Três milhões de novas ações contra planos de saúde estão ingressando na Justiça brasileira, o que representa 6% dos mais de 50 milhões de usuários. A negativa de cobertura assistencial é responsável por 65% dos motivos para processar uma operadora de saúde, à frente dos cancelamentos de planos e dos reajustes de preços, entre outras reclamações. Estas são algumas das conclusões da pesquisa “Raio-X da Saúde no Brasil”, realizada pela FGV Justiça, braço da Fundação Getúlio Vargas para estudos relacionados ao Poder Judiciário.
Os resultados da pesquisa inédita foram o principal destaque do seminário ‘Saúde Suplementar no Brasil‘, realizado nesta segunda-feira (29), no auditório da FGV, no Rio de Janeiro. O evento contou com a presença de representantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de entidades que representam as operadoras de saúde (Fenasaúde e Abramge) e de outras empresas e instituições do setor.
Na abertura, o corregedor do CNJ e ministro do STJ Luis Felipe Salomão destacou a relevância da pesquisa que, segundo ele, traz uma contribuição relevante para identificar as causas da judicialização e tentar buscar soluções. “A judicialização gera um desequilíbrio de contratos, afeta o orçamento público e um bem de primeira necessidade, que é a saúde de todos”, disse Salomão, que é também o coordenador do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Justiça.
De acordo com o ministro, no final da década de 80 e começo da 90, houve uma “exacerbação da responsabilidade civil e criminal na área dos profissionais de saúde, que desaguou em excessiva judicialização onde todos perdem, ninguém ganha nesse processo”.
Também ministro do STJ, Messod Azulay Neto, lembrou que mais de 50 milhões de cidadãos brasileiros são segurados dos planos de saúde. “É bom que se ressalte que quase a totalidade desses planos são corporativos. Hoje, para ter um plano de saúde, o cidadão precisa estar ligado a uma corporação ou a um vínculo de emprego. Isso significa dizer também que a economia do país e a saúde privada andam de mãos dadas”, afirmou.
Para o ministro do STJ Antônio Saldanha, que apresentou a pesquisa, durante o que mais chamou atenção no estudo foi a a carência na comunicação, que é ineficiente para a população compreender o valor do sistema de saúde suplementar no Brasil. “Pode até não gostar, mas precisa entender para salvar e não afogar a galinha dos ovos de ouro”, disse, referindo-se a uma suposta crise das operadoras de planos de saúde.
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Ministros do STJ criticam mudanças na legislação dos planos de saúde
Coordenador da linha de pesquisa de Saúde da FGV Justiça, ministro do STJ Antônio Saldanha fez críticas à Lei 14.554, de 21 de setembro de 2022, que alterou a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, sobre os planos privados de assistência à saúde, para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.
“São legislações açodadas, oportunistas, reativas e pouco técnicas para atender aos reclames populares”, disse Saldanha sobre a Lei 14.554, de relatoria do senador Romário (PL-RJ). Segundo ele, a medida foi editada em contraposição ao acórdão do ministro Salomão, que aprofundava a investigação e ouvia a todos os atores envolvidos no setor. “Era um acórdão brilhante, iria dar um rumo para a saúde suplementar. Ele fez a ressalva da possível, mas sempre com base na medicina baseada em evidência”, comentou.
O ministro do STJ, Messod Azulay Neto, também comentou sobre a “insegurança jurídica e econômica” gerada pelas alterações na lei, que acabaram mexendo na decisão do ministro Luis Felipe Salomão pelo STJ.
Muitas vezes por políticas públicas populistas, querem alterar as leis do Poder Executivo, a quem cabe as decisões, no caso, a ANS, que conhece a matéria e tem condições de decidir o que deve ou não pertencer ao rol taxativo dos planos de saúde. Isso trouxe uma insegurança jurídica e econômica de muita relevância”, comentou.
Ele ainda acrescentou que as mudanças geraram incertezas para as operadoras de saúde que atuam no país. “São empresas privadas que geram milhares de empregos. É preciso que se trate isso com muito cuidado porque a quebra de uma empresa dessas – e isso já ocorreu – acaba trazendo prejuízos ao consumidor e aos empregados que trabalham nessas empresas seguradoras”, observou.
Confira alguns resultados da pesquisa
A pesquisa Raio-X da Saúde no Brasil ouviu 2 mil brasileiros de 18 anos ou mais, de todas as regiões do país. Iniciativa do professor Sidney González, a pesquisa foi inicialmente coordenada pela FGV e conduzida pelo Ipesp Saúde. Confira os principais resultados da pesquisa:
- 66% utilizam o SUS, 23% da população utilizam planos de saúde, 9% outros serviços privados;
- 55% dos planos contratados pelos usuários são empresariais;
- 30% têm planos, 28% já tiveram plano de saúde e não têm mais e 41% nunca tiveram plano de saúde;
- 25% gostariam de contratar e 72% não têm intenção de contratar
- 17% de saldo positivo na avaliação da atuação dos planos de saúde
- 77% deram grau entre 7 e 10 para os planos de saúde em geral
- 51% consideram valor da mensalidade muito alto
- 35% gastam até 10% de sua renda com plano de saúde; de 11% a 20% gastam até 20%
- 51% nunca ouviram falar em fraude nos planos de saúde
- 62% não conhecem a ANS
- 86% não conhecem a Unidas
- 87% não conhecem a Fenasaúde
- 86% desconhecem a Abramge
- 78% não sabem o que é judicialização da saúde
- 21% já ouviu falar de judicialização
- 51% desconhecem que existem fraudes na saúde
FGV Justiça promove debate sobre saúde suplementar no Brasil
Durante o seminário Saúde Suplementar no Brasil, foram abordados temas como as constantes transformações no setor de saúde, suas principais potências e desafios. O presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Roberto Rebello, e o vice-presidente de Relações Institucionais da Amil, Renato Casarotti, entre outras autoridades, participaram do painel Imagem e Credibilidade da Saúde Privada no Brasil.
A formação médica no Brasil também foi amplamente discutida no evento por Alexandre Siciliano Colafranceschi, da Academia Nacional de Medicina; Margareth Dalcolmo, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e pesquisadora da Fiocruz; Daiane Nogueira de Lira, conselheira do CNJ; e Silvio Pessanha, vice-presidente na Yduqs e CEO do Instituto de Educação Médica (Idomed.)
O painel e Entraves, Insegurança, Fraudes e Ética trouxe especialistas como Glauce Carvalhal, diretora jurídica do Conselho Nacional de Seguradoras (CNSEG); Ricardo Couto, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; Márcia Correia Hollanda, juíza auxiliar e coordenadora do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e Ações Coletivas do TJRJ; e Luciano Bandeira, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil/RJ.
O médico cardiologista Roberto Kalil Filho, professor titular e diretor clínico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Instituto do Coração da FMUSP, realizou a palestra de abertura do seminário. Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa dos Hospitais Privados, também apresentou a experiência do país na integração na saúde.
Com informações da FGV