Após uma batalha de dois anos, a modelo Sherika de Armas, de 26 anos, Miss Uruguai 2023, morreu no último domingo (15/10) em decorrência de um câncer no colo do útero. Após sua participação no Miss Mundo 2015, Sherika vendia produtos de higiene pessoal, maquiagem e cabelo por meio de sua marca pessoal. Em paralelo, De Armas fazia trabalho voluntário em uma organização de auxílio a crianças com câncer.

O caso chamou a atenção de especialistas do mundo inteiro. Afinal, trata-se de uma doença que tem como ser evitada por meio da vacinação. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o câncer do colo do útero é a principal causa de morte entre mulheres na América Latina e no Caribe, sendo responsável por aproximadamente 28 mil óbitos anuais altamente evitáveis na região. No entanto, apesar de essa neoplasia ser a mais comumente relacionada ao HPV, a infecção pelo papilomavírus humano é fator de risco para outros tumores, inclusive em homens, como o câncer anal.

As taxas de mortalidade três vezes mais altas na América Latina e no Caribe do que na América do Norte destacam as desigualdades existentes em termos de renda, gênero e acesso aos serviços de saúde na Região. Se as tendências atuais continuarem, estima-se que as mortes por câncer do colo do útero nas Américas aumentem para mais de 51,5 mil em 2030 devido ao crescimento da população e aos ganhos na expectativa de vida.

Vacinação contra HPV enfrenta baixas coberturas

Anualmente, cerca de 30 mil brasileiros são diagnosticados com algum tipo de tumor que afeta o sistema reprodutor, como o câncer de colo de útero, vulva, vagina, canal anal, pênis, além de boca e garganta. O rastreamento de lesões pré-cancerosas em mulheres, seguido de tratamento, é uma intervenção custo-efetiva para prevenir o câncer de colo do útero.

A vacinação contra o HPV é considerada uma estratégia extremamente eficaz no combate de alguns desses tumores tanto em homens quanto em mulheres. A Opas recomenda vacinar meninas de 9 a 14 anos, quando é mais eficaz. As vacinas contra o HPV estão disponíveis em 35 países e territórios das Américas, mas as taxas de cobertura com as duas doses ainda não chegam a 80% das meninas.

No Brasil, a vacina contra o HPV passou a ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014, como parte importante da estratégia na erradicação do câncer de colo de útero, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2019, 87,08% das meninas com idades entre 9 e 14 anos receberam a primeira dose da vacina; em 2022, a cobertura caiu para 75,91%; a segunda dose atingiu 57,44%. Já entre os meninos na mesma faixa etária, a vacinação caiu de 61,55%, em 2019, para 52,16%, em 2022; e a segunda dose ficou com 36,59%.

Junto com a vacinação contra o HPV, o rastreamento e o tratamento de lesões de forma precoce podem prevenir novos casos e mortes. Se detectado precocemente, o câncer do colo do útero pode ser tratado e curado. Sem tratamento, este tipo de câncer é quase sempre fatal.

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Palavra de Especialista

É melhor prevenir do que remediar

Por Márcia Datz Abadi*

Já dizia o velho ditado: “Prevenir é melhor que remediar”. Houve um tempo em que milhões de pessoas perdiam a vida para doenças curáveis ou evitáveis como tuberculose, poliomielite, tétano, raiva, cólera, difteria, varíola, além de muitas outras. Graças ao advento das vacinas, muitas dessas doenças deixaram de representar uma ameaça à saúde individual e coletiva.

Desde 2020, vivemos uma demonstração do que é ser impotente contra uma doença infecciosa. A pandemia de Covid-19 impactou desde a saúde física e mental de cada indivíduo, até a economia global, desafiando o mundo com diversas questões complexas, que se perpetuarão por décadas.

A retomada das atividades em todos os setores só foi possível, em primeiro lugar, pelo gigantesco esforço da comunidade científica no desenvolvimento de uma vacina, capaz de proteger a população, sendo esse o caminho para conter a pandemia e prevenir o avanço da doença.

Uma ressalva à expressão “deixaram de representar”, usada no início deste artigo: sabemos que os índices de cobertura vacinal no país vêm apresentando uma queda drástica e alarmante nos últimos anos – mais especificamente desde 2015 –, acentuada no período de pandemia.

Dados recentes mostram que, em alguns estados brasileiros, a aplicação de alguns imunizantes chegou a ter queda de 65% em 2020 enquanto, no mundo, a redução foi de cerca de 30%. Uma realidade preocupante no país que é reconhecido internacionalmente pelos programas de amplo acesso à vacinação e pela atenção da população brasileira com a importância da vacinação.

Investir em campanhas de conscientização e intensificar as oportunidades de acesso é urgente para evitar que doenças eliminadas voltem a nos assombrar, além de fazer com que o Brasil volte a apresentar os altos índices de imunização que nos tornaram referência mundial.

Causas para baixa adesão da vacina contra HPV

Falando especificamente da vacina contra papilomavírus humano (HPV), que passou a ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014, as causas para a baixa adesão a essa vacina são diversas – desinformação sobre o tema nessa faixa etária, disseminação de notícias falsas, preconceito, tabus, dificuldade de acesso aos locais de vacinação e receio de uma possível reação adversa.

Desde março de 2023, está disponível no mercado brasileiro a Gardasil 9, a vacina nonavalente para aqueles que desejam de imunizar contra o HPV. Estudos mostram que a vacina oferece proteção extra para mulheres adultas na faixa dos 30-45 anos, mesmo que elas já tenham tido contato com o vírus e, para aquelas que tiveram alguma lesão, a vacina reduz o risco de recidiva. Por isso que, ano passado, a Febrasgo emitiu posicionamento recomendando a vacinação para mulheres de todas as idades.

Além disso, nosso objetivo também é reforçar que a vacina pode e deve ser tomada por homens nessa faixa etária – existe um “Mito” de que HPV só atinge mulheres, quando na verdade a maior parte da transmissão ocorre pelos homens. Pelos números públicos, a gente sabe que existe uma baixa adesão à vacina tanto no público quanto no privado, por isso essa conscientização é o mais importante.

Ao redor do mundo, diversos países que intensificaram a estratégia de imunização contra o HPV observaram redução drástica dos casos de câncer de colo de útero. O exemplo mais bem-sucedido é o da Austrália, que prevê erradicar a doença até 2028. O país foi o primeiro, em 2007, a incorporar a vacina do HPV em seu esquema nacional de vacinação. Em 2018, o país ampliou o acesso à vacina nonavalente. Um ótimo exemplo de que prevenir é, em todos os aspectos – sociais, econômicos e de saúde – muito melhor do que remediar.

*Diretora médica da MSD

 

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