O Senado Federal deve revisar em breve o projeto de lei que cria regras para a proteção de crianças e adolescentes quanto ao uso de aplicativos, jogos eletrônicos, redes sociais e programas de computador. A proposta prevê obrigações para as plataformas digitais e controle de acesso por parte de pais e responsáveis. Entre outras medidas, o PL 2.628/2022 prevê uma ferramenta que permitirá aos pais e responsáveis legais a capacidade de gerenciar as configurações de privacidade e a conta da criança ou do adolescente.
A proposta é do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) e foi aprovada pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (20), com mudanças feitas pelos deputados. Por isso, o texto volta para nova votação dos senadores. Por meio da rede sociais, Vieira comemorou o avanço da tramitação da proposta:
Será a primeira lei de proteção a crianças e adolescentes em ambiente digital das Américas. Trabalho iniciado em 2022, e que contou com o apoio de muitos dentro e fora do Parlamento, provando que ainda é possível unir o Brasil na defesa de quem mais precisa”, escreveu.
A proteção das crianças e adolescentes contra abusos no ambiente digital está no radar do Congresso Nacional desde o início do mês. Manifestações em favor do PL 2.628/2022 foram intensificadas após denúncias feitas pelo criador de conteúdo digital Felipe Bressanim, conhecido como Felca, que apresentou recentemente casos de erotização, exploração e abuso tratados como entretenimento envolvendo crianças e adolescentes em ambientes digitais.
Pelas denúncias, essas publicações de conteúdos de adultização e sexualização de menores, com circulação aberta em redes sociais operadas pelas big techs, estariam sendo comercializas até com conteúdo íntimo, em alguns casos com consentimento dos pais ou responsáveis.
Medidas previstas
Com previsão de vigência depois de um ano de publicação da futura lei, o projeto determina aos fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação que adotem “medidas razoáveis” desde a concepção e ao longo da operação dos aplicativos para prevenir e diminuir o acesso e a exposição de crianças e adolescentes a conteúdos considerados prejudiciais a esse público.
O texto aprovado estabelece vários procedimentos e exigências aos fornecedores dos aplicativos de internet (empresa controladora de apps, por exemplo). No entanto, um regulamento posterior definirá critérios objetivos para aferir o grau de interferência desses fornecedores sobre os conteúdos postados.
Assim, exigências previstas no projeto em relação a temas como risco de exposição a conteúdo prejudicial (pornografia, estímulo a suicídio, bullying, jogos de azar etc.), retirada de material por notificação do usuário ou comunicação a autoridades de conteúdo de crime contra crianças e adolescentes serão aplicadas de forma proporcional à capacidade do fornecedor de influenciar, moderar ou intervir na disponibilização, circulação ou alcance dos conteúdos acessíveis por esse público.
“ECA Digital”
O relator do projeto na Câmara, deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), disse ter alterado a proposta para garantir que as famílias exerçam o papel de proteção de forma eficaz, sem substituí-lo pelas plataformas.
Essa solução se inspira no modelo adotado pela Constituição Federal, que, ao tratar da proteção contra conteúdos prejudiciais na comunicação social, optou por assegurar à família os meios para se defender, e não por substituir sua autonomia”, afirmou.
Segundo o relator, a proposta é mais técnica e restritiva do que o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no final de junho, que determinou a retirada de qualquer conteúdo que viole direitos de crianças e adolescentes mediante simples notificação. “O projeto inova ao estabelecer parâmetros objetivos, requisitos formais e hipóteses específicas de violação, conferindo maior segurança jurídica e eficácia prática à regra”, explicou.
Jadyel Alencar defendeu o apelido “ECA Digital” para a proposta, por considerar que a nomenclatura relacionada ao Estatuto da Criança e do Adolescente vai ampliar a adesão social e a observância da medida. Embora o escopo da proposta seja mais restrito que o do ECA, o apelido favorece a identificação pública, amplia a aderência social e contribui para a observância prática da futura lei.
Alencar disse também ter alterado a proposta para, segundo ele, garantir que as famílias exerçam o papel de proteção de forma eficaz, sem substituí-lo pelas plataformas. De acordo com o parlamentar, a proposição é “mais técnica e restritiva” do que o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no final de junho, de determinar a retirada de qualquer conteúdo que viole direitos de crianças e adolescentes mediante simples notificação.
O relatório da Câmara substituiu, em todo o projeto, a expressão “produto ou serviço de tecnologia da informação direcionado ou que possa ser utilizado por crianças e adolescentes” por “produto ou serviço de tecnologia da informação direcionado ou de acesso provável por crianças e adolescentes”.
