De acordo com dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, analisados em estudo produzido pelo comitê científico do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), o Brasil registra 673 casos diários contra crianças de 0 a 6 anos (28 por hora).

A violência na primeira infância acontece predominantemente dentro de casa. Dados apurados por meio do Disque 100 – linha que recebe denúncias de violação de direitos humanos, inclusive envolvendo crianças – apontam que 84% das agressões contra crianças registradas diariamente têm pais, padrastos, madrastas ou avós como suspeitos.

Especificamente na hora de educá-las, a violência física, psicológica e verbal pode ser reproduzida por pais ou cuidadores, uma prática comum no Brasil, apesar da “Lei da Palmada” (nº 13.010/2014), que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e determinou a proibição do uso de castigos físicos ou tratamentos cruéis e degradantes contra crianças e adolescentes no país.

As consequências psicológicas da ‘palmada’

É importante ressaltar que essas formas de violência podem causar danos emocionais duradouros, prejudicando o desenvolvimento saudável. Isso porque crianças que são vítimas de violência podem enfrentar sérios problemas emocionais, comportamentais e cognitivos.

Uma meta-análise, publicada na revista científica The Lancet e baseada em 69 estudos, revelou que crianças que sofrem punições físicas têm maior predisposição de desenvolverem comportamentos problemáticos ao longo da vida.

A violência contra crianças e adolescentes, mesmo que disfarçada de disciplina, como uma palmada, pode causar sérias consequências psicológicas. Entre elas estão o estresse, que prejudica o aprendizado e a memória e aumenta o risco de doenças crônicas, além de mudanças de comportamento”, afirma Ieda Maria Gonzaga, assistente social da UBS Jardim Coimbra, gerenciada pelo Cejam – Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.

De acordo com a profissional, crianças que sofrem violências podem se tornar agressivas e enfrentar ansiedade, baixa autoestima, sentimentos de medo, insegurança, culpa, distúrbios do sono e problemas de adaptação escolar.

A punição corporal também torna a criança ou o adolescente mais suscetível à rebeldia, vingança, bullying e à prática de delitos.

Do mesmo modo, gritar não é uma solução eficaz. À primeira vista, falar dessa forma com uma criança pode gerar algum resultado, mas os impactos futuros são bem maiores, podendo comprometer sua capacidade de socialização e, consequentemente, o desenvolvimento de relacionamentos positivos durante a vida.

O aspecto mais importante de educar uma criança sem recorrer à violência é fomentar sua autoestima e confiança. Menos gritos se traduzem em maior segurança emocional. A educação sem violência verbal favorece o desenvolvimento de habilidades emocionais, empatia, comunicação e cooperação”, explica.

Sim, é possível educar sem violência

Conforme Ieda Maria, para educar crianças sem recorrer à violência, algumas estratégias podem ser adotadas. “É importante incentivar a comunicação baseada no diálogo e trabalhar a ideia de causa e efeito, explicando as consequências dos comportamentos inadequados. Independentemente da idade da criança ou do cenário em que se encontra, é crucial considerar que o sentimento que gerou o mau comportamento deve ser respeitado, investigado e discutido com ela”, enfatiza.

A especialista destaca que a empatia para entender a motivação da criança ao ter determinado comportamento faz toda a diferença. “Brigas, castigos ou até palmadas podem cessar o comportamento momentâneo, mas não resolvem o problema a longo prazo. Buscar entender é muito mais assertivo”, alerta.

Para promover um ambiente doméstico não violento, é essencial que os pais sejam bons exemplos. Isso inclui elogiar seus filhos, focar em aspectos positivos, escutá-los genuinamente, cumprir promessas, manter o bom humor, entre outras ações.

Uma outra estratégia eficaz é fazer uma pausa junto com a criança, sempre que possível. Nesses momentos, os pais devem trazer o filho para perto, em vez de provocar afastamento. Também é interessante dar uma segunda chance à criança, permitindo que ela tente novamente resolver o problema ou mudar seu comportamento”, reforça.

