Alerta vermelho para a saúde emocional de grávidas e puérperas

Ansiedade e depressão são mais comuns, mas depressão pós-parto e psicose puerperal também preocupam especialistas

Ansiedade e depressão são alguns dos problemas mais comuns entre mães adolescentes (Foto: Febrasgo)
Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!

O aumento nos relatos na internet de ‘mães arrependidas’ em diversas fases da maternidade é um fenômeno recente, mas pode ser a ponta do iceberg de um grave problema de saúde pública: a saúde emocional de grávidas e puérperas pede socorro. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma em cada cinco mulheres poderá presenciar algum impacto em sua saúde mental durante a gravidez ou após o nascimento do bebê.

Durante a gravidez e o pós-parto, 15% a 30% das mulheres apresentam ansiedade ou depressão. Dados recentes durante a pandemia da Covid são ainda mais preocupantes, indicando que até 47% das mulheres no período perinatal apresentavam problemas psicológicos devido às incertezas em relação ao parto. Ainda segundo a OMS, a depressão pós-parto atinge de 10% a 15% da população de mulheres em todo o mundo.

Conhecido popularmente como resguardo, o puerpério é o período que se estende do nascimento do bebê até a volta da mãe ao seu estado anterior à gravidez. Durante essa fase, a mulher passa por mudanças físicas e psíquicas, devido à readaptação de rotina, com mais responsabilidades e intensas variações hormonais.

Esse momento a torna suscetível a desenvolver transtornos, a exemplo da depressão pósparto. Segundo dados do estudo conduzido no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina e no Hospital Universitário, ambos da Universidade de São Paulo (USP), a taxa de pacientes com depressão pósparto quase dobrou, se comparada a anos anteriores a 2020. Neste período, podem, inclusive, ocorrer pensamentos suicidas e por isso é fundamental que familiares e amigos estejam atentos aos sinais.

“Ainda há aqueles casos ainda mais complexos, que chegam a resultar em psicose puerperal, um problema que pode acontecer em um a cada mil partos no Brasil – quase 3.200 casos por ano, se considerada a média de nascimentos entre 2010 e 2020″, alertam o psiquiatra Kalil Duailibi e o ginecologista e obstetra Gabriel Monteiro, ambos professores do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa.

Os dados sobre depressão pós-parto e psicose puerperal são preocupantes. No artigo ao final do texto, os especialistas apontam a necessidade de uma parceria entre ginecologistas e obstetras, responsáveis pelo pré-natal de gestantes, e de psiquiatras, para que, juntos, ajudem as pacientes que apresentam qualquer tipo de transtorno mental, inclusive depressão.

Prejuízo com saúde emocional de grávidas pode chegar a R$ 26 bilhões

São raros os estudos revelando o impacto econômico relacionado aos problemas de saúde mental na população brasileira. Mas um estudo recente joga luz sobre a questão e aponta um prejuízo, de aproximadamente R$ 26 bilhões em não tratar os problemas emocionais perinatais nas mulheres e em seus filhos. Estes gastos incluem, por exemplo, assistência hospitalar e perda de produtividade.

A pesquisa foi coordenada por economistas do Care Policy and Evaluation Centre, da renomada universidade inglesa London School of Economics and Political Science (LSE), em colaboração com o Perinatal Mental Health Project, com participação de pesquisadores brasileiros da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e da Universidade de São Paulo (USP).

À frente do projeto estão as professoras Cristiane Silvestre de Paula e Ana Alexandra Caldas Osório, ambas do Centro Mackenzie de Pesquisa sobre Infância e Adolescência e do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da  UPMcampus Higienópolis, juntamente com Alicia Matijasevich, do Departamento de Medicina Preventiva da USP.

O objetivo principal foi de estimar os custos da depressão e ansiedade perinatal, considerando os impactos de longo prazo tanto nas mães quanto nas crianças brasileiras. Uma ressalva importante é que devido à indisponibilidade de dados no Brasil, as pesquisadoras acreditam que os valores encontrados possam estar subestimados.

Urgência em investimentos brasileiros na saúde mental perinatal

Esses resultados são os primeiros da América Latina e indicam a urgência de investimentos brasileiros na saúde mental perinatal. O estudo aponta que os impactos para as mulheres e seus filhos são de longo prazo e devastadores, no entanto, a área continua negligenciada.