Segundo o relator, a mudança considera a realidade material de utilização das plataformas, determinando a aplicação da lei nos casos de uso provável ou significativo por crianças e adolescentes. A nova redação, segundo o deputado, dá mais clareza, garante mais segurança jurídica e diminui as chances de dubiedade na interpretação da futura lei.
Avaliação de acesso
Ainda no sentido de evitar imprecisões, o substitutivo da Câmara determina que o acesso provável por crianças e adolescentes será considerado por meio da avaliação da facilidade de acesso, bem como a atratividade ao conteúdo.
A possibilidade de acesso por menores a conteúdos hospedados fora do país, por meio do uso de redes privadas virtuais (VPNs), também foi inserida na proposta: a futura lei será capaz de alcançar os serviços disponibilizados tanto no Brasil quanto no exterior.
Ainda de acordo com o relator, o texto foi alterado de modo a tornar inequívoca a atribuição das obrigações aos provedores desses serviços.
O texto estabelece vários procedimentos e exigências aos fornecedores dos aplicativos de internet (empresa controladora de apps, por exemplo). Um regulamento posterior definirá critérios objetivos para aferir o grau de interferência desses fornecedores sobre os conteúdos postados.
Assim, exigências previstas no projeto em relação a temas como risco de exposição a conteúdo prejudicial (pornografia, estímulo a suicídio, bullying, jogos de azar etc.), retirada de material por notificação do usuário ou comunicação a autoridades de conteúdo de crime contra crianças e adolescentes serão aplicadas de forma proporcional à capacidade do fornecedor de influenciar, moderar ou intervir na disponibilização, circulação ou alcance dos conteúdos acessíveis por esse público.
Provedores dos serviços com controle editorial (jornais e revistas, por exemplo) e provedores de conteúdo protegido por direitos autorais licenciados serão dispensados do cumprimento das obrigações se seguirem normas do Poder Executivo sobre:
- classificação indicativa, com transparência na classificação etária dos conteúdos;
- se oferecerem mecanismos técnicos de mediação parental; e
- se ofertarem canais acessíveis para recebimento de denúncias.
Um regulamento do Poder Executivo definirá detalhes das exigências do projeto. Todas as regras se referem tanto aos produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados a crianças e adolescentes quanto àqueles de acesso provável por esse público.
O texto define acesso provável quando houver:
- “suficiente probabilidade” de uso e atratividade do produto ou serviço;
- “considerável facilidade” ao acesso e utilização dele; e
- “significativo grau” de risco à privacidade, à segurança ou ao desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes.
No entanto, a regulamentação não poderá impor mecanismos de vigilância massiva, genérica ou indiscriminada; e serão vedadas práticas que comprometam os direitos fundamentais à liberdade de expressão, à privacidade, à proteção integral e ao tratamento diferenciado dos dados pessoais de crianças e adolescentes.
Jogos eletrônicos
O PL 2.628/2022 foi aprovado em caráter definitivo no Senado pela Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD) em dezembro de 2024. Em seguida, o texto foi enviado à Câmara. O projeto originalmente proibia o uso das chamadas caixas de recompensas pelos jogos eletrônicos. No entanto, a versão aprovada pelos deputados libera a prática com certas regras.
A caixa de recompensas é uma funcionalidade em certos jogos que permite acesso a itens virtuais relacionados ao enredo do jogo sem conhecimento do conteúdo (vantagens aleatórias). Esse mecanismo tem sido reconhecido por diversos países como uma estratégia de viciar o jogador em permanecer no jogo, mesmo que a compra não seja monetária e sim por meio de pontuações.
Segundo as regras adicionadas pelo relator na Câmara, o jogador deverá obter acesso à recompensa de, no mínimo, um item virtual ou uma vantagem aleatória em cada caixa de recompensa adquirida, proibindo-se as caixas vazias ou que resultem em ausência total de benefício no ambiente de jogo.
O jogador deverá ser informado das probabilidades de obtenção dos itens ou vantagens oferecidos antes da aquisição e será proibida a comercialização, troca ou conversão de itens virtuais obtidos em caixa de recompensa por qualquer forma de moeda corrente, crédito financeiro ou vantagem fora do ambiente do jogo.
