O mundo está passando no momento por um novo surto de uma doença que, se não for tratada adequadamente, pode ser mortal. O tema é intensamente mencionado pela mídia e nas redes sociais. Em menos de 48 horas, brasileiros citam o novo coronavírus mais de 1 milhão de vezes no Twitter, em somatório de 3,3 milhões de referências desde 15 de janeiro no país. No mundo, desde 20 de fevereiro já são mais de 15 milhões de tuítes, com o Brasil sendo o quarto país de maior volume de debate.

No Facebook, desde janeiro já são mais de 31 milhões de interações em links compartilhados sobre o coronavírus – e no dia 26 de fevereiro, com a confirmação do primeiro caso, em São Paulo, a média diária de interações pulou de 100 mil por dia para 2,7 milhões. Os dados são de levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP), divulgados na tarde de sexta-feira (28).

Em 10% das menções no Brasil há referência direta, por parte dos perfis, à possibilidade de rápido contágio pela doença, ao medo de se infectar ou à necessidade de que haja maior precaução, como o uso de máscaras e de procedimentos para evitar aglomerações urbanas e pessoas com sintomas gripais.

Período de análise: 15 de janeiro a 27 de fevereiro (12h)

Fonte: Twitter / Elaboração: FGV DAPP

Pesquisa mostrava preocupação antes mesmo do primeiro caso

Pesquisa feita pela Toluna, que ouviu 1.006 pessoas entre 14 e 17 de fevereiro de 2020, mostrou que 97% das pessoas já sabem o que é o coronavírus e mais de 67% já estavam pelo menos muito preocupados com a doença, antes mesmo de o primeiro caso brasileiro ser confirmado. Segundo o levantamento, 21% se dizem apenas preocupados, 9% pouco preocupados e somente 2% dizem que não estão nada preocupados.

Das pessoas que afirmam ter algum tipo de apreensão sobre o Covid-19, 67% dizem que por enquanto não estão preocupados consigo mesmos, membros de sua família e amigos, mas se afligem pelo mundo em geral. Já 17% estão receosos por seus familiares e amigos que viajam bastante, e 12% estão angustiados pela própria saúde.

Sobre a chegada do vírus ao Brasil, apenas 18% das pessoas se dizem muito ou extremamente preparados para o cenário, com 33% se dizendo não muito preparados, 28% pouco preparados e 20% nada preparados. Também foi perguntado se os respondentes já tinham comprado algo devido ao surto e apenas 34% disseram que sim. Entre essas pessoas, os itens mais comprados foram desinfetante para as mãos (79%), máscaras (77%) e luvas descartáveis (51%).

Psiquiatra analisa como a doença mexe com imaginário das pessoas

A epidemia de coronavírus, decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) agora no início de 2020, não é a primeira e nem será a última pela qual o mundo vai passar. Desde a Peste Negra, na Idade Média, até a Gripe H1N1, passando pela convivência diária e constante com a dengue, a população mundial tem sofrido com essas doenças que vêm e vão. Mas, de que forma as pessoas reagem aos surtos, epidemias e pandemias? De que modo isso tudo afeta o comportamento dos indivíduos?

“Epidemias de doenças mexem com o imaginário das pessoas e as fazem mudar o comportamento. Se o surto está, aparentemente, distante, muitas vezes vira motivo de piadas, de memes pela internet. Por outro lado, se os casos começam a ficar mais próximos, como  que foi confirmado recentemente no Brasil, as pessoas tendem a se preocupar e a se desesperar”, afirma o médico psiquiatra Júlio Dutra, presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPSIQ).

De acordo com ele, não há motivos para pânico. “Ao contrário, se todos, com calma, adotassem as medidas simples de prevenção, não seria necessário tanto desespero.” Segundo ele, os meios de comunicação, em geral, melhoraram a postura durante a cobertura de epidemias como a do corona vírus. Afinal, a mídia tem papel importante tanto na hora de ajudar a prevenir quanto no momento de alarmar a população.

A imprensa ajuda a problematizar as informações transmitidas pelos governos e órgãos oficiais. Questiona a dimensão das epidemias e analisa bem a situação. O problema hoje em dia está nas redes sociais, um território fértil para as notícias falsas, com capacidade para alarmar desnecessariamente”, afirma o psiquiatra.

Um exemplo: notícias falsas sobre o coronavírus fizeram máscaras desaparecerem das farmácias antes mesmo de o país ter registrado qualquer caso. O mesmo aconteceu em 2009 durante a pandemia da Gripe H1N1. “Na realidade, medidas simples de prevenção já seriam suficientes, como evitar contato próximo com infectados, lavar frequentemente as mãos e cobrir mãos, nariz e boca na hora de espirrar ou tossir”, ressalta Júlio Dutra.

A reação das pessoas, de acordo com o presidente da APPSIQ, é, em muitos casos, desproporcional à realidade. Para ele, na periculosidade e proximidade, a dengue está numa escala muito maior que o coronavírus, por exemplo. Entretanto, é a epidemia com origem na China que preocupa mais.

Perceba que o comportamento da população está muito mais anestesiado com a dengue, que é um problema próximo, diário e constante, do que com o coronavírus, que está distante e, se for como as outras epidemias, será passageiro”, afirma o psiquiatra. A preocupação das pessoas, de acordo com ele, deveria ser o contrário.

