O câncer de pulmão que matou nesta segunda-feira (7) a atriz Aracy Balabanian, de 83 anos, assim como vitimou este ano a apresentadora Glória Maria e a cantora Rita Lee, 75 – continua sendo o mais letal entre todos os tipos de câncer. Em todo o mundo, são 1,8 milhão de mortes anuais (18% de todas as mortes por câncer), segundo o Globocan, da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC/OMS).
Somente em 2020, foram registradas 28.620 mortes por câncer de pulmão no Brasil, conforme dados do Atlas de Mortalidade por Câncer – SIM. Apesar da alta taxa de mortalidade, houve avanços nos últimos anos no entendimento dos diferentes tipos de câncer de pulmão, propiciando abordagens mais assertivas para cada grupo de pacientes, com cirurgia, radioterapia e tratamento sistêmico com quimioterapia, radioterapia e imunoterapia.
O tipo mais comum de câncer de pulmão é o de não pequenas células, que responde por mais de 80% dos tumores malignos do pulmão, se dividindo nos subtipos adenocarcinoma e carcinoma espinocelular. O diagnóstico ainda em fase inicial é fundamental para aumentar as chances de sucesso no tratamento do câncer de pulmão. Quando detectado precocemente, as opções de tratamento podem ser mais eficazes.
Além disso, estudos apontam que a tomografia computadorizada de baixas doses em pessoas com histórico de tabagismo como método de rastreamento é capaz de descobrir a doença mais cedo e reduzir a taxa de mortalidade. Com os avanços nos tratamentos, houve um aumento da sobrevida em pacientes com câncer de pulmão. Conforme o Observatório do Câncer, entre os homens, a sobrevida passou de 10,4% (2000-2004) para 51,1% (2015-2017), já nas mulheres de 18,8% (2000-2004) passou a 59,0% (2015-2017).
75% dos casos são diagnosticados em estágio avançado
Câncer de pulmão é o mais letal no mundo, com 1,8 milhão de mortes anuais. No Brasil, são registrados 28 mil óbitos por ano pela doença
Pelo menos 75% dos casos são diagnosticados em estágio avançado. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), quando diagnosticado em estágio inicial, este tipo de tumor apresenta taxa de sobrevida de 56% (pacientes vivos após cinco anos do início de tratamento). Então, o que fazer para diagnosticar e tratar mais cedo o câncer de pulmão?
A única forma de conseguir aumentar o número de diagnósticos iniciais é implementando política de rastreamento para câncer de pulmão”, explica o cirurgião oncológico Antônio Bomfim Rocha, membro da SBCO.
A principal causa do câncer de pulmão, o tabagismo – responsável por 80% a 90% dos casos – é conhecida. De acordo com o cirurgião oncológico Héber Salvador, presidente da SBCO, a entidade tem cada vez mais investido em campanhas de informação para combate ao tabagismo, que é a principal causa de morte evitável do mundo. Para ele, a formação e acompanhamento do cirurgião especialista em câncer também são pilares para a garantia de tratamentos com sucesso e mais chances de cura.
Mortes poderiam ser reduzidas com tomografia de baixas doses
Em 2011, o mundo recebeu mais uma importante contribuição científica que mostrou a redução de mortalidade por câncer de pulmão. Pesquisadores do National Lung Screening Trial (NILST) dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) concluíram que o rastreamento pela Tomografia Computadorizada de Baixas Doses (TCBD), quando comparada com a radiografia tradicional de tórax, conseguiu reduzir em 20% a mortalidade do câncer de pulmão.
O estudo foi publicado no New England Journal of Medicine, um dos periódicos científicos mais importantes do mundo. Ao longo da última década, o trabalho, com mais de 5 mil citações na literatura médica, influenciou estratégias de diagnóstico precoce ao redor do mundo, inclusive no Brasil, mas o exame não é adotado como estratégia de rastreamento populacional no país para a população com histórico de tabagismo, como é preconizado.
O médico cita o exemplo da China – um dos países com melhores resultados na política de rastreamento: “Fazem tomografias de rotina em toda população acima dos 50 anos de idade, principalmente entre aqueles que fumam ou são expostos ao uso do cigarro, em todas suas formas. A tomografia de tórax precisa fazer parte do checkup anual – especialmente para quem tem mais risco de adquirir o câncer de pulmão: fumantes e pessoas acima de 50 anos”, reforça Rocha.
Fumantes devem fazer tomografia a partir dos 50 anos
Alguns estudos sugerem que pacientes com alto risco, como os fumantes, façam anualmente uma tomografia computadorizada, a partir dos 55 anos, a fim de tentar identificar o câncer de pulmão em uma fase mais precoce.
Notou-se que essa medida pode ajudar a detectar tumores menores e aumentar a chance de cura. No entanto, a melhor estratégia para prevenção é eliminar ou pelo menos reduzir significativamente o uso do fumo”, ressalta Lucas Sant´Ana, coordenador do Oncocenter Dona Helena, serviço especializado em oncologia do Hospital Dona Helena, de Joinville (SC).