Os jogos também não poderão conceder vantagens competitivas significativas ou desproporcionais em troca de pagamento e, por padrão, as funcionalidades de interação entre usuários dependerão do consentimento dos pais ou responsáveis legais. Quanto ao uso compulsivo ou excessivo, devem ser adotadas medidas técnicas e administrativas como limites de compra, mecanismos de alerta e supervisão parental.
Em relação aos produtos ou serviços de monitoramento infantil (principalmente apps), o texto determina que contenham mecanismos e soluções de tecnologia atualizados para garantir a inviolabilidade das imagens, dos sons e das outras informações captadas, armazenadas e transmitidas aos pais ou responsáveis. Esses aplicativos deverão informar às crianças e aos adolescentes, em linguagem apropriada à sua idade, sobre a realização desse monitoramento por pais ou responsáveis.
Os provedores de aplicações de internet deverão viabilizar, gratuitamente, o acesso a dados necessários à realização de pesquisas sobre os impactos de seus produtos e serviços nos direitos de crianças e adolescentes. Esse acesso poderá ser por parte de instituições acadêmicas, científicas, tecnológicas, de inovação ou jornalísticas, conforme critérios e requisitos definidos em regulamento.
Redes sociais
Pelo texto aprovado pelos deputados, nas redes sociais os provedores deverão assegurar que usuários crianças e adolescentes de até 16 anos ou suas contas estejam vinculados a usuário ou conta de um de seus responsáveis legais. Se os serviços desses aplicativos de rede social forem impróprios ou inadequados para crianças e adolescentes, o provedor deverá informar de forma destacada a todos os usuários sobre isso.
Os serviços terão ainda de monitorar e restringir, de acordo com suas capacidades técnicas, a exibição de conteúdos que tenham como objetivo evidente atrair esse público. Para evitar o acesso indevido de crianças e adolescentes, terão de aprimorar continuamente seus mecanismos de verificação de idade para identificar contas operadas por elas.
Uma das formas de verificação possível em caso de suspeita é a solicitação aos responsáveis que confirmem sua identificação quando houver indícios fundados de que as contas estão sendo operadas por crianças. Se houver indícios de que a conta é operada por criança ou adolescente menor de 16 anos, os provedores deverão suspender o acesso do usuário, garantindo ao responsável legal recurso e método de comprovação da idade do usuário.
Entretanto, se não for possível a esses provedores de rede social cumprir essas normas, eles deverão impedir que as configurações de supervisão parental da conta sejam alteradas para um nível menor de proteção que a configuração padrão exigida.
Publicidade
Outra medida de proteção de crianças e adolescentes prevista no projeto de lei é a proibição de traçar perfis para direcionar publicidade a essa faixa etária. Será vedado ainda utilizar análise emocional, realidade aumentada, realidade estendida e realidade virtual para esse fim.
O perfilamento é definido como qualquer forma de tratamento de dados pessoais, automatizada ou não, para avaliar certos aspectos de uma pessoa natural com o objetivo de classificá-la em grupo ou perfil para fazer inferências sobre seu comportamento, situação econômica, saúde, preferências pessoais, interesses, desejos de consumo, localização geográfica, deslocamentos, posições políticas ou outras características assemelhadas.
O perfil comportamental de crianças e adolescentes para fins de direcionamento de publicidade também será proibido, ainda que a partir de dados obtidos nos processos de verificação de idade ou de dados grupais e coletivos.
Penalidades
Sem prejuízo de outras sanções cíveis, criminais ou administrativas, quem descumprir a eventual futura lei poderá sofrer penalidades que vão de advertência a multa simples ou suspensão e proibição de exercício das atividades. A advertência implicará prazo para adoção de medidas corretivas de até 30 dias.
Já a multa será de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício. Se indisponível esse dado, a multa será de R$ 10,00 até R$ 1 mil por usuário cadastrado do provedor sancionado, limitada, no total, a R$ 50 milhões por infração. Os valores citados serão reajustados anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Os valores recolhidos irão para o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente para uso necessariamente em políticas e projetos que tenham como objetivo a proteção de crianças e adolescentes.
A gradação da sanção levará em conta a gravidade da infração, a reincidência, a capacidade econômica do infrator, a finalidade social do provedor de aplicações de internet e o impacto sobre a coletividade. Empresa estrangeira responderá solidariamente pelo pagamento da multa por sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no país. Já as penalidades mais graves, de suspensão ou proibição de atividades, somente poderão ser aplicadas pelo Poder Judiciário.
Debate em Plenário
Para a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), o projeto é um marco histórico para a proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais. “As plataformas e as big techs também têm responsabilidades para garantir que as redes sejam um ambiente seguro para nossas crianças”, afirmou.