Debate no Twitter: entre o medo e o deboche

De acordo com o estudo da FGV, nenhum dos 50 links de maior volume de compartilhamento no Facebook desde 24 de fevereiro faz a divulgação de conteúdos conspiratórios ou falsos sobre o avanço da epidemia, com presença total de veículos da imprensa tradicional entre as publicações de maior alcance.
Já no Twitter, dois grupos principais organizam o debate: um, com 34% das interações (rosa, no mapa abaixo), é formado por cidadãos comuns que abordam o coronavírus de forma sobretudo irônica, com piadas e associações ao carnaval; o outro (amarelo), com 17% das interações, engajado pela imprensa oficial; de forma bastante rara nas redes sociais, grupos de esquerda e de direita apresentam baixa atuação no debate, rompendo a forte polarização na rede
Dezenas de grupos, com mais de 20% das interações totais do debate, satirizam o fato de que o primeiro caso confirmado no Brasil aconteceu durante a folia, potencializando contaminação, ou fazem piadas sobre a resistência do brasileiro ao vírus, após a crise hídrica no Rio, o consumo de álcool no feriado, as greves de policiais e os problemas crônicos de saneamento no país.

No critério geolocalização, São Paulo reúne 27% das menções, seguido por Rio de Janeiro (21%), Distrito Federal (13%), Minas Gerais (8%), Rio Grande do Sul (7%), Paraná (6%) e Pernambuco (4%). Brasília, portanto, é a cidade com maior concentração de postagens sobre a doença, mas a cidade do Rio tem (12%) mais publicações que a capital paulista (11%).

Frente à baixa atividade de políticos e influenciadores da direita ao discutir o coronavírus, pela primeira vez no cenário político brasileiro, desde o ano passado, o perfil oficial do Ministério da Saúde no Twitter foi o maior influenciador. O mesmo grupo afirma que a imprensa e a oposição usam o coronavírus para coibir as manifestações de 15 de março, convocadas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro.

Pesquisas avaliam ações do governo

No pós-carnaval, de acordo com a pesquisa da FGV, brasileiros questionam capacidade de contenção do vírus, por parte do governo federal, pela queda de investimentos em pesquisa e ciência no país, e citam aumento nos casos de dengue e de sarampo, mencionados em mais de 150 mil tuítes.

Já a pesquisa Toluna quis saber se os brasileiros acharam que as ações de nosso governo e os de outros países para conter a doença foram adequadas. Para 48% as ações foram apropriadas, para 36% não foram satisfatórias e 17% não quiseram opinar. Já quando se trata de outros países, 59% dos entrevistados acreditam que boas ações foram tomadas, 22% acham que não fizeram o suficiente para limitar a disseminação da doença e 19% não tem certeza sobre o que foi feito.

As mesmas perguntas foram feitas em uma pesquisa nos Estados Unidos. Para 54% dos americanos, o governo de seu país tomou as medidas corretas no assunto e para 19% não acreditam nisso. Já quando se trata de avaliar outros países, 39% das pessoas nos EUA acham que governos estrangeiros tomaram boas atitudes para confinar o coronavírus, 31% não acreditam que outros países agiram corretamente e 30% não conseguiram opinar.

A pesquisa foi realizada com 1006 pessoas das classes A, B e C, segundo critério de classificação de classes utilizado pela Abep – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, onde pessoas da classe C2 tem renda média domiciliar de R$ 1.625 por mês. Estudo feito com pessoas acima de 18 anos, todas as regiões brasileiras, com 3% de margem de erro e 95% de margem de confiança. Link para os estudos: http://tolu.na/l/d4M8AnY.

Twitter: Mapa de interações sobre o coronavírus no Brasil

Período de análise: 15 a 27 de fevereiro (12h) / Fonte: Twitter / Elaboração: FGV DAPP
(1) Rosa: 34,83%

Maior grupo do debate, formado por cidadãos comuns e influenciadores digitais de fora do espectro político, com forte debate de humor sobre o coronavírus, o carnaval e as chances de rápida contaminação no Brasil

(2) Amarelo: 17,16% Imprensa tradicional, repercutindo de forma ampla a atualização dos casos de coronavírus no Brasil e no exterior e com forte engajamento, inclusive, com o perfil oficial do Ministério da Saúde

(3) Laranja: 9,15%
Tem perfis que citam o carnaval como potencial complicador do contágio pelo coronavírus, subgrupos que abordam a queda no investimento em ciência
em pesquisas públicas no país e grupos de esquerda que questionam a capacidade do governo federal em conter o coronavírus
(4) Azul: 8,25%

Base à direita, com a presença de influenciadores conservadores, perfis do governo federal e destaque central ao ministro da Saúde, Luiz Mandetta, e à conta do Ministério da Saúde. Afirmam que o coronavírus está sob controle no país e não deve ser usado para coibir as manifestações de 15 de março

(5) Verde:  7,35%
Grupo dedicado a memes e piadas sobre a chegada do coronavírus ao Brasil, confrontado com a crise hídrica, a greve de policiais e a dengue.

Com Assessorias

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