shops, bancos, casas lotéricas, serviços médicos e funerários e transportes públicos funcionarão normalmente. Atividades industriais, lojas de material de construção e de autopeças, locação de carros, oficinas mecânicas e bancas de jornal também estão autorizados.

‘Castrofolia, a micareta do governador’

Antes da coletiva, em suas redes sociais, Paes chamou de “castrofolia” a proposta do governador Claudio Castro de permitir que bares e restaurantes funcionassem durante o feriadão forçado. “Castrofolia, a micareta do governador. Definitivamente ele não entendeu nada do objetivo das medidas que devem ser tomadas”, escreveu o prefeito.

Paes lamentou a falta de um consenso entre municípios e Estado em torno do problema, um ‘entendimento metropolitano’. Ele ainda explicou que todas as medidas são amparadas em critérios técnicos propostos pelos comitês científicos montados pelos dois municípios mais populosos do Estado. São 6,748 milhões de habitantes na capital e 515.317 em Niterói.

Segundo Paes, é muito difícil tomar medidas sanitárias rigorosas “sem que todas as autoridades falem a mesma voz”. Mas ressaltou que os prefeitos são aqueles que estão mais próximos da realidade das pessoas e, portanto, mais conscientes da gravidade da situação em suas redes hospitalares.

“Buscamos estabelecer consensos, mas a ciência e os especialistas é que devem nos mover neste momento”, disse Paes. Lembrou que a reunião desta segunda reuniu dois ex-ministros da Saúde, reitores da UFRJ, Uerj, UFF, além de representantes da Fiocruz e Ministério da Saúde, que cobraram medidas mais duras. “Tomamos decisões que podem ser incompreendidas num primeiro momento, mas depois vão entender que é para salvar vidas”, comentou.

Vacinação continuará todos os dias

“Todas as atividades essenciais estarão funcionando, a vacinação (contra a Covid-19), que é o que temos hoje de mais sagrado, vai continuar, sem feriado, não vai parar na sexta-feira e voltará só no domingo de Páscoa”, disse Paes. Segundo ele, a cidade do Rio conseguiu a liberação das doses que estavam armazenadas em Niterói. “Vamos vacinar mais e mais”.

Sobre o número de leitos disponíveis, o prefeito do Rio disse que “a cidade precisa de tudo, menos de hospital de campanha”. “Chegamos ao maior número de leitos da pandemia. São 700 leitos do município, 300 do governo federal e 170 do governo estadual. Hoje, temos 400 leitos no hospital de Acari, que estava esvaziado com o hospital de campanha do Riocentro (aberto pelo ex-prefeito Marcelo Crivella)”, disse o prefeito.

Ajuda para ambulantes e ação no BRT

Além das medidas restritivas, há necessidade de se apresentar medidas para garantir a alimentação de pessoas mais vulneráveis. Mas não foram adotadas medidas de proteção social para toda a população. Apenas ambulantes das ruas e das praias receberão ajuda financeira da prefeitura, a ser anunciada nesta terça-feira (23).

Paes ainda conclamou a sociedade civil organizada a demonstrar novamente a solidariedade verificada no começo da pandemia, para ajudar os mais vulneráveis, e também ajudar os comerciantes locais. Lembrou que o R=Estado do Rio tem a maior taxa de desemprego das regiões metropolitanas Nesta terça, o município inicia uma intervenção no BRT, para fiscalizar as constantes aglomerações enfrentadas pelos trabalhadores no dia a dia.

Entendemos a angústia de quem depende de seus empregos. Todos nós recebemos pressões. Se dependesse de mim, estávamos fechados desde janeiro. A depender de alguns setores não fecharíamos nunca. Mas se não ouvir quem entende, teremos uma vida muito difícil”, comentou.

