Há anos procuro manter equilibradas as minhas taxas de colesterol, quase sempre no limítrofe ou um pouco acima. E para minha surpresa, descobri no ano passado que minha filha, hoje com 10 anos, também apresenta elevados índices de LDL, o colesterol ruim, apesar de sempre ter sido uma criança magra e que faz muitas atividades físicas.
Não temos o diagnóstico fechado, mas os exames acenderam o sinal de alerta para a hipercolesterolemia familiar (HF), um problema genético que pode acelerar o risco de desenvolver doenças cardiovasculares, como o infarto e o acidente vascular cerebral.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Exames de Saúde e Nutrição, cerca de 8% das crianças com entre 8 e 17 anos têm níveis elevados de colesterol total (CT) e 7,4% dos adolescentes de 12 a 19 anos têm níveis elevados de LDL-C, também conhecido como “mau colesterol”, porque pode levar à obstrução das artérias.
Estudos mostram que mais de meio milhão de brasileiros têm colesterol alto de origem familiares e metade deles têm risco elevado de morrer antes dos 50 anos. São 683 mil pessoas (um a cada 300 habitantes) e desses, metade corre risco de risco de sofrer um infarto ou AVC. Apesar disso, menos de 1% sabe que apresenta essa condição e pode buscar o tratamento adequado.
A grande maioria (90%) sequer imagina que têm a doença (cerca de 614.000 brasileiros) e não se beneficiarão dessa possibilidade que lhes abre um diagnóstico correto para a HF, por ignorarem a sua condição metabólica. É bem provável que uma parte deles passará anos indo de médico em médico sem ter solução para seu colesterol alto. Metade dos homens com hipercolesterolemia familiar (HF) serão vítimas de infarto antes dos 50 anos e, se isso não acontecer nessa faixa etária, com certeza quase todos eles terão infartado ao chegar aos 70 anos.
Entre as mulheres, o quadro também é alarmante: 12% delas sofrerão infarto em torno dos 50 anos, e quase a totalidade desse grupo (74%) terão esse mal ao chegar aos 70 anos. Em casos extremos, ainda adolescentes, eles têm que ser submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio.
São mais de 350 mil brasileiros nessa condição, sendo que menos de 1% (3.500) deles sabem que possuem essa bomba-relógio no peito que precisa ser urgentemente desarmada com tratamento precoce, à base de medicamentos e mudanças no estilo de vida. Enquanto isso, o processo de aterosclerose no seu organismo, acelerado desde o nascimento pela doença, irá evoluir mais rapidamente que o comum, aumentando de 10 a 20 vezes o risco de obstruções nas veias e artérias do coração (infarto) e do cérebro (AVC).
Conheça melhor a doença
De acordo com especialistas, o diagnóstico adequado da hipercolesterolemia familiar pode mudar a história das famílias que têm a alteração genética para a doença. “Com o tratamento correto, é possível retardar de 10 a 30 anos a mortalidade em pessoas com esse mal, com melhora substancial de sua qualidade de vida, já que elas terão menos eventos cardiovasculares ao longo dos anos”, explica o cardiologista do Incor, Raul dos Santos Filho, diretor da Unidade Clínica de Lípides do Instituto do Coração.
O colesterol alto está comumente associado a maus hábitos alimentares, à falta de atividade física e a fatores diversos, como disfunção hormonal e obesidade. Nesses casos, geralmente a administração de estatinas (em média, 10 a 20 mg), associada à dieta de baixo colesterol e à prática de atividade física, costuma equilibrar os níveis de colesterol no sangue. Na hipercolesterolemia familiar, contudo, o tratamento medicamentoso tem que ser mais agressivo para dar resultado.
A terapia clássica nesses casos inclui estatinas em doses maiores (40 mg ou mais) associadas a outro medicamento, a ezetimiba. A adesão à dieta alimentar de baixo colesterol e a prática de atividades físicas regulares são fundamentais no tratamento da doença. A HF por si só não provoca sintomas, mas ao longo do tempo o colesterol alto no sangue contribui para a aterosclerose, base para a ocorrência de doenças cardiovasculares. Os indivíduos afetados pela hipercolesterolemia familiar heterozigótica têm valores de colesterol total acima dos 300 mg/dl e valores normais de triglicerídeos.
Diagnóstico
As pessoas sob suspeita de hipercolesterolemia familiar devem dosar seus níveis de colesterol no sangue a partir dos 10 anos de idade. Se houver familiares próximos com diagnóstico conhecido de HF ou infarto do miocárdio precoce, a dosagem deve ser feita a partir dos 2 anos de idade.
A presença de níveis elevados de colesterol numa criança e/ou a existência de doença coronária prematura em qualquer membro de uma família são indicativos de hipercolesterolemia familiar e devem ser investigados nesse sentido.
Pessoas com LDL-colesterol (o “colesterol ruim”) acima de 190 mg/dl, provavelmente são portadoras de hipercolesterolemia familiar.
Como evolui
A parcela maior do colesterol dosado no sangue não vem da dieta, mas da produção dele pelo fígado, que é regulada pelos genes. A hipercolesterolemia familiar é uma doença genética que tanto pode ser homozigótica como heterozigótica. Ela se deve a um defeito nos genes que conduz a não remoção do colesterol do sangue, com o consequente aumento dos seus níveis.
A forma homozigótica, em que ambos os pais transmitiram a doença, é a mais grave, mas de incidência quase desprezível. Neste caso, os indivíduos costumam apresentar colesterol acima de 600 mg/dl e sofrem doenças cardíacas ou coronarianas já na primeira década da vida.
Já a forma heterozigótica é bem mais frequente, embora de menor gravidade. A pessoa tem 50% de probabilidade de transmitir o defeito aos seus descendentes e metade dos filhos de um indivíduo com a doença tem a probabilidade de ter hipercolesterolemia familiar. Por isso, é muito importante que os familiares de um indivíduo diagnosticado verifiquem e controlem os valores do seu colesterol.
Tratamento
Quanto mais cedo for feito o diagnóstico e iniciadas medidas terapêuticas e preventivas, menor será a chance e mais lenta será a evolução da arteriosclerose e de suas consequências. O tratamento da hipercolesterolemia familiar é feita com medicação que deve ser tomada por toda a vida, mas é igualmente importante manter uma alimentação saudável, praticar exercícios físicos regulares e abster-se de tabaco.
Se adequadamente tratadas e aconselhadas desde cedo, as crianças com hipercolesterolemia familiar poderão ter a mesma esperança de vida que o resto da população. Sem tratamento, contudo, o risco de doença coronariana fatal entre os 20 e os 39 anos de idade é cem vezes superior ao da população normal.
Fonte: Instituto do Coração e Associação Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar e AHF ABCMED