O Brasil tem assistido com temor a onda de violência e ameaças circulando pelo ambiente escolar, principalmente no último mês de março, com quatro ataques em poucos dias, nas cidades de São Paulo, Blumenau, Goiânia e Manaus.
Segundo levantamento feito pela Unesp, foram 22 ataques a escolas brasileiras desde 2002 até julho de 2022, ou seja, pouco mais de um ataque a cada dois anos. Recentemente, os registros dispararam e esta média passou a ser mensal em agosto de 2022 até a explosão de violência constatada agora em 2023.
O problema reflete em todos os lares brasileiros que possuem crianças em casa. Relatos de inúmeros casos de violência, especialmente envolvendo escolas, inundaram os noticiários e as redes sociais recentemente e causaram dor, revolta, medo e uma infinidade de outros sentimentos.
Diante desse cenário, especialistas chamam a atenção de pais e responsáveis para a necessidade de conversar com seus filhos sobre o assunto e dão dicas e recomendações.
Como esse assunto está em pauta é possível que as crianças entrem em contato com ele, seja na escola, na casa de amigos, familiares ou pelas redes sociais. Para a psicóloga Leila Calegari Huscher, do Hospital Pequeno Príncipe, é importante que a família acolha e converse sobre a situação, escolhendo uma oportunidade adequada e mais tranquila”.
“Evitar falar, por exemplo, quando se está assistindo a uma notícia, porque provavelmente os adultos estarão influenciados pela emoção ou sentimentos de medo, revolta, indignação, preocupação, podendo aterrorizar as crianças”, destaca.
A psicóloga clínica e doutoranda em educação, Elaine Michele, que atua no Eco Medical Center em Curitiba, diz ser fundamental que os pais possibilitem um espaço de fala para as crianças. “Eles devem ter segurança para expressar seus sentimentos e também para que os pais possam observá-los neste sentido”, afirma.
Já o psiquiatra e médico perito legista Djalma Silva diz que a abordagem com as crianças deve ser bem pensada, para evitar aumentar a sensação de insegurança. “As escolas devem atuar juntamente com os pais neste tema e de forma preventiva, evitando medo e traumas”, afirma Djalma.
A pediatra do Eco Medical Center, em Curitiba, Luisa Sanches, recomenda acolher os sentimentos dos filhos e procurar ajuda especializada, quando necessário.
“Essas ameaças e ataques impactam de forma diversa e singular os estudantes, podendo gerar medos, angústias, pânicos, inibições e outros sofrimentos psíquicos, além de prejudicar o desempenho escolar e gerar bloqueios na vida como um todo”, informa
Segundo ela, apesar do abalo emocional e da preocupação dos pais e familiares, é essencial que haja diálogo sobre os fatos ocorridos. “Caso o adulto não saiba como abordar o tema e a criança apresente sinais de drásticas mudanças comportamentais, um profissional psicólogo ou psiquiatra deve ser procurado para auxiliar no caso”, reforça Luisa.
ESPECIALISTAS FAZEM algumas orientações
Para saber como abordar o tema em casa, os especialistas tecem algumas considerações que podem contribuir com a família nesse momento. E lembram que a escuta é fundamental para que a criança ou o adolescente se sinta acolhido e confortável para falar sobre seus sentimentos. Afinal, o mais importante é manter uma postura acolhedora e um espaço de escuta ativa.
Como pais e responsáveis devem iniciar a conversa com crianças e adolescentes?
“Caso seja alguém distante do ocorrido, os pais e familiares podem iniciar o assunto comentando sobre a notícia e buscando entender o que o jovem sabe sobre o ocorrido”, orienta a pediatra.
Por exemplo, “Ouvi uma notícia ruim hoje sobre uma escola, você ouviu?” pode ser uma boa maneira de iniciar uma conversa, buscando explorar o quanto a criança sabe sobre o tema.
O ideal é informar de maneira sucinta e também esclarecer informações falsas, evitando julgamentos e suposições. Ser o mais realista possível e buscar entender como a criança se sente e o que gostaria de falar sobre o assunto.
É importante abordar sobre qual a reação adequada a cada situação. Frases como: “Quando não estamos de acordo com algo, como podemos resolver? Mesmo quando ficamos muito bravos? O que podemos ou não fazer?”.
Também não é recomendado apressar as crianças ou impor o que os pais consideram correto nesse momento, mas sim respeitar a dor e os sentimentos do estudante.
É preciso conversar com a criança mesmo quando ela não teve acesso a informações e notícias sobre os casos de violência?