Críticas a Bolsonaro, aliado de Castro

Sem citar diretamente o presidente Jair Bolsonaro, de quem Claudio Castro é aliado, o prefeito Eduardo Paes lembrou que até banqueiros estão cobrando medidas de proteção à vida, em meio ao conflito com a economia. Referia-se a uma carta assinada por mais de 500 lideranças do setor econômico no fim de semana, pedindo socorro ao governo federal.

O prefeito ainda chamou a situação no país de “voo de galinha”. “O Brasil não sai do problema porque não há posição forte e coesa nesse sentido”, criticou, referindo-se à falta de coordenação central da crise sanitária por parte do Governo Bolsonaro. “Ninguém aqui é negacionista da tragédia social e dos desafios econômicos”, disse, apelando que Governo e Congresso aprovem medidas que possam aliviar o sofrimento das pessoas.

Para ele, a escola deve ser a primeira a abrir e a última a fechar. “Não dá para admitir que outras atividades funcionem e as escolas não, como aconteceu no ano passado. A prioridade é educar as nossas crianças e vamos fazer um esforço para manter alimentação para os alunos da rede municipal”, disse o prefeito do Rio, sem mencionar uma possível priorização da vacina a professores e funcionários das escolas.

Apelo contra as aglomerações

O prefeito do Rio lembrou que neste fim de semana os cariocas respeitaram o apelo da prefeitura e não compareceram às praias. “Quando não há demagogia, negacionismo, as pessoas respeitam e entendem. No momento de maior dificuldade é fundamental que as pessoas entendam que esse processo é inevitável”.

Ele voltou a apelar para que a população atenda ao novo chamado e fique em casa o máximo que puder. “Ninguém é obrigado a ficar em casa, trancado. Estamos pedindo a consciência de cada um para que evitem ao máximo possível o contato com outras pessoas, com exceção do seu círculo de pessoas”. E destacou que a nova variante que circula no estado, com alto potencial de transmissibilidade, está atingindo mais pessoas jovens e levando-as aos hospitais.

É um apelo, um pedido, a vacina está avançando, vamos superar essa fase, esse desafio. E vamos voltar a ter uma vida nas condições possíveis. Cuidem de vocês e dos seus”, disse o prefeito. Ele também mandou um recado a quem pretende aglomerar no feriadão: “Esses 10 dias não são uma festa, não para comemorar nada. São 10 dias para se preservar, demonstrar solidariedade e empatia, respeitar a vida dos outros e a própria vida. Deve ser uma celebração da vida”, completou.

Iniciativa de mobilização partiu do prefeito de Niterói

O prefeito de Niterói, Axel Grael, disse que, diante da alta circulação do vírus na cidade, já planejava implementar medidas mais restritivas e decidiu procurar o prefeito do Rio e o governador para levar as medidas a toda a Região Metropolitana e demais municípios do Estado. “Nossas cidades não são ilhas e sofrem as consequências da falta de ação das cidades vizinhas. Isso gera sobrecarga da nossa infra-estrutura hospitalar e afeta nossa capacidade de resposta em saúde”.

Foi realizada reunião com os dois comitês científicos do Rio e Niterói e os especialistas finalizaram um documento com recomendações a ser tomadas por parte das prefeituras, na ausência de uma coordenação do estado. A prefeitura ouviu ainda o Sindicato dos Hospitais Privados de Niterói, que passou uma situação muito preocupante, recomendando restrições mais intensas nos próximos dias.

O objetivo é definir uma estratégia conjunta. Vivemos o momento mais crítico da trajetória dessa pandemia. As coisas estão acontecendo muito rápido, o cenário de quinta-feira é completamente diferente de hoje”, disse Axel Grael. O conjunto de decretos com as medidas será publicado a partir desta terça pelos dois municípios.

Altas taxas de ocupação hospitalar nas redes pública e privada

Os secretários municipais de Saúde de Niterói, Rodrigo Oliveira, e do Rio, Daniel Soranz, apresentaram números que revelam a rápida evolução da pandemia nas duas cidades, se comparada à primeira onda, com altas na taxa de crescimento de casos e do número de internados em UTI.