Para Cristiane Silvestre de Paula, a pesquisa conjunta tem uma grande força de mobilização ao demonstrar que bilhões de reais seriam economizados se tratássemos adequadamente os problemas emocionais das grávidas e puérperas no país.

Ana Osório explica que “a situação de saúde mental de grávidas e puérperas já era grave no nosso país antes da pandemia e só aumentou com a crise do coronavírus”. Além disso, ela diz que estudos de custo econômico mostram inequivocamente a magnitude e urgência deste problema de saúde pública.

De acordo com Alicia Matijasevich, embora os problemas de saúde mental perinatais, principalmente depressão, sejam reconhecidos há bastante tempo na maioria dos países desenvolvidos, em países em desenvolvimento não há uma atitude ativa para abordá-los.

“São poucos os profissionais de saúde que conseguem identificar precocemente, orientar e tratá-los adequadamente evitando consequências deletérias nas mães e em seus filhos”.

Os resultados podem ser consultados na íntegra no artigo intitulado The lifetime costs of perinatal depression and anxiety in Brazil (tradução livre: Os custos brasileiros da depressão e ansiedade perinatal no decorrer da vida) na revista científica Journal of Affective Disorders. Para acesso ao artigo na íntegra, clique aqui.

Leia mais

‘Mãe arrependida’: quem nunca? A maternidade real na vida e no palco
Gestantes e puérperas atentas à depressão pós-parto e baby blues
Depressão: é hora de quebrar o silêncio e o preconceito

 

Palavra de Especialista

Um esforço de muitas mãos no combate à depressão pósparto

Por Kalil Duailibi e Gabriel Monteiro*

Ao contrário do que muita gente pensa, médicos não trabalham sozinhos quando atuam em consultório. Em qualquer situação, o sucesso do nosso trabalho depende das mais diversas parcerias. Com o paciente, com a família, com profissionais como enfermeiros, especialistas em exames específicos e, principalmente, com outros médicos. 

No caso da psiquiatria, que é a minha área e uma especialidade que tem foco total na saúde mental dos pacientes, a parceria com outros médicos é mais do que importante, ela é fundamental. Isso porque a saúde mental se relaciona diretamente com a saúde física das pessoas, o que nos move a falar em saúde global. 

É importante destacar a parceria de ginecologistas e obstetras, responsáveis pelo pré-natal de gestantes, e de psiquiatras – que, juntos, ajudam as pacientes que apresentam qualquer tipo de transtorno mental, inclusive depressão. Esses dois profissionais podem atuar de forma proativa no sentido de identificar antecipadamente possíveis casos de depressão pósparto e de psicose puerperal.

Por isso, eu defendo veemente essa atenção que começa no ginecologista/obstetra em forma de observação e acolhimento, e vira acompanhamento e tratamento adequado nas mãos do psiquiatra em situações em que se pode antecipar possíveis quadros de depressão ou psicose pósparto.

Embora ter filhos seja maravilhoso, levar uma gestação a cabo, parir e cuidar de um bebê nos primeiros meses de vida colocam a saúde mental de qualquer mulher à prova, mesmo quando ela tem um parceiro que a apoie. É desafiador, estressante, mexe expressivamente com os hormônios, com o peso, com a saúde em geral da paciente. Isso sem mencionar outras dificuldades importantes em muitas situações, como pais ausentes, falta de dinheiro, alimentação, acesso a condições dignas de saúde e apoio familiar. 

depressão pósparto é uma condição tratável, mas também prevenível quando se conhece bem a paciente. Com o ginecologista e obstetra atuando nesta frente, sendo que muitos acompanham suas pacientes por muitos anos, a parceria com o psiquiatra pode reduzir muito a incidência dessa condição, favorecendo a qualidade de vida e a saúde mental das mães nesse período de adaptação à maternidade – seja a primeira ou outras. 

A saúde mental da mulher merece essa atenção, principalmente nesse momento de tanta vulnerabilidade. 

* Kalil Duailibi, psiquiatra, e Gabriel Monteiro, ginecologista e obstetra, são professores do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa. 

Com assessorias

Leia ainda

Transtornos psicológicos são mais comuns em mulheres
Burnout parental: como ajudar os pais a lidar com essa síndrome?
‘Verdades que ninguém te conta’: os desafios da maternidade real

 

Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!

You may like

In the news
Leia Mais
× Fale com o ViDA!