A luta contra o câncer de mama por si só já é árdua, pois são muitas as incertezas, as dificuldades e o medo enfrentados pela paciente acometida por essa doença, que é a segunda maior causa de morte da mulher brasileira. Agora imagina ainda ter que enfrentar o racismo na hora do tratamento? Pois é o que sugere resultados parciais de um estudo apresentado durante o Simpósio Internacional de Mastologia (SimRio 2023), realizado no Rio de Janeiro.
Para entender o que essas mulheres enfrentam, a Sociedade Brasileira de Mastologia – Regional do Rio de Janeiro, em parceria com o Instituto Nosso Papo Rosa, está realizando um levantamento para traçar o perfil das mulheres que enfrentam o tratamento do câncer de mama. O primeiro recorte já compilado é sobre as mulheres negras e os resultados acendem uma luz amarela que deve ser monitorada.
Das cerca de 200 mulheres ouvidas no levantamento, 40% se reconhecem como pretas ou pardas, sendo 70% da faixa etária entre 45 e 65 anos (70%). Destas, em torno de 20% já se sentiram discriminadas por causa da sua raça ou etnia durante o tratamento e 10% não têm certeza se o que passaram foi discriminação ou preconceito.
“Em verdade, não é garantia que as quase 70% que afirmaram nunca ter se sentido discriminadas, realmente não tenham sido, pois, como sabemos, o racismo estrutural está impregnado em nossa sociedade”, reflete a médica mastologista Maria Júlia Calas, presidente da SBM-Rio.
Segundo ela, merecem atenção os relatos colhidos até aqui. “O levantamento ainda está em curso, porém, nos impactou, pois é um momento de total fragilidade da mulher e essa possibilidade, sequer, deveria existir”, afirma a presidente, indignada.
Além do racismo, falta de rede de apoio é barreira ao tratamento
Segundo a médica Sabrina Chagas, do Instituto Nosso Papo Rosa, mais de 60% das entrevistadas afirmam ter tido como as principais barreiras enfrentadas para se tratar o medo da doença e o que vem pela frente durante o tratamento, o que para ela é natural.
“Receber a notícia do diagnóstico é sempre impactante, não tenha dúvida. Mas é preciso que a mulher saiba que há muita vida após o câncer, principalmente quando diagnosticado precocemente”, alerta, acrescentando que 40% apontaram as questões econômicas como barreiras. Mais de 43% deixaram o trabalho após o diagnóstico.
A mastologista diz que não é fácil para a mulher, principalmente aquelas que não têm uma rede de apoio. No levantamento mais de 45% foram diagnosticadas na faixa entre 40 e 50 anos, portanto, pessoas jovens e ativas. “Embora não haja estatísticas precisas, sabemos que muitas delas são abandonadas pelo companheiro”, ressalta.
A autoestima também é algo que sempre preocupou. Cerca de 40% também afirmaram que esse fator se apresentou como uma barreira para seguir em frente no tratamento, sendo que 30% deixaram de ter convívio social e 25% pararam de praticar atividade física.
Levantamento será ampliado na rede pública e privada
O levantamento, realizado junto aos serviços de mastologia público e privado já está sendo ampliado, pois o intuito é ouvir o máximo de pacientes, traçando um raio x do perfil das pacientes de um modo geral, com olhar especial para a população negra e também do público LGBTQIA+.
“Temos alguns vieses que precisam ser melhor assistidos. O racismo mata tanto quanto o câncer. Da mesma forma o preconceito. Por isso, negros, homossexuais e o público trans merecem uma atenção igualitária”, afirma.
O tema das mulheres negras e do público LGBTQIA+ foram abordados no Simpósio Internacional de Mastologia (SimRio 2023) realizado de 22 a 24 de junho, no Prodigy Hotel, no Rio de Janeiro, reunindo médicos de todo o país e do exterior, como mastologistas, oncologistas, radiologistas, entre outros.