Em Niterói, o aumento no número de casos cresceu 40% de uma semana para outra, e a taxa de ocupação de leitos de UTI chegou a 86% no SUS e passou de 51% para 90% no setor privado. Segundo o secretário, em maio e dezembro de 2020, houve picos da pandemia na cidade, mas a situação foi controlada sem a necessidade de medidas mais severas. “Hoje a velocidade de crescimento nos preocupa muito”, disse Oliveira.

No Rio, a situação é dramática. Apesar da abertura de novos leitos, a taxa de ocupação de leitos UTI Covid continua alta, próximo a 100%. Quase 670 pessoas estão internadas hoje, aguardando um leito de UTI. “Quando entra em UTI, a probabilidade de um paciente vir a óbito é muito alta. Nunca teve tanta gente internada em leitos de UTI na cidade, apesar de termos hoje maior capacidade instalada do que tinha antes. Isso preocupa porque são pessoas que adoeceram gravemente’, disse Soranz.

Diante do atual cenário epidemiológico, com aumento de casos, óbitos, atendimento hospitalar e lotação das redes pública e privada, especialistas dos comitês científicos das duas cidades apontaram para a necessidade urgente de mais restrição de contato e aglomeração.

As medidas preveem medidas em comum para as duas cidades, como o teletrabalho para servidores públicos (exceto para serviços essenciais) e profissionais da iniciativa privada, suspensão de cirurgias e procedimentos eletivos e de aulas presenciais em universidades, escolas e creches.

Governo do Estado anunciará medidas mais flexíveis

Ainda nesta terça-feira, é esperando um decreto do governador, bem mais flexível, permitindo o funcionamento de diversos setores do comércio e serviços até as 23 horas em 90 dos 92 municípios fluminenses. Com isso, a população do Estado do Rio verá um grande racha, com a falta de coordenação estadual para a grave situação da pandemia hoje.

O mapa de risco para a Covid-19 mostra um Estado do Rio à beira de um colapso generalizado na saúde. Há regiões que podem suportar apenas quatro ou seis dias porque os leitos estão se esgotando. Apesar disso, o governador em exercício chamou no domingo apenas empresários para conversar sobre as medidas a ser tomadas, o que irritou os prefeitos do Rio e Niterói.

Nesta segunda, Claudio Castro se reuniu com alguns prefeitos para buscar apoio a suas medidas. Prometeu abrir mais leitos no Hospital Unilagos, mas sem datas. Disse ainda que quer criar um calendário de vacinação unificado para todo o estado e prometeu abrir mais postos de saúde, além estudar a contratação de leitos particulares, de uso de leitos federais e outros.

Ele ainda se reuniu, de forma virtual com o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, o procurador-geral de Justiça, Luciano Oliveira Mattos de Souza, e o defensor-geral Rodrigo Baptista Pacheco. Também se reuniu com o presidente da Assembleia Legislativa, André Ceciliano (PT), para discutir a mensagem sobre os feriados antecipados, que somarão os 10 dias.

O que funciona e o que não funciona no Rio

Não poderão abrir:

  • lojas de comércio não essencial;
  • shoppings;
  • bares, lanchonetes e restaurantes (só podem funcionar no esquema drive thru ou entrega);
  • boates;
  • danceterias;
  • museus;
  • galerias;
  • bibliotecas;
  • salões de cabeleireiro;
  • clubes;
  • quiosques;
  • parques de diversão
  • escolas
  • universidades
  • creches

Poderão funcionar:

  • supermercado;
  • farmácia;
  • transporte;
  • comércio atacadista;
  • pet shop;
  • lojas de material de construção;
  • locação de carros;
  • serviços funerários;
  • bancos
  • serviços médicos
  • Mecânicas e loja de autopeça
  • Hotelaria, com serviço de alimentação restrito a hospedes

(Reportagem em fase de atualização)

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