O tema deve ser abordado conforme a curiosidade das crianças. Pensando nas crianças menores (até a faixa dos 7 anos, aproximadamente), o indicado é usar uma linguagem acessível, compatível com o grau de entendimento. Como sugestão, os pais podem utilizar metáforas e exemplos simples. Palavras como massacre e atentado devem ser evitadas, porque dificilmente a criança vai entender seu significado.
Entretanto, se os pais explicarem que uma pessoa pode machucar a outra, ela poderá compreender melhor a questão. Já os adolescentes têm condições de entender a situação real, por isso o diálogo com eles também é fundamental, considerando outro aspecto imprescindível que é sempre falar a verdade e ser realista.
E se a criança ou adolescente passou por situação de risco ou ameaça?
Caso o estudante tenha presenciado, recomenda-se aguardar as orientações da escola sobre como abordar o assunto em casa. A dica é ser acolhedor, ouvir sobre os medos e preocupação e validar esses sentimentos.
Os responsáveis podem perguntar como a criança está sentindo-se e explicar o que é o medo. Isso pode ajudá-las na compreensão de seus sentimentos. Muitos pais têm uma tendência de acreditar que se falarem sobre a violência com seus filhos poderão intensificar seus medos.
“Mas quando eles externalizam seus sentimentos e percebem que o outro está validando esses sentimentos, e assim têm mais condições de regular suas emoções. A criança pensa “minha mãe está me entendendo e me apoiando” e se sente mais segura e confiante”, afirma.
O que fazer sobre o medo de voltar à escola?
Primeiramente, recomenda-se evitar assistir aos noticiários sobre o tema compulsivamente e comentar com constância sobre o assunto, principalmente na frente das crianças.
Procurar reconhecer o motivo do medo da criança, por exemplo, se o que amedronta é a possibilidade de ocorrer um novo ataque, apresentar as estratégias de segurança que estão sendo estabelecidas pela escola pode ajudar, e oferecer ferramentas para lidar com seus sentimentos, por exemplo.
“Quando você sentir medo na escola, o que pode fazer para se sentir seguro?”. Essas estratégias devem ser temporárias, até que o estudante volte a ter a sensação de segurança, isso ocorrerá com o passar do tempo e cada criança necessitará de um período para se recuperar.
No período de até 30 dias após os ocorridos, as crianças ainda podem apresentar, por exemplo, pesadelos e outros problemas de sono. É necessário atenção e paciência nesse período.
Como adultos podem enfrentar seus medos e ansiedades para ajudar as crianças e adolescentes?
As situações de violência também deixam as famílias inseguras. A forma como os pais se comportam vai repercutir no comportamento da criança e do adolescente. É importante que os pais também consigam entender os seus sentimentos e seus medos e não deixem transparecer a insegurança ou angústia para os filhos.
Pais e responsáveis devem administrar o próprio medo para que ele não seja transferido às crianças de maneira excessiva. “Os pais devem reconhecer e nominar os sentimentos, apresentando-os com sinceridade à criança, afinal, o medo é válido. De forma mais ativa, os responsáveis podem buscar a escola e outras famílias para elaborar estratégias de reforço na segurança escolar” , ressalta a psicóloga.
Para controlar a emoção, os adultos devem tentar encontrar estratégias internas. Por exemplo, ao perceber que estão ansiosos, com medo ou inseguros, os pais podem tomar atitudes como procurar outros pais que possam ajudar por estarem vivendo a mesma situação ou podem até escolher outras pessoas ou familiares com quem se sintam confortáveis para conversar. Essa atitude pode contribuir à medida que o adulto também compartilha o que está sentindo e encontra condições para regular as emoções.
Quando procurar ajuda profissional
Uma criança ou adolescente pode ter mais recursos emocionais que outro. O acompanhamento psicológico é bastante importante para aquelas crianças que estejam vivenciando um medo muito exagerado de tudo e que acabem psicossomatizando por meio do surgimento de sintomas físicos e de mudanças bruscas de comportamento como agressividade ou distúrbios do sono e do apetite. Quando se chega a esse extremo é necessária a avaliação de um especialista.
A atenção deve ser redobrada pelos responsáveis pois, muitas vezes, as crianças não manifestam a necessidade de ajuda verbalmente. Muitas têm manifestações emocionais e sintomas psicossomáticos (físicos).
“Problemas de sono e alimentação, não conseguir voltar às aulas, apresentar sofrimento acentuado ou prolongado, e automutilação são alguns sinais que pedem atenção dos pais e familiares para a necessidade de procurar ajuda profissional”, finaliza a pediatra Luisa Sanches, do Eco Medical Center, em Curitiba.
Com Assessorias