A nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) do Brasil para o Acordo do Clima de Paris, a ser submetida neste ano, deveria se comprometer com uma redução de emissões líquidas de 81% até 2030 em relação aos níveis de 2005. Isso significaria chegar ao fim da próxima década emitindo no máximo 400 milhões de toneladas de gases de efeito estufa, medidas em gás carbônico equivalente (CO2e). A emissão líquida atual do Brasil é de cerca de 1,6 bilhão de toneladas de CO2e.

A proposta foi apresentada no dia 7 de dezembro pelo Observatório do Clima (OC), rede de 56 organizações da sociedade civil. Ela representa significativo aumento de ambição em relação tanto à NDC inicial do Brasil (37% de redução nas emissões líquidas em relação aos níveis de 2005 até o ano 2025, ou 1,3 bilhão de toneladas líquidas de CO2e), quanto em relação à meta indicativa para a nova NDC brasileira (43% de redução até 2030, ou 1,2 bilhão de toneladas).

Tal ambição adicional é necessária para tornar a meta compatível com a limitação do aquecimento global a 1,5oC, tal como preconizado pelo Acordo de Paris. Hoje a meta brasileira é considerada “insuficiente” para cumprir os objetivos do tratado do clima de limitar o aquecimento da Terra a menos de 2oC ou a 1,5oC. Se todos os países tivessem o mesmo grau de ambição do Brasil, o mundo esquentaria 3oC neste século.

Esse necessário aumento de ambição climática não é uma tarefa exclusiva para o Brasil, 6º maior emissor de gases de efeito estufa do planeta. Todos os grandes emissores precisam incrementar suas metas a fim de evitar impactos ainda mais graves que os atuais para pessoas, ecossistemas e a economia. A proposta apresentada hoje pelo OC é a parcela justa de obrigação para o Brasil contribuir para um mundo com mais segurança climática.

Além da meta de redução de emissões, o OC também propõe que o Brasil adote uma série de políticas públicas que facilitam o cumprimento do compromisso, entre elas:

  • eliminar o desmatamento em todos os seus biomas até 2030;
  • restaurar 14 milhões de hectares em áreas de reserva legal e áreas de preservação permanente entre 2021 e 2030;
  • restaurar e recuperar 27 mil hectares em áreas de apicuns e manguezais entre 2021 e 2030;
  • recuperar 23 milhões de hectares de pastagens degradadas entre 2021 e 2030;
  • implantar 13 milhões de hectares de sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta (LPF) entre 2021 e 2030;
  • ter 80% das áreas de lavouras do Brasil cultivadas sob sistema de plantio direto até 2030;
  • aumentar em 2 milhões de hectares a área de florestas plantadas no período entre 2021 e 2030;
  • atingir pelo menos 106 Gigawatts de capacidade instalada de energia elétrica de fontes solar, eólica e biomassa em 2030;
  • ampliar a pelo menos 20% a mistura de biodiesel no diesel de petróleo (B20) até 2030;
  • eliminar os subsídios a combustíveis fósseis até 2030;
  • eliminar a entrada em circulação de novos veículos de transporte urbano de passageiros movidos por motor a diesel até 2030;
  • assegurar o desvio de pelo menos 8,1% de todos os resíduos orgânicos de aterros sanitários do país até 2030;
  • reciclar pelo menos 12,5% de todo o papel oriundo de resíduos domiciliares até 2030;
  • recuperar ou queimar pelo menos 50% de todo o biogás gerado nos aterros sanitários;
  • erradicar todos os lixões do país até 2024.

A NDC também contempla ações em adaptação — cada vez mais urgentes diante de impactos irreversíveis das mudanças climáticas, incluindo eventos extremos, principalmente sobre as cidades e zonas costeiras do país.

A rede pede que o Plano Nacional de Adaptação, cuja execução foi abandonada pelo governo atual, seja atualizado em 2021 e que as políticas de adaptação levem em conta novas recomendações da ciência sobre ecossistemas terrestres e marinhos, além de incorporar o aumento da resiliência para mulheres e populações vulneráveis.