Já para Carolina Salim Gonçalves Freitas Chulam, oncologista do Centro de Referência de Pulmão e Tórax do A.C.Camargo Cancer Center, a recomendação deve ser antecipada para os 50 anos. “Recomendamos que aqueles pacientes com mais de 50 anos, que fumam mais de 20 maços/ano ou que pararam de fumar há menos de 15 anos, devem fazer uma tomografia de baixa radiação anualmente”, afirma.
Exame de rotina para fumantes, como a mamografia para mulheres
De forma geral, o objetivo do rastreamento é promover melhor qualidade de vida, fornecer tratamento em tempo oportuno, incentivar o não tabagismo, possibilitar a detecção precoce e analisar indicadores. Entre fumantes e ex-fumantes, a recomendação é que seja realizado o exame de rotina de rastreamento do câncer de pulmão, da mesma forma que já um padrão para outras patologias, como câncer de mama.
Porém, a utilização dessa estratégia precisa ser ampliada pela população. Por isso, a campanha Agosto Branco reforça a importância de se falar sobre o rastreamento, tanto para a sociedade geral como para com os profissionais da saúde, já que o compartilhamento de informações sobre prevenção e saúde pneumológica é de extrema importância.
“O diagnóstico tardio representa a maior desafio para o tratamento do câncer de pulmão, considerado um “tumor silencioso”, já que a maior parte dos diagnósticos acontece com a doença já em estágio avançado”, confirma Carolina Salim. Ela também reforça a importância do rastreamento e do acompanhamento médico.
“A prevenção, a detecção precoce e os tratamentos personalizados trazem maiores chances de cura, sobrevida e qualidade de vida”, ressalta. A Dra. Carolina reforça que, para além da prevenção do câncer de pulmão, este público deve procurar um pneumologista para avaliar risco de enfisema, bronquite, entre outras doenças pulmonares. “É comum atendermos pacientes que fumam há mais de 50 anos e nunca passaram por um pneumologista”, alerta.
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Imunoterapia é esperança, mas ainda um privilégio para poucos
Uma forma de reduzir a mortalidade por câncer de pulmão é ampliando o acesso aos avanços terapêuticos a toda a população. Segundo a SBCO, esta é uma das doenças oncológicas que mais mostra evidências de se beneficiar de terapias-alvo e de imunoterapias, tratamentos da era da Medicina de Precisão.
Apesar de ser apontada como um recurso importante para aumentar a sobrevida de pacientes com câncer de pulmão, a imunoterapia ainda é um privilégio de quem pode pagar um bom plano de saúde ou um tratamento particular.
A apresentadora Ana Maria Braga fez um desabafo recentemente sobre os momentos em que enfrentou o câncer, defendendo a importância de disponibilizarem a imunoterapia no Sistema Únicos de Saúde (SUS).
Eu sou uma reminiscente dos vários cânceres. Eu tive um câncer de pulmão. E como parte do controle, todo paciente de câncer tem que fazer exames de tempos em tempos”, relembrou.
Ainda segundo a SBCO, em 2020, com tratamento restrito à quimioterapia, os pacientes com câncer de pulmão agressivo e metastático tinham sobrevida média de 12 meses. Hoje, as terapias-alvo e, mais recentemente, as imunoterapias, permitem que os pacientes com câncer de pulmão, que têm indicação e acesso a esta terapia-alvo, tenham média de até 90 meses de sobrevida e com menor toxidade.
Por essa razão, o acesso dos pacientes à terapia alvo é essencial. Isso porque a cirurgia não é a opção de escolha para o câncer de pulmão que é diagnosticado em fase avançada (o que representa 75% dos casos)”, alerta a entidade que representa os cirurgiões especializados em tumores oncológicos.
Cirurgia robótica é outro avanço importante
Nos últimos 15 anos, houve diversos avanços nas tecnologias para tratar esse tipo de câncer. Paralelamente ao cenário de diagnóstico tardio e mortalidade, a cirurgia robótica também avançou, como explica o cirurgião oncológico Antônio Bomfim Rocha, membro da SBCO.
Tivemos a possibilidade de fazer o tratamento de forma minimamente invasiva, tanto do diagnóstico quanto das cirurgias mais complexas. A cirurgia robótica é uma das intervenções mais modernas no mundo, e que já é uma realidade em várias regiões do Brasil”.
As vantagens da cirurgia robótica para o câncer de pulmão são vastas, segundo ele. “Ela proporciona uma qualidade no tratamento oncológico, o que resulta em menos sofrimento ao paciente. Ela também permite que os pacientes voltem às suas atividades habituais com mais rapidez, uma vez que as cirurgias tendem a ter menos complicações.
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Dificuldade de acesso é entrave para radioterapia em câncer de pulmão
Dependendo do caso, pode ter proposta curativa ou paliativa. Indicação leva em conta a fase de descoberta da doença e disponibilidade das técnicas na Saúde Suplementar e no SUS
A radioterapia é uma das principais modalidades terapêuticas no tratamento do câncer de pulmão e consiste na utilização de radiação de alta energia para destruir células cancerígenas, impedindo sua proliferação. Em alusão ao Agosto Branco, campanha de conscientização sobre câncer de pulmão, a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) alerta que em algum momento do planejamento terapêutico, seis entre dez pacientes com diagnóstico de câncer recebem a indicação de radioterapia.
