No passado, pacientes com câncer eram orientados a manterem repouso e a reduzirem suas atividades diárias. Hoje, diversos estudos demonstram que praticar exercícios físicos diminui a chance de recorrência para vários tipos de tumores, como os de próstata, mama e intestino. Que o diga Felipe Muchulli, de 38 anos, foi diagnosticado com câncer de testículo bilateral com metástase no abdômen em 2019.
O subgerente passou por 20 sessões de quimioterapia e duas operações para retirada dos testículos, fazendo banco de sêmen por não ser pai biológico. Para ele, a academia foi um retorno da vida, já que sempre praticou musculação, mas durante o tratamento estava fisicamente e mentalmente muito cansado. Em um dado momento, decidiu participar de um projeto na Lifefit de Nilópolis, na Baixada Fluminense.
“Em 100 dias eu mudei física e psicologicamente. Tive depressão durante o tratamento e depois adquiri ansiedade e pânico. Não conseguindo ficar em lugar fechado pela lembrança da máquina de ressonância. A academia foi um divisor de águas, porque ali comecei a me restabelecer, a me alimentar melhor, a ver meu físico mudar, e pude recuperar as atividades básicas do dia a dia, como andar e subir escada”, conta Felipe.
Ele disse que engordou muito pela quimioterapia e na musculação pôde repor toda a parte de musculatura parada. “Retirei gordura, emagreci 22kg em 3 meses com dieta, aeróbico e treino. Eu tinha grandes crises de ansiedade, então a academia se tornou meu refúgio, pois eu ia tanto de dia, quanto de noite. Tenho uma gratidão enorme pelo acompanhamento que tive durante o processo. Hoje estou curado e totalmente transformado”, comemora.
Para Rodrigo Guimarães (foto), educador físico há 20 anos que já acompanhou diversos pacientes com diferentes tipos da doença, como Felipe, a prática regular de atividades também promove significativas alterações no metabolismo tumoral.
“Ocorre um aumento da vascularização e fluxo sanguíneo; aumento das adaptações da função imunológica e do metabolismo celular; e liberação de miócinas, favorecendo cross talk entre músculo e tumor. Na Oncologia atual, é fundamental a abordagem multidisciplinar no tratamento do paciente oncológico, em que o oncologista conta com a colaboração de outras especialidades”, explica o especialista.
Na semana dedicada ao Dia Mundial de Combate ao Câncer (8 de abril), ele fala sobre a importância do acompanhamento de um profissional da área durante o tratamento, a diferença entre atividade física e exercício físico, e os benefícios da musculação.
1.Que benefícios a atividade física pode trazer para pacientes oncológicos?
Antes de tudo, precisamos esclarecer que existe uma diferença entre atividade física e exercício físico. Atividade física envolve qualquer movimento do corpo, como subir escada ao invés de pegar um elevador ou varrer a casa. Já o exercício físico é uma atividade planejada, estruturada e com o objetivo de melhorar ou manter algum componente físico como: estrutura muscular, flexibilidade, equilíbrio ou força.
Fica claro que, para fazer uma atividade física como usar uma escada ao invés de pegar um elevador, não é necessário a orientação de um profissional de Educação Física. Mas, quando falamos em relação ao exercício físico, essa orientação é fundamental para a segurança e eficiência para o praticante.
Os benefícios são diversos, como evitar perda de massa muscular; manutenção da força muscular que irá tornar o paciente independente para suas atividades cotidianas; melhora da autoestima, do humor e do relacionamento social; além de diminuir a possibilidade de depressão.
2.De maneira geral, que tipos de exercícios são os mais recomendados?
Ao longo de 20 anos de atuação na Educação Física, sempre utilizei a musculação como atividade principal para emagrecimento, aumento da massa muscular e como parte do tratamento de pacientes oncológicos. Claro que somamos a musculação às atividades aeróbias, mas a musculação é o principal exercício quando o assunto é oncologia.
3.O que mais ouve dos pacientes com câncer? E maiores queixas e retornos que já teve?
A maior queixa é a FRC (fadiga relacionada ao câncer) que é definida como um desconforto subjetivo e persistente relacionado ao câncer e seu tratamento. No geral, os pacientes que atendo relatam uma sensação de exaustão e/ou desconforto para realização de tarefas cotidianas, o que impacta nas relações sociais, psicológicas e até espirituais.
A FRC é mais comum em pacientes com diagnósticos avançados da doença, assim como em pacientes que passaram por cirurgia seguida de quimioterapia e radioterapia. E um dado importante que observei é que mais de 98% desses que recebem quimioterapia ou radioterapia apresentam FRC.
Dos retornos positivos desses alunos, posso destacar justamente a diminuição da FRC mesmo durante a quimioterapia ou radioterapia, o que implicou na maior aderência aos treinos que acontecem de 1 a 3 x na semana, além de uma melhora significativa no humor, na autoestima, e no aumento da força e da massa muscular, o que permitiu a independência dos pacientes nas suas atividades cotidianas.
4. Teve algum caso revertido pela prática de exercícios durante o tratamento da doença?
Não posso dizer que o sucesso obtido contra o câncer aconteceu, exclusivamente, pelo exercício físico. Mas, sem dúvidas, a sua contribuição para vencer essa batalha é gigantesca, como o de um aluno com câncer de próstata que passou a fazer a musculação logo após cirurgia e também durante as sessões de quimioterapia e teve uma melhora considerável. Ou de uma aluna que teve câncer de mama e hoje está curada.
Me lembro bem de como a recebi nos primeiros dias: depressiva, sem nenhuma autoestima, também sentiu muito a FRC, mas hoje está 100% ativa e ainda praticando a musculação, o que se tornou sua paixão. Teve o caso de aluno que após ser diagnosticado com câncer no testículo teve uma depressão muito severa a ponto de pensar em tirar sua própria vida, mas que hoje também está curado e continua firme na prática da musculação.
Vale ressaltar que alguns tipos de câncer são muito agressivos e não têm cura, mas ainda assim, o exercício físico pode contribuir para uma melhor qualidade de vida e um suporte maior para que o paciente passe pelo tratamento com mais força mental e física.
5. Qual o principal papel do educador físico no tratamento de pacientes com câncer?
Acredito que nosso papel vai além de promover as adaptações benéficas por meio do exercício físico, com controle adequado do volume e intensidade que permitam a recuperação adequada aos pacientes oncológicos. Observei na minha prática que esses pacientes, na maioria das vezes, estão desacreditados da vida, depressivos e acabam por encontrar em nós uma força para, literalmente, sair do fundo do poço.
Quantas vezes eu ouvi “hoje eu não poderia faltar ao treino, pois amanhã tenho mais uma sessão de quimioterapia e esse tempo aqui com você vai me dar forças para amanhã”. Então, a prática dos exercícios, aliada a palavras motivacionais, do acompanhamento em conjunto com um psicólogo, da empatia com os alunos e do apoio de seus familiares, percebi a importância e a responsabilidade que temos diante de um momento tão difícil.