Nesse sentido, demanda-se que sejam concluídos os processos de demarcação de 237 terras indígenas e titulação de 1.175 territórios quilombolas.

A proposta do Observatório do Clima visa a informar a sociedade brasileira e a comunidade internacional sobre o que o país poderia entregar em termos de compromisso, caso o governo levasse a sério as recomendações da ciência para limitar o aquecimento da Terra.

Pelo Acordo de Paris, o Brasil deve submeter à Convenção do Clima das Nações Unidas (a UNFCCC) uma nova NDC, com validade até 2030. Em 2015, ocasião da assinatura do tratado, o país propôs uma meta para o ano 2025. Segundo o acordo, países que tenham NDC até 2025 (caso apenas do Brasil e dos EUA, que saíram do Acordo de Paris) devem submeter uma nova NDC à convenção até 31 de dezembro deste ano. É incerto se o governo brasileiro o fará e com que grau de ambição.

Para calcular a nova meta, o OC se baseou na edição do Emissions Gap Report, do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) de 2019. O relatório anual estima a diferença entre a soma das promessas de redução de emissões dos países no Acordo do Clima e o que é necessário fazer para atingir as metas de Paris. Segundo o relatório, o limite para as emissões globais em 2030, compatível com uma trajetória que assegure pelos menos 66% de chances de limitar o aquecimento global abaixo dos 2°C até o fim deste século, é de 41 GtCO2e em 2030.

No entanto, para um aquecimento global limitado a no máximo 1,5°C, as emissões globais em 2030 têm que ser de no máximo 25 GtCO2e, 39% menores em relação às emissões compatíveis com os 2°C de aquecimento global até 2100. O número de 400 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e) representa o esforço justo, compatível com a responsabilidade e capacidade do Brasil, para atingir essa meta.

Esta é a segunda proposta de NDC apresentada pelo OC. Em 2015, a rede elaborou a primeira NDC da sociedade civil no mundo, recomendando que o Brasil adotasse uma meta absoluta de redução que levasse o país a um teto de emissões de gases-estufa de 1 bilhão de toneladas.

A atual proposta tem uma diferença importante em relação à de 2015. A meta anterior foi calculada sem considerar as chamadas remoções de carbono da atmosfera por áreas protegidas. Trata-se de um “deflator” aplicado pelo governo no reporte das emissões do Brasil. A Convenção do Clima autoriza que remoções antrópicas sejam computadas e o governo brasileiro argumenta que, como manter unidades de conservação e terras indígenas demanda esforços de demarcação e fiscalização, o carbono sequestrado por suas florestas é uma remoção “antrópica”.

Desta vez, para que a meta do OC seja comparável à NDC oficial brasileira, foram consideradas as remoções por áreas protegidas. Também foram contabilizadas outras remoções, por florestas secundárias e por solos manejados. Hoje as remoções por solos não são consideradas nos inventários brasileiros de emissões, mas deveriam: elas são a medida do sucesso do Plano ABC, uma das poucas políticas de redução de emissões que não foram desarticuladas no governo Bolsonaro.

“Fizemos uma proposta para o país, apontando o caminho do que é necessário e possível fazer pelo clima com justiça, equidade e sem sacrifício. Uma proposta que nos colocaria no lugar que devemos estar; liderando a agenda de meio ambiente globalmente. Com isso, também mostramos que o Brasil é muito maior do que Jair Bolsonaro. Apesar de termos um governo negacionista, queremos afirmar que os brasileiros levam o Acordo de Paris a sério”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

“Assim como fizemos em 2015, estamos colocando a barra da ambição do Brasil. Isso é necessário e urgente, porque o mundo está entrando num novo normal em termos de combate a emissões. Vários países já sinalizam que vão zerar suas emissões líquidas em 2050. O aumento de ambição das metas climáticas está se tornando uma precondição para competir no cenário global neste século e o Brasil, se continuar parado, corre o risco de jogar fora mais uma oportunidade histórica de se desenvolver e ao mesmo tempo dar segurança à sua população”, disse Tasso Azevedo, coordenador técnico do Observatório do Clima.

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