Um dos três pilares do tratamento oncológico (ao lado da cirurgia e terapia sistêmica), a radioterapia pode ser indicada com proposta curativa ou paliativa, a depender de fatores como a fase de descoberta e extensão da doença e disponibilidade das diferentes técnicas na Saúde Suplementar e no Sistema Único de Saúde (SUS), com mais gargalos na rede pública.
A radioterapia pode ser utilizada como tratamento primário, em combinação com a cirurgia ou quimioterapia, ou para aliviar sintomas em estágios avançados da doença. Ela tem como objetivo reduzir o tamanho do tumor, controlar seu crescimento e aliviar os sintomas, proporcionando uma melhor qualidade de vida aos pacientes”, afirma Maíra Neves, radio-oncologista do Instituto Radion, em Curitiba.
Dependendo do estadiamento (estágio de diagnóstico da doença) a radioterapia pode ser administrada com diferentes finalidades. A radioterapia pode ser o tratamento principal nos casos em que o tumor não pode ser removido cirurgicamente devido ao seu tamanho ou localização, ou ainda se o estado geral de saúde do paciente não permite a realização da cirurgia.
Outras possibilidades são:
– Radioterapia adjuvante, ou seja, após a cirurgia: com o objetivo de destruir as células remanescentes após o procedimento cirúrgico.
– Radioterapia neoadjuvante, ou seja, antes da cirurgia: para tentar reduzir o tamanho do tumor e tornar mais fácil a remoção cirúrgica.
– Radioterapia para tratamento de metástases: para frear a disseminação da doença, por exemplo, para o cérebro ou osso, que são os principais focos de metástase dos tumores originados no pulmão.
– Radioterapia como tratamento paliativo: nos casos no qual não há mais a proposta curativa. É feito para aliviar sintomas provocados pelo câncer de pulmão em estágio avançado, como dor, sangramento, dificuldade na deglutição, tosse e problemas causados por metástases cerebrais.
Entenda as diferentes técnicas de Radioterapia
Erick Rauber, radio-oncologista e membro da diretoria de comunicação da SBRT, explica que há diferentes técnicas de Radioterapia para o tratamento de pacientes com diagnóstico de câncer de pulmão, como a estereotáxica corpórea (SBRT), conformada tridimensional e radioterapia de intensidade modulada (IMRT).
A utilização de um ou outra vai depender do perfil clínico do paciente e biológico do tumor e o maior impeditivo, infelizmente, é a falta de disponibilidade da maioria delas por parte dos planos privados e no sistema público”, afirma.
– Radioterapia Estereotáxica Corpórea (SBRT) – É utilizada para tratar cânceres de pulmão em estágios iniciais, quando a cirurgia não é uma opção devido a outros problemas de saúde do paciente. Ao contrário de outras técnicas de radioterapia, na estereotáxica é administrada uma alta dose de radiação, desde vários ângulos, diretamente no volume alvo.
– Radioterapia conformacional tridimensional – A radioterapia conformacional 3D está baseada no planejamento tridimensional, permitindo concentrar a radiação na área a ser tratada e reduzir a dose nos tecidos normais adjacentes. Dessa forma, o tratamento é mais eficaz, com poucos efeitos colaterais, diminuindo as complicações clínicas e melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
– Radioterapia de intensidade modulada (IMRT) – É uma evolução da radioterapia conformacional 3D, na qual o equipamento se move em torno do paciente, enquanto libera a radiação. Essa técnica é usada, na maioria das vezes, para tumores localizados próximos a estruturas importantes, como a medula espinhal.
Técnicas longe de ser acessadas pelo SUS
Modalidades como Radioterapia Estereotáxica Corpórea e Radioterapia de intensidade modulada (IMRT), por exemplo, estão longe de ser uma realidade no SUS. Por sua vez, na Saúde Suplementar, a boa notícia foi a decisão anunciada nesse mês de agosto, pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de incorporação de radioterapia de intensidade modulada (IMRT) para tratamento de neoplasias de tórax (câncer de pulmão, mediastino e esôfago). Já a Radioterapia Estereotáxica Corpórea, assim como no SUS, também não está inclusa no Rol da ANS.
A nota técnica de recomendação da ANS para a radioterapia de IMRT apontou que o uso amplo e consolidado desta técnica, assim como seus benefícios para redução da toxicidade de curto e longo prazo relacionada à radiação, foi francamente corroborado por especialistas e outros interessados, que reforçam a importância da incorporação de uma técnica mais segura para o paciente e da ampliação das opções de radioterapia disponíveis no Rol. Antes desta decisão, a radioterapia de IMRT estava no rol de procedimentos da agência apenas para tumores de cabeça e pescoço.
Com Assessorias