Além disso, resolver os problemas em conjunto pode ser benéfico para a educação da criança. Esses momentos proporcionam a ela a chance de expressar suas preocupações sobre o problema em questão e de escutar e considerar soluções sugeridas por outros envolvidos.

Disciplina Positiva: como educar sem recorrer a punições e castigos

Para a médica pediatra Loretta Campos, fundadora do Espaço Zune e especialista em Disciplina Positiva pela Discipline Positive Association, a parentalidade positiva vem ganhando espaço, mas ainda há um caminho desafiador a ser percorrido.

Carregamos muito do que vivenciamos na nossa infância e da forma como fomos criados. Entender que para ser firme é possível ser gentil ainda é um questionamento frequente entre os pais. Mas, acredito sim que a parentalidade positiva vem se fortalecendo ao longo do tempo”, argumenta.

A médica frisa que a parentalidade positiva demanda mais do que evitar condutas violentas com os filhos. Dentre seus pilares estão ainda a conexão entre pais e filhos, o respeito mútuo, a comunicação não violenta e efetiva, a responsabilidade e autodisciplina, a solução de problemas e cooperação.

‘É possível ter firmeza sem perder a gentileza’, diz pediatra

Para a pediatra, é necessário refletir sobre o sentimento que nossa forma de educar causa. Ela ressalta que é possível ter firmeza sem perder a gentileza, posicionamento central na parentalidade positiva.

Jane Nelsen questiona: ‘Por que para educar precisamos fazer com que o outro se sinta pior?’. É possível educar sem agredir física ou verbalmente a criança”, afirma a médica que é educadora parental e pós-graduanda em Parentalidade e Comportamento Infantil.

Segundo ela, a melhor forma de manter a firmeza sem perder a gentileza e recorrer a atitudes violentas, é ouvir as necessidades da criança. A especialista explica que tanto o pediatra, que é o médico da família, e precisa interpretar as queixas da criança para compreender o ambiente familiar, como os pais precisam praticar a escuta ativa.

Com ela, é possível saber a razão da mudança de comportamento e até avaliar a necessidade de buscar o suporte de outros profissionais como psicólogos, por exemplo.

Também pe importante entender que por trás de todo comportamento há uma necessidade a ser atendida e isso torna os cuidadores mais empáticos com a criança. Além disso, entender a maturação neurológica de cada fase da infância também é fundamental, pois possibilita educar sem diminuir o outro ou desconstruir esse indivíduo, deixando que ele desenvolva plenamente essa maturidade emocional.

Punição ineficaz ou prejudicial

É muito comum ouvir a frase: ‘Eu apanhei e sobrevivi. Virei gente’. Contudo me pergunto se esse indivíduo consegue expressar suas emoções, se precisa sempre agradar ao outro para se sentir amado, se consegue ter uma boa relação com os pais ou se um dia de convívio já gera discussões, como está a sua autoestima. Enfim, carregamos muito da nossa criança interior. Nosso papel como pais na construção desse ser humano organizado emocionalmente é importantíssimo. Por isso, educar é tão desafiador”, pontua.

A especialista salienta que castigos e punições não têm a eficácia esperada e ainda levam a prejuízos como a desconexão com os pais, gerando sentimentos como raiva, baixa autoestima e medo. Ela reforça que os pais precisam estar conectados com seus filhos para que eles possam sentir segurança e buscar apoio.

A geração dos nossos filhos hoje traz a internet, o acesso rápido a informações, o uso de eletrônicos, a mãe muitas vezes ativa profissionalmente. É preciso também nos permitir pensar ‘fora da caixa’ para que a nova realidade não comprometa a saúde emocional da família”.

Por fim, Loretta reforça que não existe um manual a ser seguido e recomenda a busca de muita informação, grupos de pais e mães, palestras ou mesmo a leitura de livros. “Não nascemos pais, aprendemos a ser. Como todo aprendizado, é preciso buscar o conhecimento. Na parentalidade isso não deve ser diferente”, completa.

Com Assessorias

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