De acordo com a deputada, a proposta protege a liberdade de expressão e de imprensa pelo rol restrito de conteúdos que podem ser imediatamente removidos. “Todos aqueles que se preocupam com crianças e adolescentes, são pais e mães, têm a obrigação de votar favoravelmente. É uma resposta fundamental do Parlamento, do governo e da sociedade para esse problema que é a exposição de nossas crianças nas redes”, disse.
A líder do Psol, deputada Talíria Petrone (RJ), citou dados sobre crimes contra crianças e adolescentes para mostrar a importância da proposta. “Isso tem a ver com algoritmo que entrega pedofilia, com ambiente virtual onde há lucro exagerado a partir da monetização do corpo das crianças”, disse.
O texto conecta-se com o ECA e com a Constituição, na opinião do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). “É muito importante que a segurança seja um requisito no desenho dos aplicativos. É muito importante oferecer mecanismos para que pais e mães tenham contas de crianças vinculadas às suas”, disse Silva.
Segundo a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a proposta estende para o meio digital os direitos efetivos de crianças e adolescentes do Brasil. “Esta Nação tem como essencial a prioridade e a proteção integral da infância”, disse.
Ela elogiou o trabalho de deputados da base e da oposição, associado à atuação da sociedade civil em prol da infância. “Queríamos estar unidos e, que bom, estamos unidos neste momento. Isso não apaga nossas diferenças, mas demonstra que o Parlamento brasileiro pode viver momentos de maturidade e alta política.”
Para o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) a proposta é uma vitória do entendimento e do diálogo. “Mostramos que, quando queremos, nossas divergências ficam de lado e prevalece o bem comum”, disse.
Oposição lutava em favor das big techs
Para o líder do PT, deputado Lindbergh Farias (RJ), a oposição recuou em sua posição contrária ao projeto por pressão da sociedade civil. “Entre proteger crianças e adolescentes ou a bíblia do Trump e a defesa das big techs, eles estavam ficando daquele lado”, disse.
Já o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que foram retiradas do texto todas as possíveis censuras. “Crianças e adolescentes serão prioridade deste Parlamento. Nesta hora não existe bandeira partidária ou ideológica. Na defesa das crianças e dos adolescentes, queremos sempre estar juntos”, declarou.
A deputada Bia Kicis (PL-DF), vice-líder da Minoria, disse que as mudanças no texto do relator corrigiram vários pontos que preocupavam a oposição por possibilidade de censura. “Haverá critério para que se possa aplicar qualquer punição. A agência [de fiscalização] não será uma autoridade escolhida pelo Executivo, mas criada por lei”, declarou.
De acordo com ela, a versão final proposta também tirou a subjetividade do que seria qualificado como conteúdo ofensivo.
Já o deputado Kim Kataguiri (União-SP) afirmou que o projeto aprovado está “mil vezes melhor” do que o governo propôs. “O total controle e a total vigilância que o governo queria no texto original, colocando o projeto de lei da censura disfarçado em um projeto de lei de proteção de crianças, foi desmontado pelo relator”, declarou.
Para o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), vice-líder da oposição, houve um equilíbrio e um denominador comum no projeto. “O que está neste projeto vai ao encontro do que queremos, que é proteger as crianças e os adolescentes.”
O líder do Novo, deputado Marcel van Hattem (RS), afirmou que o texto ainda possui dispositivos que permitem ao governo fazer, por medida provisória, a regulação do tema. “Não consigo hipotecar o meu apoio a este projeto. Em defesa das nossas crianças, quero ver mais ação da polícia, do Ministério Público e da Justiça”, declarou.
CPI no Senado
Nesta quarta-feira, o Senado criou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Adultização, destinada a investigar crimes cometidos contra crianças e adolescentes, incluindo denúncias de pedofilia e abuso virtual. O anúncio foi feito em Plenário pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre.
A CPI será composta por 11 membros titulares e 7 suplentes, terá prazo de 180 dias e limite de despesa de R$ 400 mil. As lideranças partidárias deverão indicar os integrantes do colegiado (de acordo com o critério da proporcionalidade, que considera o tamanho de cada legenda na Casa).
O abusos virtuais contra crianças e adolescentes também estão em debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) protocolou requerimento para audiência pública com representantes de big techs, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Defensoria Pública da União, além do próprio Felca, para detalhar as denúncias.
Fonte: Agência Câmara de Notícias e Agência Senado